Conheci o Rodrigo no começo dos anos
dois mil, acho que em 2002, se não estou enganado. Naquele ano ele foi meu
aluno numa quinta série – ou numa sexta série, se não estou novamente enganado.
A classe dele era barulhenta, como eram barulhentas as outras classes, como são
barulhentas as pessoas. O mundo é barulhento. Mas havia alguns alunos
bonzinhos, silenciosos, que amenizavam minha aflição. E o Rodrigo era um
desses.
O Rodrigo tinha uma penca de
irmãozinhos. Depois da aula, ele passava na creche, pegava seus maninhos e os
levava para casa. Por mais de uma vez eu o vi com dois, três ou quatro deles,
numa bonita cena. Bem de tardinha, lá estava o Rodrigo segurando a mão do
menor, mochilas nas costas, subindo devagarinho a sua rua.
Eu nunca consegui usar agenda, mas
naquele ano em que comecei a dar aulas para o Rodrigo, eu usava uma que trazia
umas orientações passadas pelo sindicato dos professores. Na capa da agenda
havia uma foto de um garoto de rua. Era
um menininho raquítico, trajando uma blusa larga de moletom, usava calção
grande, descalço – literalmente o retrato da infância abandonada. Mas o Rodrigo
não parecia com o menino da foto. Talvez se assemelhasse pela tez e o corpo
esguio. Então, eu costumava mostrar a agenda ao Rodrigo e perguntava: “De quem
é esta foto?” Ele olhava sorrindo e dizia: “Para, professor!” Eu parava, mas
voltava a mostrar a foto noutra ocasião e ele sempre reagia dessa mesma forma
bem-humorada.
Por um tempo eu não fui professor do
Rodrigo, mas no último ano do ensino médio eu o reencontrei na sala de aula.
Estava grande, forte, em nada lembrando o antigo e mirrado Diguinho, como era
conhecido. No final daquele ano, quando se formaria, o Rodrigo chegou para mim
e disse: “Professor, sabe aquele livrinho?...” “Que livrinho?!” “Aquele que o senhor me mostrava, com uma
foto na capa”. “Ah, uma agenda...” “Isso mesmo. O senhor ainda tem ela?” “Sim,
eu tenho”. “Você não quer me dar ela?...”
“Claro que dou”. Dei a agenda para ele no dia seguinte. Todo alegre, ele me
disse: “Esta eu vou guardar de lembrança”.
Tempos depois encontrei o Rodrigo na
rua. Estava com a esposa e uma criança, que assumira como filho. Depois veio a
paternidade biológica também e sua alegria se completou. Antes, trabalhava num
mercado próximo de onde moro, depois mudou de emprego, parece que para melhor.
Daí, não mais o vi. Tinha contato apenas com os irmãos, que foram todos meus
alunos.
Esta semana, tive outra notícia deste meu
ex-aluno. Rodrigo faleceu aos 29 anos. Não sei a causa, mas ouvi dizer que foi
“morte natural”. Meu Deus, não pode haver morte natural na juventude!
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