De pequeno, eu já sonhava com uma arma. Comecei com arco e flecha feito de bambu, depois evoluí para canivete, faquinha de ponta, espingarda e... Parei na espingarda, interrompendo uma trajetória que teria me levado a uma cobiçadíssima ‘garrucha calibre 22’.
Meu primeiro canivete foi um
presente de meu pai quando completei dez anos. Lembro bem do dia em que meu
irmão mais velho e eu fomos à cidade com o dinheiro dado pelo Velho, que seria
a conta de pagar o presente. Era um domingo de verão com céu nublado e chão
molhado. Após caminhar por mais de hora numa estrada barrenta, chegamos à vendinha
do Jurandir, em Guiricema, e compramos os canivetes. O meu irmão escolheu um
com cabo branco e o meu tinha o cabo em tons escuros. Aquele foi um dia de grande contentamento
para mim, porque com um canivete no bolso eu passei a me sentir um homem feito.
Naquele tempo era assim mesmo. O passaporte masculino para a idade adulta era
uma pequena arma ou cigarros.
A história da espingarda foi
diferente. Mas antes da espingarda, preciso contar outra história. Depois do
canivete, eu queria “evoluir” e desejava uma ‘arma de fogo’, chegando a fazer
uma artesanalmente. Peguei um cano de guarda-chuva e um pedaço de madeira.
Depois amassei e dobrei uma parte do cano e lavrei a madeira até que ela
ficasse com cara de coronha. Enfim, fiz uns encaixes, amarrei o cano na coronha
com arame e usei um elástico para fazer com que o gatilho pudesse ser armado e
disparado. Pronta a minha “bazuca” eu precisava testá-la. Comprei pólvora,
chumbo e espoleta. Soquei a pólvora com uma boa carga de chumbo e saí em busca
de um alvo, mas não tive coragem de puxar o gatilho. O cano me pareceu muito
frágil e aquela maçaroca explosiva poderia me chamuscar a fuça. Desisti.
Agora a espingarda. Quando eu
tinha uns quinze anos, procurei um tal Chico Alfredo, que tinha uma espingarda
para vender. Ah, você não sabe quem é o Chico Alfredo? Não se preocupe porque eu
também não sei. Mas isso não importa. Antes de me encontrar com aquele armeiro,
pedi permissão ao meu pai. Aqui umas observações: não sei como tive coragem de
pedir autorização ao papai para comprar uma espingarda, não sei como meu pai
pôde me autorizar a possuir uma arma e não sei como o Chico Alfredo teve
coragem de armar um moleque. Estava tudo errado, mas como papai sempre confiou
em mim, consegui comprar a espingarda e dei alguns tiros com ela. Passado um
tempo, dei fim naquele troço e mudei meus planos, que se tornaram pacifistas.
Hoje, já homem velho, exorto a
todos que se desarmem. Arma é eficiente para atacar e não para se defender. Até
fins dos anos noventa, havia uma propaganda institucional sobre segurança
pública dizendo: “Nunca reaja a um assalto”. E as estatísticas apontavam que em
18 reações, o placar dava ’17 a 1’ a favor do bandido. Até aquele tal Jair que
se diz Messias já teve sua arma levada por um assaltante.
Infelizmente está de volta a sanha
armamentista. Nos últimos três anos, segundo alguns estudos, o número de armas com
a população civil foi multiplicado por seis, havendo mais armas com o povo do
que com as forças de segurança. Pergunto: quais bandidos estão lucrando com
isso?
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