sexta-feira, 10 de abril de 2020

AS MEMÓRIAS DE MEU PAI


Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”. Essa frase é atribuída ao pensador irlandês Edmund Burke, que não conheço. Sei que ele foi um cara importante, porque vi na Wikipédia. Quem quiser saber mais sobre esse filósofo, não perca tempo, pois o Google não deixa ninguém mais na ignorância.

Mas a frase que abre este texto já me acompanha desde os amarelados tempos de adolescente. Certa vez a escrevi num papel-cartão e afixei na porta do quarto da pensão onde eu morava. Gostei daquela frase desde que a conheci e achei que a exibindo, eu poderia ofuscar minha ignorância, exalando certos vapores de intelectualidade.

Deixando de lado aquela famosa frase e seu (para mim) obscuro autor, quero falar de outra história: a que papai conta. Durante esta quarentena, que tem provocado muito bafafá entre as nossas desautorizadas autoridades, não estou sem trabalhar conforme dizem alguns linguarudos de Brasília. Estou trabalhando muito, porque estou digitando e editando as memórias de meu pai. Este é o terceiro livrinho que papai escreve, contando um pouco do que ele viveu e ouviu ao longo de uma vida de nove décadas.

Papai é uma usina de informações. Ele já me mandou vários manuscritos e continua mandando mensagens ou me ligando para fornecer mais matéria-prima para sua obra.  Eu me sinto um pedreiro que está fazendo uma casa. O velho vai me mandando o material: tijolos, cimento, pedra, areia, cal, ferragem, madeira e muito mais – tudo de primeiríssima qualidade. Eu terei que corresponder, edificando seu castelo, vendo onde devo encaixar tal pedra, como levantar tal parede, armar as estruturas de aço, ver o traço do concreto etc. Se o material é de excelente qualidade, a mão de obra parece meio capenga e poderá deixar um pouco a desejar. Mas sou esforçado.

Comigo está um bom trecho da vida do meu pai, dos pais dele, do avós, dos bisavós, chegando ao trisavô do meu pai, que também é um bisavô. Este, um Adão solitário, sem a Eva, porque não se sabe o nome da trisavó do papai. Somando a idade de meu pai com as quatro gerações anteriores a ele, são uns 200 anos de história. E meu pai cita nomes e sobrenomes, formando uma infinita rede de ligações parentais.  De todos da geração de meu pai, apenas ele sabe contar essas coisas.

Neste livro, embora meu pai tenha tido um propósito mais generalista, ele se ateve ao meu avô. Dessa forma, o senhor Sebastião Lopes de Lima tornou-se protagonista desta coletânea. Fatos corriqueiros, mas de grande comicidade, são relatados no estilo leve, solto e quase descompromissado de meu pai. Mas toda a história narrada é veraz, sendo o meu velho uma valorosa fonte primária.

Diversamente do pensamento que abre este texto, eu não me sentiria condenado se tivesse que repetir a história de meu pai. Pois, para fechar com uma feliz expressão de Santo Agostinho, do papai eu tenho um “santo orgulho”.

FILIPE

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