A aula fluía suavemente. O conteúdo:
juros simples e compostos – assunto que desperta a curiosidade até de quem não
gosta de estudar e que costuma lascar a fatídica pergunta: “Onde vou usar
isso?” – que respondo de bate-pronto:
“Em lugar nenhum. Onde você usaria a rica Literatura Brasileira, os conhecimentos
de Geografia, os tópicos de História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea?...”
Mas não. Um aluno, dos melhores que tenho, perguntou: “Professor, você aplica
no Mercado Financeiro, no Tesouro Direto?” “Não, não aplico e nem tenho grana
para isso.” “Mas não precisa muito... E quem sabe matemática pode ganhar muito
dinheiro em aplicações!” “É, mas já digo por que não mexo com isso.” [Deixo para o último parágrafo a explicação
dada ao aluno]
Desde minha infância, tive alguma
preocupação em ganhar dinheiro, em ser independente. Aos dez anos, fiz uma
parceria com uma vizinha, a dona Angelina Tibúrcio. Eu colhia mamona e ela
fazia azeite, que vendíamos e dividíamos o dinheiro. Deu certo enquanto havia
mamoneiras. Tempos depois, quando eu já tinha uns doze anos, colhi sementes de
capim-jaraguá e de capim-gordura. Cortava os cachos, amontoava-os para que as
sementes se desprendessem. Depois ensacava e vendia tudo para uma fazendeira da
cidade. Lembro que levei uma charrete lotada com sacos de semente. Mas quando
atravessei o rio e a sacaria entrou em contato com a água, pensei: a semente
molhou, aumentou o peso e não me parece justo vender assim. Chegando à fazenda,
a dona veio até o alpendre e me pediu para seguir para seu depósito, onde a
semente seria pesada. Eu falei que passei no rio e a semente molhou. Ela disse
não se importar com isso, porque a diferença seria pequena. Entreguei a
mercadoria e recebi, feliz, meus suadíssimos caraminguás.
Mas meu “empreendedorismo” não
ficou apenas em sementes e azeites. Frustradas ou bem-sucedidas, tive outras
experiências que ainda devo registrar neste espaço. Mas uma das minhas mais
desastradas empreitadas foi quando me meti a comerciar ovos, que comprava de
alguns tios e vizinhos, especialmente da dona Caetana. Esta bondosa senhora tinha
dezenas de galinhas e me reservava toda a sua produção. Em determinado dia da semana,
antes de sair para o ginásio, eu passava na casa dela, enchia um cesto e levava
para a venda do Sr. Antônio Moreira, em Guiricema. Ele contava os ovos, examinando
um a um, vendo se não estava com a casca ‘trincada’ etc. Não passava uma vez
sem que ao menos um ovo fosse descartado. E meu lucro, que era muito pequeno,
ia para o ralo.
Um dia, porém, desisti do
comércio de ovos. Isto se deu quando ia levando meu cesto cheio, pesado, e duas
moças, que também estudavam no ginásio, me ofereceram carona. Aceitei. Segurando
com muito cuidado o cesto, subi na charrete e me ajeitei ao lado delas. O cavalinho
disparou naquela estrada cheia de buracos. Nem o cavalo nem as moças sabiam da
minha aflição. Foram tantos solavancos... O cesto ia, voltava e quase escapava de
minhas mãos. Enfim, chegamos à cidade. Agradeci, desci da charrete e caminhei mais
um pedaço até a venda do seu Antônio. Pus o cesto no balcão e não havia
surpresa: vários ovos quebrados empapando os que se salvaram. O prejuízo foi
enorme. Quebraram-se os ovos e quebrei eu. Falido, nunca mais comprei nem vendi
ovos.
Ah, sobre o aluno lá em cima, eu disse
a ele que apenas algumas “raposas” conseguem se dar bem no Mercado Financeiro.
São pessoas que têm informações privilegiadas do Governo. Não à toa, certos
políticos enriquecem sem que possam ser presos como ladrões – que de fato são.
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