quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A TRAVESSIA

“Eu e Juracy já estamos na reta final. Digo isso por causa dessas nossas enfermidades. O que acontece com o compadre Tonico está para acontecer comigo também. Por isso, quero entregar a minha vida e a vida da Juracy nas mãos de Deus.”

Essa prece pungente, mas bela, papai fez durante as Laudes do Freizinho, da qual participamos. “Entregar a vida nas mãos de Deus” chega a ser imperioso mandamento. Refleti bastante sobre aquelas palavras e tento rascunhar algo nesta madrugada, enquanto tomo meu mate, sob a trêmula chama de uma lamparina. Ao lado, o “O Irmão Alemão”, de Chico Buarque, me aguarda sonolento. Sobre o livro, descansa uma pena de seriema, que encontrei lá pelos lados do Rancho das Martins. A pena de cor cinza em diagonal sobre a capa vermelha do livro compõe uma linda figura. Por um momento, penso ter Chico usado pena e tinteiro para escrevê-lo. Mas chega de divagações! Ao trabalho, portanto.

Durante esta curta estada por aqui, quantos momentos sublimemente vividos! O comovente encontro na rodoviária de VRB com o Sacramentino e o Freizinho, quando foram me buscar; na chegada, o abraço do pai e o ‘Deus-te-abençoe’ desconfiado da mãe – sem saber ao certo se este é filho, irmão, amigo ou “penetra”; o abraço da ‘irmã do meio’, que por um mês assumiu os trabalhos na casa paterna; o abraço da ‘irmã mais velha’, a vigilante guardiã dos ‘velhinhos’; o abraço forte do Mano Véio, com seus peculiares ‘tapas nas costas’; o abraço da ‘irmã mais nova’, que nos recebeu com um lauto banquete, servindo o mineiríssimo galo com macarrão; o abraço do irmão caçula, com seus questionamentos e provocações; o abraço do Irmãozinho, sempre amável e solícito; as animadas conversas, brincadeiras, chacotas e cantorias; as canções da mamãe, agora entoadas pelo trio feminino da irmandade; o magnífico dueto formado pelo Sacramentino mais a ‘irmã do meio’; a homenagem ao Luizinho Cristiano, quando duas de suas composições foram gravadas pelos ‘Moura Lima’; o baile dado nos radiologistas pela mamãe, quando tentaram, sem sucesso, submetê-la a uma ressonância magnética; os deliciosos doces feitos pelo Freizinho: um mingau de milho verde (sem doce) e um doce de manga (muito doce); a abençoada e incessante chuvinha, que me fez companhia.

Tudo isso passou ligeiro. Uma semana de encontros e todos já se despediram, e eu também já alço voo. “Como será daqui a dez anos, mano?...”, perguntou-me um preocupado Freizinho sem querer resposta. Ainda assim, arrisquei dizendo que talvez o grupo se desfaça. Provavelmente eu nem mais esteja ou compareça. É triste. Alegres são os momentos ora vividos, que devem ser intensamente contemplados.

Nos “umbrais da eternidade”, encontra-se o amigo de meu pai – fomos visitá-lo em seu leito – e o destemido papai já prenuncia algo para si. Cada um de nós, certamente, há de travar a ‘batalha final’, na qual teremos como armas o ‘bem’ ou o ‘mal’ que na vida praticamos. Mas vamos trilhando nossa vereda, ainda que pedregosa. Tal como a bruxuleante chama desta lamparina, que vai iluminando e resistindo ao vento, aos besouros, vergando-se, mas aprumando-se novamente, vamos seguindo até que amanheça e a travessia aconteça.


FILIPE

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

DESASSOSSEGO

Gosto de ler seus textos, mas aqueles que falam de seu povo, de sua terra e não esses sobre política. Continue contando a história de suas gentes.” Ouvi, quase envergonhado, o desabafo de minha amiga e leitora, mas sinto muito por decepcioná-la ainda outra vez.

Não me apetece falar de política nem de economia, assuntos que não domino e sobre os quais não deveria meter a colher. Embora ignorante nestes e noutros assuntos, ouso pisar esse pântano de odor desagradável que me traga e me trai, e me desassossega. Também não costumo falar de política com amigos, melhor poupá-los de meus clichês. Neste espaço, porém, costumo dar vazão às minhas inquietações. E com a licença da amiga, vou prosseguir.

O meu desassossego fica por conta do recém-sepultado 2015, ano em que economia e política me deixaram aturdido. A agenda nacional foi de ódio. Nos bares e botecos, nos becos e sobrados, nas escolas e templos, nas cozinhas e nas alcovas não se falou doutra coisa que não fosse o ‘fla-flu do mal’ a que se tornou a política nacional.

O país está quebrado, sabemos. Os preços sobem e, como em tempos de guerra, há filas. Tenho presenciado algumas dessas infâmias, que são o diagnóstico dessa debacle. No supermercado há filas, principalmente no açougue e para comprar picanha. Nos caixas, mais fila, agora para pagar a picanha.

Segundo o noticiário de fim de ano, “jovens gastam 40 mil reais em uma semana na praia”. Na mesma reportagem, um empresário berra: “Urruh! A crise não vai acabar com nossa feeeeeeeeeeeeeesta!” Nos bares mais badalados também há crise. Morro de dó daquela gente, de pé, passando zap-zap, aguardando na fila o sinal verde para o chope com casquinha de siri. Assim é a vida..., fazer o quê?!

Há outras crises. Uma importante editora resolveu fechar as portas, demitir funcionários e dispensar autores e editores. Isso não é novidade. O inusitado fica por conta da forma como aconteceu. O dono fez com que todos fossem informados pela imprensa. Isso mesmo: foi pelos jornais que seus comandados souberam do infortúnio. O dito empresário também decidiu pôr à venda sua residência e “se mandar”.  O preço? “Apenas” 30 milhões de reais!

Ah, estava esquecendo do desemprego, que cresce assustadoramente! Mas, e a qualificação? Segundo pesquisas, um americano tem produtividade equivalente à de quatro brasileiros.  Não seria o momento de cada jovem brasuca levar à sério a vida, dedicando-se mais aos estudos e se profissionalizando? Procure um pedreiro, carpinteiro, encanador ou eletricista. Não os encontra e, quando os acha, custam o “olho da cara”. E também não temos técnicos!

No Brasil, conforme último levantamento do IBGE, há 6,8 milhões de jovens entre 15 e 29 anos denominados “nem, nem, nem”. Um contingente equivalente às populações somadas de duas capitais, Rio de Janeiro e Vitória, que NEM estuda, NEM trabalha, NEM procura emprego. Como o país vai sair do buraco com essa horda de vagabundos? E a culpa é da Dilma?

Mas querem o impeachment da presidenta para pôr o vice no lugar dela. Só que, segundo o Datafolha, 52% dos brasileiros não sabem quem é o vice-presidente. Que coisa doida, hein?...


FILIPE