quinta-feira, 26 de maio de 2016

CARTA AO POETA

Texto encaminhado ao jornal "A Tribuna" de Amparo, em réplica a um artigo.


Caro Marcelo Henrique.
Ainda que um poeta não precise de conselhos, atrevo-me a lhe dizer que um ‘imortal’ da poesia e da prosa deveria se preservar da cólera verborrágica que nos acomete, os reles mortais.

Em seu texto intitulado “Em busca do equilíbrio” e publicado na última edição deste semanário, você diz, entre outras coisas, que “o PT é um cadáver insepulto, fede muito e verte chorume”, que “as centrais sindicais e o MST são, em sua quase totalidade, uma horda de baderneiros” e que “a UNE continua sendo um nicho de comunistas”! Bom, para quem prega o “equilíbrio”, conforme sugere o título do artigo, seu autor parece estar um pouco desequilibrado. Não se deve lançar à geena inocentes almas misturadas aos desalmados, que se encontram também em outras plagas.

Quanto ao alvo de sua verrina, o PT, posso afirmar que não se trata apenas de uma estrela ou uma sigla, mas um partido político com inserção social, tendo entre seus membros pessoas de altíssima e ilibada reputação. Dentre seus filiados, há os que trabalham duro e honestamente, encampando a luta política contra os espoliadores da classe operária. Chamar o PT de “cadáver insepulto” é atentar também contra nós, seus simpatizantes e eleitores eventuais.

Talvez o articulista não saiba, mas nos outros partidos há ladrões e alguns roubam até verba da merenda escolar! Neles há também os lambe-botas sempre à espreita de uma “boquinha” na Administração Pública, uma gente mesquinha, bem relacionada e que costuma lograr êxito, sobrepesando a sociedade em cargos comissionados. Em Amparo, na atual gestão, isso chegou a ser questionado pelo Ministério Público.

O fato é que o Partido dos Trabalhadores, apesar de seus inúmeros defeitos e injustificáveis equívocos, foi a força motriz responsável por riscar o Brasil do mapa da fome neste início de século. Dos adversários, não se espera outra coisa senão a crítica irresponsável. Mas do povo pobre, esperava-se gratidão e não essa fúria tresloucada alimentada pela mídia nazifascista. Por ignorância ou maldade, muita gente beneficiada pelo “Minha Casa, Minha Vida”, “ProUni” e outros programas de inclusão social apedreja o PT. A história, sempre ela, há de dar o justo veredito e esse “cadáver” poderá revivificar.

Uma palavra final. Para nós – os mortais viventes de parcas letras, mal-ajambradas palavras e de pensamentos vis – não é de todo ruim “descascar a mexerica com dedos sujos”.  Mas não me parece de bom-tom tais práticas por quem ostenta as mãos enluvadas da intelligentsia tapuia, não é mesmo, Marcelo Henrique? Da próxima vez, não seja tão deselegante, caro poeta!


FILIPE



sexta-feira, 13 de maio de 2016

MALEDICÊNCIAS

“... e não serei maledicente.  Só por hoje!”

Há tempos, colei essa frase na porta do armário na escola onde trabalho. A intenção era guardar-me desse malfeito que assola a humanidade desde seus primórdios. Mas parece que aquele papel descorou não pelo tempo, mas pela vergonha de mim. Continuo dando conta da vida alheia, e deixando a minha vida tão necessitada de cuidados.

Não me consta que Moisés tenha recebido, na “Tábua das Leis”, um mandamento que proibisse sua tribo de maldizer o próximo. Mas Cristo disse nos evangelhos: “Raça de víboras, como podes dizer boas coisas sendo mau? No dia do Juízo, pelas tuas palavras serás justificado ou condenado!” Ah, o Mestre sabia o que estava falando, porque aquele povo do templo devia ter uma língua devastadora!

O vício da maledicência é de difícil tratamento. Não passa um só dia, faça chuva, sol, calor ou frio, sem que este impenitente “escriba” cometa a impudicícia de caluniar alguém. E olha que eu me esforço... Desde a minha infância, já ouvia gente grande dizer que é feio falar da vida alheia. Um parente, quando nos visitava, engatava uma conversa com meu pai em que se falava de tudo e por horas. Dele, era comum ouvir: “Compadre, você sabe que eu não sou de falar mal dos outros. Mas tem gente de ‘língua grande’, que não deixa a vida da gente em paz... E aquele fulano, compadre, é um desses. Ele é porcaria, não vale uma b... de gato!”

Também era comum haver gente um pouquinho mais refinada que o compadre de meu pai. Antes da ‘fuzilaria’, ia logo se defendendo: “Eu sou muito positivo e falo somente a verdade. E eu falei mesmo e foi na cara!” Bom, deve ser mesmo muito positivo falar na cara, que é para ofender e afundar de vez o desafeto. Outros, ainda mais sofisticados, costumam usar a palavra ‘sinceridade’. “Estou te falando isso, porque eu sou sincero e não sou de falar por trás.” Mas a tal ‘sinceridade’ costuma ser uma autêntica grosseria, principalmente contra alguém frágil.

E olha só..., cá estou eu a falar das pessoas, ainda que sub-repticiamente, sem citar nomes. Não, não dá para continuar assim. Todos os bípedes falantes deveríamos resolver esse problema. É preciso debelar essa moléstia, que assola a humanidade desde os tempos em que descemos da árvore e emitimos os primeiros guinchos.  Relações sociais e familiares são destruídas por palavras maldosas. A futrica tem natureza de uma progressão geométrica: avança exponencialmente no grupo e seu estrago é devastador.

Tenho pensado muito nisso. Não só famílias, mas nações são irrecuperavelmente divididas, antagonizadas, devido a esse flagelo. O meu caso – o que interessa no momento – não é assim tão simples. Hoje mesmo, e estou bastante arrependido, já falei mal de alguém. Pior: falo apenas para amigos íntimos, com quem tenho cumplicidade, e essa relação de confiança turbina o efeito deletério da maledicência. E aqui toco no ponto central dessa reflexão: quem tem mais credibilidade é também mais perigoso. Um nóia pode falar o que quiser e ninguém lhe dará ouvidos. Mas alguém ‘de respeito’..., o que diz é demolidor.

Nem tudo está perdido nessa luta contra meus vícios. Aquela frase poderá ter bom uso, fazendo-se dela um epitáfio. Sofrendo uma sutil modificação, em minha lápide cunhar-se á:
“...e não serei maledicente. Agora é para sempre!”


FILIPE