Na manhã do último domingo,
recebi o jornal e vi uma chamada: “A minha última crônica”, de Antonio Prata.
“Como pode o meu colunista preferido parar de publicar suas crônicas?...”,
pensei e apressei-me a lê-la.
As crônicas de Antonio Prata
(escreve-se sem acento) me remetem a um passado muito distante. Essa lembrança
não está associada à literatura, mas a uma coisa muito doida: os pratos de
comida de minha infância. Nem sempre havia carne nas nossas refeições, porque,
nas ‘panelas pobres’, as tais “misturas” eram artigo de luxo. Há até um ditado
meio besta, que diz: “quando pobre come frango, um dos dois está doente”.
E volto à ‘lembrança’. Na hora do
‘rango’, pegávamos arroz (quando tinha), feijão, canjiquinha (fiel
companheira), angu e a tal mistura, que poderia ser torresmo, um pedacinho de
carne ou até mesmo um ovo frito – que costumava ser dividido para alimentar
mais bocas. Começando pelo irmão mais velho, todos cumpríamos um ritual que
parecia ser genuinamente nosso. Comíamos primeiramente o arroz, o feijão, a canjiquinha
etc. A ‘mistura’, que era a iguaria, deixávamos por último. Limpado o prato, vinha
o deleite final: íamos desfiando suave e solenemente o pedacinho de carne,
fazendo daquele momento uma apoteose; se fosse ovo, comíamos primeiramente a
clara, desnudando sua gema e a tornando uma autêntica pepita de ouro. Dava
gosto ver o irmão mais velho no ofício: um perito nessa “ourivesaria”.
Aqueles tempos são velhos e nada
têm a ver com a atualidade. Na escola em que trabalho, por exemplo, vejo pratos
cheios de comida, recheados de carne, sendo despejados no lixo. Dói-me ver
aquilo. De todos os gêneros alimentícios, a “proteína animal’ é o mais sagrado,
porque não se colhe filé de frango ou alcatra em árvores. Esse alimento, é imperioso
refletir, tem origem na dor do animal que foi abatido. Não se deve, portanto, desperdiçar
alimento algum. Muito menos a carne, que é fruto de um ‘sacrifício’, quando a
morte se reverte em vida.
Voltando ao meu escritor favorito
e numa rotina já antiga, os seus textos deixo sempre reservados para o final da
semana. Na sexta-feira, quando encerro minha jornada na escola, venho
caminhando embalado pela crônica do domingo último.
Mas a crônica do Antonio Prata
que li hoje não poderia ser a ‘última’. Aborrecido, mandei mensagem para o
jornal, e muitas outras mensagens também chegaram. Felizmente, Antonio desistiu
de desistir. A vida anda tão chata e as poucas coisas que nos animam não podem
desaparecer assim, tão inexplicavelmente. Que bom que no meu jornal ainda tem
uma “mistura”!
FILIPE