Retornei à casa de meus pais, mas
dessa vez não encontrei o Velho à porta da sala, na varanda de casa – a
recorrente imagem num canto de minha memória, em registro da última vez que
estive aqui. Todavia, encontrei mamãe, que, desde a despedida de papai, está
falante e interativa, e não se sabe por quê.
Dias depois de minha chegada,
numa manhã fria e ensolarada, repeti o último trajeto que fiz com papai numa
ida à cidade. Caminhei até a estrada e esperei a van, que chegou dez minutos depois.
Entrei e dei uma nota de dez ao motorista. Ele me devolveu três reais de troco,
certamente lembrando da última vez quando papai pagou as duas passagens com uma
nota de vinte e recebeu, como troco, três notas de dois. Caminhei até o fundo e
me sentei sob olhares curiosos e alguns cochichos [esse aí é filho do
Zelope...].
Abri o livro que levava comigo,
mas não consegui me concentrar na leitura. Passados poucos minutos e depois de muitos
solavancos, já estava eu desembarcando na praça da cidade.
Como da outra vez com meu pai,
entrei na igreja para uma breve visita aos santos e rumei para o bairro da
Taboa. Percorri a longa rua, um pouco íngreme e sinuosa, que faz ligação do
centro com o bairro – a rua que papai, num passado distante, tantas vezes
palmilhou descalço para visitar sua mãe. Observei aquelas casas – muitas só
antigas, enquanto outras antigas e velhas – cujas muitas histórias meu pai,
caminhando comigo, ia contando. Terminado o percurso da rua principal, entrei à
direita e peguei a denominada ‘rua de baixo’. Findo mais esse percurso, cheguei
a uma antiga edificação, agora em ruínas. Paro e me perco nuns devaneios. É uma
antiga casa de venda com pé-direito alto, uns quatro metros talvez. Contei nove
portas para a rua, todas de duas bandeiras. Quis contar as janelas – uma dezena
talvez – mas desisti de conferir, pois me perdi nas portas e não quis recontar
as janelas. Uma janela estava destruída e por ela pude contemplar o interior da
casa. As paredes intactas de um azul profundo, estonteante. Mas o telhado já
quase não havia, e uma trepadeira revezava suas folhas com algumas telhas.
Fiquei por um momento ali, parado, imaginando o quanto de vida já pulsou sob
aquele teto. Quantas crianças correram e tropeçaram nos corredores, talvez
brincando de esconde-esconde. Daquela casa, apenas sei que pertenceu a um primo
distante de meu pai e que era fabricante de carros de boi.
Dou mais uns poucos passos e
entro na casa de minha tia, uma ‘’senhorita’’ de poucas palavras e muitos gatos,
que encontro na varanda da cozinha, tomando sol após o café da manhã. Insisto
um pouco e ela aceita fazer uma breve caminhada. Com alguma dificuldade, a tia
ainda anda. Subimos a rua e cruzamos com uma senhorinha de bengala. ‘’Ô
diacho... Aquela ali tá bem perrengue!...’’, a tia disse e eu concordei. Papai teria dado boas risadas.
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