No começo de uma tarde desta
estação, com muito sol e calor como não convém a um inverno que se preze,
cheguei para atender a um convite com jeito de convocação. Ele estava em seu
gabinete, e, avisado de minha chegada, veio logo ao meu encontro. Pareceu-me
sombrio, mas aquela expressão nublada desanuviara-se um pouco com um sorriso embaçado.
“Então, o senhor é o professor
Filipe. Qual é o problema, professor?” “Sou o Filipe, não costumo me apresentar
como professor. Como sabe disso?” “Amparo é desse tamaninho!”, fez um sinal com
indicador e polegar para mostrar quão pequena é nossa cidade. A pureza de suas
mãos decerto santificaram aquele gesto, que, feito numa roda de adolescentes, teria
significado desprovido de quaisquer virtudes.
Na tentativa de arejar o pé da prosa,
provoquei: “O senhor está bravo comigo?” “Oh, não, eu nunca fico bravo com
ninguém... Como poderia ficar bravo com você?... Mas, primeiramente, queria saber.
Você é católico?” – perguntou,
passando levemente a mão sobre a calva. “Sou católico, mas essa pergunta é
fácil de ser respondida. Difícil seria esta que lhe faço: Por que o senhor é
católico?” Expressou impaciência e me devolveu a pergunta. “Eu sei que ninguém,
com alguma inteligência, sente-se à vontade com essa indagação. Mas eu não me
importo em dizer que sou católico porque fui educado nesta fé. Porém, digo com
convicção: se toda a minha família abandonasse o catolicismo, eu ainda
continuaria firme. Não tenho dúvida de que esta é a Barca de Pedro. Há algumas 'canoas' por aí, às vezes seguindo a ‘Barca’ à distância; noutras vezes, tomando rumos
incertos, perdendo-se no horizonte, submergindo-se”. Eu disse, e ele ouviu
calado minha preleção. Durante hora e meia de entrevista, este talvez tenha
sido o único momento em que pude completar todas as frases.
Naquela salinha, luminosidade e calor
excessivos sufocavam-me ainda mais do que os olhos de meu “inquiridor”. E ele
retomou as rédeas: “Mas, se você é católico convicto, conforme diz, por que ataca
a Igreja como sempre faz no jornal?” “Eu não ataco a Igreja”. “Mas me ataca!”
“Não ataco o senhor”. “Mas eu estou todo ‘machucado’ com seus textos”. “Não era
para estar, pois não ataco pessoas, e sim ideias, posturas”. Ele continuou: “É
um escândalo publicar uma crítica ao bispo, a um padre. Isso deve ser resolvido
como agora, dialogando”. “Mas eu já mandei inúmeros e-mails, e ninguém sequer
os responde”. “Eu respondo”. “Não, também não responde”. “Eu não respondi a
este?” “A este, sim, mas aos demais, não. E tem outra: por mais de uma vez, em
meus e-mails, coloquei-me à disposição para uma correção fraterna, mas nunca
fui convidado”. “Mas você foi chamado aqui, como diz isso?” “Demorou para me
chamar!” “Mas eu já o chamei antes, e você não veio... Acho que estava com medo
de vir” (risos). “Eu não tenho medo, mas até que gostaria de sentir medo”,
disse-lhe sem convencê-lo.
“Fica publicando contra a
Igreja”. “Não é contra a Igreja, é contra a pinga que vocês vendem”. “Mas, meu
filho, eu sou contra, todos os padres são contra a venda de álcool nas festas,
mas os festeiros... Eles batem na gente, querem vender, porque querem. Eu até
poderia proibir, mas não sou autoritário”. “Não é o que dizem. Falam por aí que
o senhor governa com ‘mão de ferro’!”
"continua”