Chove lá fora e eu aqui tentando
escrever um texto, que pretensamente chamo de crônica.
A três metros de mim, uma
samambaia abriga uma família de pombinhos silvestres. Esta é a segunda vez que
eles ocupam o espaço. Na primeira vez, como registrado aqui, ajudei o casal a
fazer o ninho, que aceitou sem, contudo, me agradecer. Também desta vez eu
tentei, mas a minha ajuda foi recusada pelos ‘mal-agradecidos’ columbinos. As
folhas, que ajeitei meticulosamente no pratinho de plástico, foram solenemente
rejeitadas, sendo descartadas uma a uma.
No ninho, os dois filhotinhos já
emplumes têm o sono velado pela mãe, que, feito um anjo da guarda, fica a
postos na “cabeceira”. Tenho vontade de fotografá-los, mas o flash vai assustá-los. E eu não quero e
nem posso perturbar o sono desses meus dóceis ‘inquilinos’.
Um carrilhão anuncia ‘vinte
horas’. Estou apenas no começo deste texto, mas vou dar uma enrolada e verei se
dá para publicar algo.
No jardim, há capim-santo,
manjericão, gengibre, açafrão, um pequeno cipó de maracujá e... acho que é só. Ah,
tem uns dois pés de couve, que não colho há tempos. Lagartas e lesmas
resolveram cuidar dessa minúscula horta e eu não tenho pato que lhes dê cabo.
Havia um sapo morando escondido ali, mas há muito tempo que não me manda
notícias. Tá tudo meio bagunçado, mas meu jardim é como minha gaveta, minhas
coisas e minha cabeça: uma barafunda.
Muita gente vê e elogia o jardim,
mas fico meio desconfiado. Depois que observei os elogios falsos que se veem
aos monturos no ‘feice’, fiquei cabreiro e passei a não dar muita bola, nem para
críticas e muito menos para essas mesuras.
Mas o meu jardim é encantatório. Há
nele um arbusto que não se encontra em outro jardim: uma mamoneira que floriu
abundantemente. Certa vez, peguei semente dessa espécie no Taquaraçu, um bairro
de minha cidade natal, que é conhecido como “Tacuruçu”, e que nos meus tempos
de criança era tido por má fama. A “má fama” não vinha de seus habitantes, que
sempre foram boníssimos, mas de sua pobreza. A pobreza sempre foi causa de
preconceito da grã-finagem. Cresci ouvindo isto: “pobre é preguiçoso e rico é
trabalhador”. Naquele tempo, o ‘Tacuruçu’ era o bairro dos pobres, e seria para
Guiricema o que a “Rocinha” é para a Cidade Maravilhosa.
O carrilhão dá ‘nove badaladas’ e
volto os olhos para o jardim. Daqui, donde estou, vejo as folhas molhadas da
mamoneira brilhando à luz da rua. Mas, na penumbra, não vejo seus cachos cor de
fogo nem suas flores: brancas, belas e efêmeras. Mas já não chove lá fora. Porque
a chuva, como as flores de meu jardim, é bela e efêmera.
FILIPE
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