sábado, 21 de maio de 2022

RELEMBRANÇAS

 

Retornei à casa de meus pais, mas dessa vez não encontrei o Velho à porta da sala, na varanda de casa – a recorrente imagem num canto de minha memória, em registro da última vez que estive aqui. Todavia, encontrei mamãe, que, desde a despedida de papai, está falante e interativa, e não se sabe por quê.

Dias depois de minha chegada, numa manhã fria e ensolarada, repeti o último trajeto que fiz com papai numa ida à cidade. Caminhei até a estrada e esperei a van, que chegou dez minutos depois. Entrei e dei uma nota de dez ao motorista. Ele me devolveu três reais de troco, certamente lembrando da última vez quando papai pagou as duas passagens com uma nota de vinte e recebeu, como troco, três notas de dois. Caminhei até o fundo e me sentei sob olhares curiosos e alguns cochichos [esse aí é filho do Zelope...].

Abri o livro que levava comigo, mas não consegui me concentrar na leitura. Passados poucos minutos e depois de muitos solavancos, já estava eu desembarcando na praça da cidade.

Como da outra vez com meu pai, entrei na igreja para uma breve visita aos santos e rumei para o bairro da Taboa. Percorri a longa rua, um pouco íngreme e sinuosa, que faz ligação do centro com o bairro – a rua que papai, num passado distante, tantas vezes palmilhou descalço para visitar sua mãe. Observei aquelas casas – muitas só antigas, enquanto outras antigas e velhas – cujas muitas histórias meu pai, caminhando comigo, ia contando. Terminado o percurso da rua principal, entrei à direita e peguei a denominada ‘rua de baixo’. Findo mais esse percurso, cheguei a uma antiga edificação, agora em ruínas. Paro e me perco nuns devaneios. É uma antiga casa de venda com pé-direito alto, uns quatro metros talvez. Contei nove portas para a rua, todas de duas bandeiras. Quis contar as janelas – uma dezena talvez – mas desisti de conferir, pois me perdi nas portas e não quis recontar as janelas. Uma janela estava destruída e por ela pude contemplar o interior da casa. As paredes intactas de um azul profundo, estonteante. Mas o telhado já quase não havia, e uma trepadeira revezava suas folhas com algumas telhas. Fiquei por um momento ali, parado, imaginando o quanto de vida já pulsou sob aquele teto. Quantas crianças correram e tropeçaram nos corredores, talvez brincando de esconde-esconde. Daquela casa, apenas sei que pertenceu a um primo distante de meu pai e que era fabricante de carros de boi.

Dou mais uns poucos passos e entro na casa de minha tia, uma ‘’senhorita’’ de poucas palavras e muitos gatos, que encontro na varanda da cozinha, tomando sol após o café da manhã. Insisto um pouco e ela aceita fazer uma breve caminhada. Com alguma dificuldade, a tia ainda anda. Subimos a rua e cruzamos com uma senhorinha de bengala. ‘’Ô diacho... Aquela ali tá bem perrengue!...’’, a tia disse e eu concordei. Papai teria dado boas risadas.

FILIPE

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