Por uma estranha razão, o ‘aborto’
voltou a dominar o debate nacional. O tema, que deveria ser assunto do
Legislativo, entrou na agenda do Judiciário e daí veio a inflamar “lares e
bares”. Não me parece tarefa fácil defender algo tão delicado como a
“interrupção de uma vida”, até porque a decisão de abortar só pode ser tomada
por alguém que teve a felicidade de não ter sido abortado.
Dentre os vários artigos publicados
sobre o aborto, os jornais trouxeram recentemente alguns números inquietantes.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, 14% das mulheres ‘não mães’ não desejam ter
filhos; 14% dos brasileiros defendem o aborto em qualquer situação; 59% dos
entrevistados não querem mudança na lei – que permite aborto em alguns casos; mas
58% das pessoas ouvidas acham que a mulher que fez aborto deve ir para a
cadeia. Essas estatísticas, sombrias e desconexas, causam-me profundo mal-estar.
Que a vida surge a partir de um
óvulo fecundado parece ser consenso entre pessoas minimamente sensatas. Mas a
vida embrionária não é levada a sério por quem adota a expressão “interrupção
da gravidez” – um eufemismo grotesco para “aborto”. Ainda que não se possa concordar
com a “interrupção da gravidez”, é preciso debater o assunto, porque a mulher
que pretende fazer aborto costuma estar vivendo uma situação dramática: perseguições
por uma gravidez não planejada, enfermidade grave ou estupro. As vítimas de
predadores sexuais merecem especial atenção e jamais poderiam ser julgadas nem
condenadas, mas acompanhadas. Nesses casos a Igreja, que sempre se posiciona
contra o aborto, deve oferecer compreensão e misericórdia.
Mas o grande desafio é encontrar
o “caminho do meio”, que parece não existir. De um lado estão setores
progressistas da sociedade, que lutam pelo direito à vida dos empobrecidos, mas
empunham a bandeira do aborto, negando esses mesmos direitos aos nascituros. Do
outro lado dessa trincheira ideológica e contra o aborto, estão os carcomidos
conservadores. Estes, que defendem ferrenhamente a vida intrauterina, não movem
uma pluma em favor dos “nascidos” pobres, negando dignidade e sentenciando à
morte prematura os deserdados dos bem terrenos.
(*) Publicado no jornal A
Tribuna de Amparo – edição de hoje.
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