Cumprimentar as pessoas faz parte
do ofício de quem é, ao menos razoavelmente, educado. Ainda que desprovido de
beleza e parco de inteligência, pode-se arrumar na vida sendo simpático, porque
o sorriso é um infalível abre-portas. Talvez pelo fato de não ser belo nem
inteligente, conservo esse velho costume, apesar de eu não ter me “arrumado na
vida”.
Um bom dia sempre começa com um
bom-dia, diz o ditado. Por isso, costumo cumprimentar as pessoas que encontro,
mas nem sempre sou correspondido. Nas minhas caminhadas, que normalmente faço
lendo um pedaço de jornal, fico atento a quem cruzo. Aproximando, tiro os olhos
do jornal e fixo na figura. Se o fulano (ou fulana) despistar, olhando para o
lado, já sei: não quer ser cumprimentado e continuo a leitura. De vez em
quando, passo perto de uma senhora, que me ignora inteiro. Noutros tempos,
tentei cumprimentá-la, mas ela colheu o meu bom-dia virando a cara com um
resmungo, atirando ao longe a minha saudação.
Ela não quer que eu a cumprimente e eu não a cumprimento mais. Passo
raspando, sinto roçar-me o sopro quente de suas narinas, mas vou reto e mudo. No
entanto, já foi pior. Uma colega costumava responder: “Bom dia pra quem? Só se
for pra você, porque o meu dia tá uma m...”
Deixando de lado essas torpezas,
penso que deveria apenas haver ‘bom-dia’ e ‘boa-noite’. Lá no Gênesis, está:
“Deus chamou à luz dia e às trevas noite”; a ‘tarde’ e a ‘manhã’ foram citadas,
mas só de raspão. Já que há ‘boa-tarde’, por que não “boa-manhã”? Tem mais. No
início do horário de verão, a noite começa com o astro-rei ainda a “metros”
acima do horizonte e os ‘boas-noites’ já se assanham... Acho uma falta de respeito
para com a majestade solar. E ainda, pelos manuais da etiqueta, após a
meia-noite – duas da madrugada, por exemplo –, a saudação deve ser ‘bom-dia’. Vê se pode, dizer bom-dia no meio da
escuridão?...
Sei que é de bom-tom cumprimentar
as pessoas, mas isso nem sempre é possível. Quando, numa rua deserta, vem um
sujeito meio assustado, de longe já se desconfia das intenções dele. Os passos
costumam ser largos e descompassados, olha para trás, para os lados e estando
já à meia distância, fixa em você. Penso que atravessar a rua lhe seja mais
prudente, pois a situação exige cautela. Se você lhe der bom-dia, ele retribuirá
com um: “Ô moço, num dá procê me dá cinquenta centavos? Preciso pegá
o ônibus pra (...) e tô sem grana”.
Olha que esse bom-dia já lhe custa ‘cinquenta centavos’!... Tá barato, mas pode
custar caro. Tome cuidado!
Quando entro na sala de aula, a primeira
coisa que digo é o tal ‘bom-dia’. Mas sempre há um engraçadinho, berrando: “Bom
dia, fessô! Num dá bom-dia pra nóis não?!” E aí, para não ter que ficar
explicando a esse mala, que eu cumprimentava
a classe enquanto ele fuçava no celular, escrevo no canto da lousa: “Bom dia!
Guarda teu celular”.
Aliás, vou confessar algo e gostaria
de que ficasse somente aqui, entre nós. Quando resolvi escrever a saudação com
a “regra do celular”, quis ser chique e usei o imperativo. Mas pus o verbo na
terceira pessoa e o pronome na segunda, lascando um “guardem vosso ...”. Então,
uma colega, muito sutilmente e com a discrição dos sábios, advertiu-me: “Não
seria ‘guardai vosso’?...” “Ah, sim, tem razão!”, respondi sorrindo para
disfarçar minha parvice.
Não consegui ser chique, continuo
antipático, mas aprendi a usar verbo e pronome de forma correta.
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