sexta-feira, 28 de agosto de 2020

AS IMPRESSÕES DO GODOY

 

“Nas minhas andanças pelo interior de São Paulo, correndo atrás de contratos para poder lecionar, acabei indo para a cidade de Amparo. Na escola em que fui trabalhar, conheci muitas pessoas que, em sua maioria, trataram bem 'o rapaz de Minas'. Pois bem, vou falar um pouco sobre um professor de Matemática – homem sábio, que usava roupas simples e já meio “surradas”, um chapéu na cabeça e o jornal enrolado nas mãos – e era justamente o jornal que lia nas horas vagas a grande fonte de inspiração para as sábias reflexões proferidas durante os diálogos nos intervalos.

               

Para trabalhar, eu me deslocava diariamente, de segunda a sexta, entre as cidades de Monte Sião (MG) e Amparo (SP), fato que chamou a atenção do professor. Dessa forma, especialmente às sextas-feiras, íamos nós caminhando após a exaustiva e turbulenta semana de trabalho (situação bem conhecida de quem atualmente está em sala de aula no Brasil), rumo aos nossos respectivos destinos: eu à rodoviária e o professor para sua casa, sendo que, não raras vezes, eu passava em sua residência para tomar um café com sua família. O caminho proporcionou a construção de uma grande amizade, amizade fundamentada na lealdade e na oração. Foram muitas as vezes que, ao passarmos diante da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, fazíamos a oração do Ângelus, na qual rezávamos as Três Ave-Marias e, no final, uma pequena oração pedindo descanso aos mortos.

               

Esse amigo nos presenteava a cada quinze dias com uma reflexão no seu Blog. Os assuntos eram variados: desde histórias de seus conterrâneos em Minas até críticas construtivas a respeito das atividades pastorais realizadas pela Igreja (pois sempre foi um bom católico), passando obviamente pelos textos políticos. O amigo, talvez não compreendido pela maioria das pessoas, é repleto de ideais e não de interesses particulares.

 

Algumas pessoas conseguem nos humanizar, fazendo-nos enxergar o mundo e os semelhantes com um olhar fraterno e generoso – não apenas com suas palavras, mas principalmente com suas ações.

 

Obrigado, professor.”

 

O texto acima foi publicado num ‘blog literário’ por Renato Pires de Godoy, uma das pessoas mais formidáveis que já conheci e de quem tenho o privilégio de ser amigo.

 

FILIPE

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

CABEÇA FRACA

Não posso dizer que tenho inveja de alguém, mas às vezes a minha admiração pelo talento de alguns beira a esse sentimento. Aliás, ainda quero falar sobre ‘inveja’ aqui, porque esse ‘pecado capital’ é um tema que deve me render boas linhas. Mas hoje quero falar de uma habilidade que muito admiro em certas pessoas: a memória.

 

Recentemente, no grupo de WhatsApp da família, um irmão, certamente querendo fazer graça, aventou a possibilidade de que esteja fadado a sofrer do Mal de Alzheimer. Dias desses, segundo disse, entrou no carro, posicionou-se ao volante e, quando ia dar a partida, cadê a chave?... Não estava na ignição e nem sabia onde a tinha posto. Desceu do carro, foi não sei onde, perguntou a não sei quem, depois voltou ao carro e, pensativo, sentou-se novamente ao volante, mas... sem a chave. De repente percebeu algo estranho, que não explicou e nem precisava explicar: ele estava sentado em cima da bendita chave.

 

Depois desse ‘causo’ e para completar a carga, chegou mais galhofa no grupo. Agora alguém citou outro irmão, que saiu para fazer compras ou não sei o quê, e voltou para casa a pé, deixando o carro para trás. Compras, certamente não foi, porque fico imaginando o mano carregando pesadas caixas ou sacolas, caminhando quilômetros, enquanto seu carro fica pacientemente cochilando no estacionamento do supermercado. Não, isso jamais aconteceria!

 

Felizmente, tudo isso são causos de uma família com certa vocação para ‘fazer rir’. Quando ao menos parte dos irmãos, que são onze, está reunida, todo mundo fala junto, dá risada e ninguém ouve ninguém para, no fim, todos saírem satisfeitos com as novidades. E no grupo de WhatsApp é mais ou menos desse jeito também. Tem vez que alguém destampa a falar sobre um assunto, e outro atravessa a conversa com algo que não tem nada a ver com o tema. Quem chega depois verá muitas dezenas de mensagens sem nexo algum. “Hoje o jornal estava comprido e custei para varar até em baixo”, disse um irmão outro dia, que chegou atrasado e perdeu a tertúlia.

 

No dia em que falaram da “perda de memória”, não pude participar porque estava trabalhando em outra página do computador, mas volta e meia eu entrava e conferia o assunto. Estava com vontade de falar de mim também, de meus 'dramas mnemônicos', mas deixei pra lá. Agora, no silêncio do blog, fico mais à vontade para dizer que minha memória está meio capenga. Faz tempos que observo isso sem, no entanto, perder o sono.

 

Certa vez, fui ao mercado para fazer compras. Não seria ‘fazer compras’ mesmo, mas comprar algo, que não consegui trazer para casa. E sabe por quê? Porque eu não me lembrava do nome do produto. E sabe que produto eu queria comprar? Gelatina! Eu não lembrava dessa palavra!...

 

Bem diferente do anedotário lá em cima, meu caso é sério. Porque “cabeça fraca” pode ser o fim da carreira de um professor.

 

FILIPE