sexta-feira, 12 de março de 2021

TIZIU


Vou falar do Tiziu, mas só no final da crônica. Se eu fosse você, pulava logo para o último parágrafo, porque no miolo desta só tem pedreira. 

Eu estava feliz com o retorno à sala de aula. Havia poucos alunos, mas valia a pena devido ao interesse deles. No entanto, outra onda maligna da covid nos fez retornar ao trabalho remoto e, para que eu não ficasse tão improdutivo, quis seguir o exemplo de uma amiga que comprou uma lousa branca e dá aulas em casa, usando as mídias. 

Fui à cidade, que estava quase deserta em razão do lockdown, e me dirigi a uma papelaria onde o atendimento se dava por uma janela. Havia umas três ou quatro pessoas à minha frente, mas eu não tinha pressa. Peguei meu jornal e comecei a ler, como sempre faço em ambientes com estranhos. Eu tenho dessas. Se não conheço ou não tenho afinidade, prefiro ler a forçar uma prosa. 

Chegou, então, um sujeito falante, puxador de assunto, a quem cumprimentei sem muita vontade. Animado, ele começou com esta: “A que ponto chegamos, hein?” “É... a que ponto chegamos!”, concordei, mesmo sem saber que ‘ponto’ era esse. Pensei na pandemia, que batera mais um recorde de óbitos. Pensei na carestia, no desemprego. Mas não. Ele se referia ao comércio fechado – que nem estava fechado. Bravo, ele queria que tudo ficasse aberto. E começou a falar mais alto enquanto ganhava apoio dos que estavam na fila. “E o supremo, o que você achou daquilo?”, provocou. “Eu jogaria uma bomba lá”, um respondeu.  “É brincadeira...”, disse outro. “Vou te contar... eu não aguento mais essa palhaçada. Queria que um sniper acertasse a cabeça do Lula!”, interveio um terceiro. 

Uma carga elétrica percorreu-me a espinha e senti o curto-circuito na garganta. Quando me dei conta da situação, eu já estava no fogo. “Tem que acertar é a cabeça do Bozo, aquele fdp”, esbravejei com todas as letras e sem medir riscos. Pela primeira vez na vida usei essa expressão e ela saiu tonitruante. Na hora, até gostei, mas depois me senti mal com aquilo. Não xingo, não gosto de ouvir xingamentos, e muito menos na quaresma. Mas saiu... fazer o quê?... Os meus companheiros de fila, talvez ofendidos, calaram-se ou mudaram de assunto. 

Não dá para defender um genocida responsável pelos muitos milhares de mortes evitáveis nessa pandemia. Mas o Belzebu tem algo mais importante a fazer. Ele quer assegurar ao “cidadão de bem” acesso a até 60 armas de fogo, mas não garante vacina para o povo. Resumindo: quem preconiza a morte jamais promoverá a vida. Agora vamos ao cãozinho, que está me esperando. 

O Tiziu aprontou das suas anteontem. Pulou uma cerca e se atracou com um ouriço, que lá em Minas nós conhecemos como “luís-cacheiro”. Mas ele perdeu a briga. Foram tantas as agulhas enfiadas na boca, no peito e nas patas, que não sei como sobreviveu. Sobrou para mim tirar aqueles espinhos, que me deu um baita trabalho. Só espero que o moleque tenha aprendido a lição e nunca mais se meta à besta com “luís-cacheiro”. 

FILIPE


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