Dia 20 de março fez um ano que tivemos de mudar às pressas para
fora dos “muros da cidade”. A voraz pandemia, que apenas começava, obrigou-nos
a essa aventura, que depois se revelou prazerosa. Morar em região montanhosa,
cercado de vegetação, ar limpo e brisa noturna não é algo trivial. Aqui há
dessas coisas, e há mais: tenho mangueiras que me dão frutos a seu tempo e
sombra a todo tempo, e onde quero amarrar uma rede para as tardes preguiçosas.
E tenho bons vizinhos também, cada qual vivendo na quietude de seu canto. Uns criam galinhas, outros cães, outros nada. Não crio galinhas, mas tenho cães que ladram sem parar. Mas a ‘turbulência’ do título não é por conta das matilhas.
Tempos atrás tive que comparecer a uma DP como testemunha de
acusação contra um sujeito que soltava rojões de madrugada por causa de um
galo. O simpático garnisé não entendia que o vizinho protestava e continuava
sua cantoria apesar dos estrondos. O “fogueteiro” não se deu por vencido e
apelou: antes das seis da manhã, uma bomba fez-se ouvir. Como consequência
disso, houve boletim de ocorrência, intimação etc. Contudo, voltou a paz para
aqueles lados.
Da última vez, embora sem rojões nem boletins, houve um pequeno entrevero entre dois vizinhos, de quem sou amigo. “Meu parente mais próximo é o meu vizinho”, diz a sabedoria popular, e eu costumo levar isso em conta. Dessa forma, prefiro ficar “de boa” com a vizinhança, sempre evitando qualquer mal-estar.
Meu vizinho, o protagonista desta crônica, tem muitas galinhas,
cuida muito bem delas e não as mata, o que me deixa contente. A vizinha também
tem lá as suas galinhas e delas aproveita apenas os ovos. Mas houve entre eles
um desacerto, que não sei bem os detalhes. Ela nervosa, ele também; ela dizendo
que ele tem muito bicho e que tem vizinho reclamando; ele dizendo que se alguém
reclama, que fale com ele etc. Como há “vizinhos reclamando”, eu me vendo nesse
torvelinho, quis passar a limpo a minha parte e procurei o rapaz na manhã
seguinte. Ele estava lidando com as ‘penosas’ e parecia não querer papo comigo,
mas insisti para que viesse conversar.
Ele chegou bastante desconfiado, pôs o balde com o milho no chão, coçou a cabeça e me retribuiu meio a contragosto o bom-dia. “O que está acontecendo?”, perguntei. “Nada”, respondeu. “Nada?!”, insisti. “Me falaram que um vizinho está reclamando de minhas galinhas e eu falei que é pra falar comigo. Foi isso”, respondeu agora de forma satisfatória. “Pois bem, se o vizinho sou eu, não há reclamação alguma. Gosto do senhor e tenho enorme carinho pela vizinha também. E quero deixar claro que sou inocente nessa questão”. Ele desanuviou o semblante e até ensaiou sorrir, mas fechou-se novamente e disse: “Olha, eu fiquei bravo mesmo, porque não sei quem reclamou e disse que era pra falar comigo. E sabe de uma coisa?... Eu mandei todo mundo tomar no ‘copo’!” “Ah, disso aí não sabia, mas eu não vou tomar no ‘copo’, porque não tenho a ver com isso, né?...” E assim parece que ficou resolvida a questão.
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