sexta-feira, 28 de junho de 2013

A MARCHA DOS INSENSATOS


Muito se tem falado e escrito sobre as manifestações populares ocorridas nos últimos dias. Embora ninguém tenha pedido minha opinião, resolvi deixar nesta página algumas impressões, inúteis por sinal, mas não menos inútil do que o objeto de minha preocupação. Para ser exato e justo, um irmão me ligou perguntando o que penso destas e doutras coisas. Perguntou por perguntar, pois como sempre lhe ocorre, ouviu-me para discordar logo em seguida. De modo que tudo permaneceu no mesmo formato e tamanho, nada mudando para ele nem para mim. Entretanto, sendo eu ignorante neste e noutros assuntos, e ele bem informado em tudo, esperava-se o contrário: nesta e na próxima crise, eu deveria lhe pedir opiniões - sempre sábias e verdadeiras.
As “insanas turbas” que ora ocupam ruas, praças e vias fizeram-me lembrar de outras manifestações, mas no campo da ficção. Menotti del Picchia, em seu inesquecível romance   “A desintegração da morte”, fez referências a um povo em marcha denominado por ele, se não me falha a memória, de “multidões ululantes”. Diferentemente das multidões de agora, lá na ficção aquela gente sabia por que ululava. 
                Sociólogos, antropólogos e toda a casta de cientistas sociais se debruçam sobre o assunto do momento. Alguns chegam mesmo a vislumbrar uma revolução em curso. Mas que revolução está caminho? A dos conservadores? Os números de importante instituto de pesquisa apontam as classes alta e média alta como grandes incentivadoras dessa tormenta; e conservadores não promovem revolução, mas golpe. Fico pensando: “Será que essa gente rica está preocupada com quem anda de ônibus ou é usuário do SUS?” Claro que não, e os seus interesses são outros. A julgar pelo espaço concedido pela grande mídia aos principais desafetos de dona Dilma, percebe-se que há muita fumaça em sua cozinha, e o seu fogão é que está em jogo.
                Observemos os últimos movimentos do governo paulista. Toda aquela cúpula conseguiu da Assembleia Legislativa, por votação unânime, 10,3% de aumento nos seus salários. E tudo aconteceu durante a tenebrosa tempestade nas ruas. Por que não protestaram contra isso? Mas não há interesse em atacar os tucanos paulistas. Prova disso é que recentemente a TV Cultura entrevistou, no programa Roda Viva, Roberto Freire - caudilho dos ex-comunistas e que faz odiosa campanha contra o Planalto; no meio da crise veio José Serra, que dispensa comentários; e, para completar a tríade, tentaram FHC. Só não conseguiram este, pois houve chiadeira dos conselheiros da Fundação Padre Anchieta.
                Você tem dúvidas de que esteja em curso um movimento fascista com o intuito de desestabilizar Dilma? Eu não tenho. Afora os voluntariosos estudantes e aquela “gente diferenciada” que lutam por uma sociedade mais justa, há no bojo desse movimento toda uma engenharia demo-tucana com a incumbência de  pôr a pique o governo vigente.
                Você ainda vai à passeata? Estará em boa companhia de Veja, Globo, Folha, Estadão, demo, tucanalha et caterva. Faça bom proveito!

FILIPE

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O ADEUS DE PRETINHA

Morreu Pretinha. A cadelinha que sempre, num misto de paciência e ansiedade, nos esperava; que alegremente nos recebia; que se entristecia com nossa ausência. Morreu idosa, doente, desdentada, mas não abandonada. Um tumor lhe invadiu as entranhas cegando-a, tirando-lhe a audição, tolhendo-lhe os movimentos e fazendo com que se locomovesse às apalpadelas.

Pretinha gostava de passear. Pela manhã, bem cedo, ela me convidava para uma breve caminhada. Ainda escuro, caminhávamos pelas ruas desertas, despidas de automóveis e de gente. Enquanto eu me dirigia ao Pai em minhas preces matinais, ela se entretinha com coisinhas que só mesmo eles, os desambiciosos cãezinhos, são capazes de valorizar. Num trote miúdo, dava breves paradas e olhadelas para trás para se certificar de minha presença. O rabinho balouçante, tal como uma batuta, parecia ditar o ritmo das passadas vergando-se de um lado para o outro.

Houve tempos em que Pretinha fugia de minha companhia. Gostava de caminhar só. Caso eu a seguisse, tal qual uma adolescente mimada, fazia-se rebelde, e corria a escapar-me às vistas. Ultimamente não. Pretinha não mais saía só. Aberto o portão, dava uns passos em direção à rua e voltava. Olhava-me fixamente, dava meia volta em direção à rua, parava, olhava para trás como que dizendo: “Não vai? Vamos... Sozinha eu não vou!” Quase sempre eu cedia aos seus reclamos. Nos últimos dias, entretanto, ela não se animou mais a sair. Pior: mal saía do lugar em que se encontrava, pois sempre havia uma parede ou um muro a lhe bordoar a cabeça. Perdera o senso de direção e a visão. Enfim, a intrépida cadelinha, retratada neste blog sob o título de “PRETINHA”, deu adeus. Partiu numa fria madrugada deste gélido outono. Fora sepultada sob uma roseira, ao lado de Neguinha. Ficara ali, pois ali vivera boa parte de sua “centenária” existência. Ainda, sob o olhar curioso de Pituka, fiz-lhe honras depositando uma rosa junto ao seu corpinho.

Não, solitário leitor, não me repreenda por eu tecer loas aos cães. Também não me censure nem me acuse de transformar este espaço num “necrológio de canídeos”. Os canídeos conquistaram um bom naco no meu mundo de preocupações, mas não somente eles. Os hominídeos também se fazem habituée destas páginas. Não dirá o leitor - se ainda o tenho por cá - que o assunto me é escasso e por isso me ponho a escrevinhar frivolidades. Não são frívolas estas reflexões, caro leitor, e não me falta assunto. Bem sabe que gosto de falar mal das pessoas e este espaço é pródigo neste aspecto. E só pra nós aqui: não falta gente querendo ouvir maledicências, não é mesmo?

Pois bem. Preciso encerrar este necrológio com um panegírico aos cães: Nós, seres humanos, mergulhados na mais profunda desumanidade, deveríamos aprender com essas pequenas criaturas divinamente caninas o conceito de lealdade, desapego, resignação e fidelidade.  Se o homem depositasse em Deus a mesma confiança que lhe é depositada por seu cão, o mundo seria divinamente melhor. 
FILIPE