Como diria Machado de Assis, na
minha infância já existia maio. Só que o maio da minha infância parecia ser
mais doce do que os “maios” de hoje. Foi num mês de maio que minha mãe ganhou
um bolo trazido da escola por meu irmão mais velho. Acostumados às broas de
fubá com erva-doce, aquele presente causou alumbramento em casa, pois foi a
primeira vez que, crianças, comíamos bolo. Lembro do gosto de baunilha, que eu
nem sabia que era baunilha. O pratinho de papelão ficou por tempos em casa, exalando
aquele aroma de “bolo das mães”. Foi naquele dia que fiquei sabendo que as mães
têm um dia só seu, e que poderia ser comemorado com um bolo de baunilha.
Em maio havia a colheita do
arroz-de-abril – uma variação dos inúmeros arrozes que existem e que cultivávamos
– cuja planta de cana longa produz exuberante cacho com grãos dourados e
esguios. Parece que o arroz-de-abril não era muito apreciado pelo mercado. Mas
não me importam as pretensões do mercado, que exporta; importa-me o arroz, que
nunca exportei.
No maio da minha infância tinham
festas em Vilas Boas, que a dona Angelina Tibúrcio frequentava conosco. Ela,
como nós, ia descalça e com sua blusinha branca, de malha – a única que tinha.
O Tatão Tibúrcio, irmão da dona Angelina, com quem morava, ficava em casa.
Tinha cravos nos pés, reumatismo nas “juntas” e não podia fazer longas
caminhadas nem deixar a “casa sozinha”. Àquelas festas acorria muita gente para
participar da novena e assistir à coroação de N. Senhora. Minha irmã mais velha
foi coroadeira por algum tempo, e diversas
vezes orgulhei-me de vê-la vestida de anjo. Havia, a cada ano, a liturgia de
despedida da coroadeira-mor, para que as menores pudessem
ascender a esse posto.
Após as rezas, havia o leilão. O
leiloeiro era o senhor Geraldo Lima, um homem claro, do tipo “galego”, que
animava a festa de dentro de um coreto. Pegava uma das muitas prendas que
estavam num canto e dizia: “Este aqui tá cheiroso... Deixa eu ver direito. Ih,
é um frango assado, que tá uma delícia!... E tá sem preço!!! Quem dá o
lance?...” “Vinte cruzeiros, que é pra começar!”, gritava alguém. “Vinte e um cruzeiros, que é pra minha
patroa!”, respondia outro. “Vinte e dois cruzeiros, que é pro compadre não
levar!”, gritava um homem que acabava de chegar. E o pregão continuava com
aquele “pingue-pongue”, até que: “Trinta e cinco cruzeiros, dou lhe uma. Trinta
e cinco cruzeiros! Trinta e cinco cruzeiros! Vou bater o martelo... Trinta e
cinco cruzeiros... Dou-lhe duas... dou-lhe três!” E o frango vai foi arrematado
por alguém lá de D. Silvério.
No dia da Santa, o mais esperado,
havia missa e muitos fogos, especialmente uns tais “foguetes de vara”, que o
seu João Firmeano soltava. Somente aquele velhinho dominava o ofício, que lhe
conferia certo prestígio. Solene, o “oficial da artilharia divina” segurava
firme cada artefato, acendia o estopim e liberava a vara, que subia sibilante,
iluminando o céu noturno de Vilas Boas, espocando nas alturas.
Mais um maio se vai. Não houve
bolo de baunilha, foguetes de vara nem leilão. Daqueles maios antigos, ficam-me
essas doces recordações.
FILIPE