sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O CAPIM, A VACA E O HOMEM

Queria começar este ensaio citando números e fontes para impressionar o solitário leitor, passando-lhe a impressão de que estou bem informado. Se bem que tentei, confesso, mas não consegui. Havia guardado um recorte de jornal com uma gama de informações a respeito do tema de hoje, mas não o encontrei. Também estou com preguiça de buscar na ‘net’. Mas você verá, bravo companheiro, que os dados não lhe farão falta. Como também não lhe fará falta este texto que ora rabisco.

A população envelhece velozmente, mas parece – e isso me é cada vez mais evidente – que não nos importamos com o futuro dos futuros velhos que seremos, ou somos. Educamos nossas crianças somente para a felicidade, como se a tristeza, a frustração, a dor fossem uma anomalia da natureza. Algo que deva ser extirpado do cotidiano para que possamos ter uma juventude ainda mais feliz. Mas o que se vê por aí (e por aqui também), não passa de uma massa idiotamente hedonista, incapaz de tomar decisões, nem de se libertar da redoma paterno-materna. Como num diálogo travado entre mãe e filha, publicado recentemente num jornal: “Filha, como você vai viver quando eu morrer?” “Simples. Vou viver de sua herança!” Depois dessa, dizer o quê?...

Do ponto de vista estritamente materialista, o ser humano é uma praga. Não faz falta alguma ao planeta Terra e, pelo contrário, devasta-o sofregamente, promovendo o aquecimento, extinções, desertificação etc. Sob a ótica do ateísmo, o ser humano é inferior à vaca, que se preocupa apenas em comer capim e reproduzir; jamais em acumular, guerrear ou curtir Luan Santana. O homem seria inferior também ao capim que a vaca come, pois como todo e qualquer vegetal, o capim produz seu próprio alimento, realizando a fotossíntese. Nós humanos dependemos da vaca, que depende do capim, que não depende de ninguém. Legal isso, não?

Mas, o que temos de superior à vaca e ao capim? A vaca cuida de seu filhote, alimentando-o e o protegendo. O capim, por sua vez, não cuida de ninguém, nem de seu ‘filhote’ que, enquanto semente, tem que se virar e encontrar terreno fértil para germinar, crescer e, enfim, alimentar a vaca, que alimenta o homem. Mas, sob este ponto de vista, se a vaca é superior ao capim na sua capacidade oblativa (ela cuida do filhote), o ser humano se equipara à vaca apenas neste quesito: protege e sustenta a prole, e só. E ainda há humanos que preponderam pela força física e vigor sexual! Coitados, deixa o touro saber disso...

Mas a superioridade humana não vem nem da força física, nem da inteligência, pois a máquina nos supera aqui também. Há algo sublime e que nos faz muito especiais.

Alguém já viu um novilho cuidar da ‘dona vaca’, idosa, sem dentes e atolada no pântano? Ou do touro de perna e chifre quebrados após um duelo? Decerto que não. Apenas o ser humano, diferentemente dos animais, é capaz de dedicar sua vida em prol dos desvalidos. Talvez surjam daí os primeiros lampejos que atestam nossa filiação divina: “Somos feitos à imagem e semelhança de Deus, nosso Pai e Criador”.

Mas, pelo barulho do tropel e pela densa poeira que se levanta, estamos caminhando célere para a irracionalidade. No futuro, seremos como os animaizinhos, nossos irmãos menores. Cuidaremos muito bem de nossos rebentos, mas abandonaremos os nossos genitores à sua própria (falta de) sorte. 

Seremos capim, vacum ou homo sapiens? Façamos a escolha.


FILIPE

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

NEURAS

Tá horrível a coisa aqui. Um calor insuportável, um vizinho escroto com uma bateria dos infernos e eu tentando atualizar meu blog. Se na calmaria da madrugada já não consigo grandes feitos, imagine agora, na aridez desta tarde calorenta e acrescida dos decibéis de alguém sem noção de civilidade... Mas vou tentar. Quem sabe, na companhia de uma sinfonia de Mozart, eu consiga sublimar o purgatório que me sufoca o espírito e me entorpece a alma?...

Aumento o volume do aparelho, o violino geme enquanto vou cofiando os neurônios a procura de algo. Penso que hoje, sendo feriado, facilitaria. Mas não. Amanhã, se alguém acessar o blog, ficará espantado com tanta baboseira de quem se diz professor. Calma! Professor é assim mesmo e você já teve muitos. Todos são neuróticos, não suportam barulho, nem mesmo o de uma caneta sobre a carteira. Principalmente quando a Fulana insiste no batuque, embalde os pedidos clementes para que pare, ao que responde: “Eu não consigo parar!”. Consegue.  Posta para fora com a incumbência de continuar batucando, cansou e parou de vez.

Ah, mas aquela caneta batucando na carteira seria “música suave” perante o que acontece por aqui. Uns caras metidos a roqueiros e que provavelmente – e eu torço muito para isso – nunca passarão de amadores sonhando tocar nos vespertinos da TV aberta. Boçais é o que são.

Hoje é o ‘dia do professor’. Este ser bajulado hoje, mas desrespeitado sempre, principalmente pelos governantes. Não acho que somos especiais, só acho que deveríamos ser valorizados, compreendidos, cobrados também. Mas, pelo amor de Deus, dê-nos condições físicas, psicológicas e retaguarda moral para o exercício da profissão!

A cada dia e a cada aula uma surpresa, boa ou ruim, nos aguarda. Eu teria muitas coisas boas para dizer sobre este ofício que abracei com incondicional volúpia. Mas o meu vizinho... Este me obriga a falar mal da minha profissão, da tarde, de tudo. Então vou reclamar de meu cotidiano, que muitas vezes me embebeda com fel.

Certa feita, ao entrar na sala de aula, havendo poucos alunos devido a uma chuva forte (faz tempos!), pensei: “Hoje a aula vai render, pois posso ensinar de forma individualizada. O assunto – sem querer ser pedante nem afrontar os não iniciados –  era “Números Complexos”.  Comecei falando da inconveniência do nome, da “maldade” dos matemáticos. Com um título desses, quem se animaria? ‘Complexo’ evoca complicação. Como simplificar aquilo que já se apresenta como ‘complexo’? Tentei desembaraçar as coisas, muito animado, por sinal. Uma Fulana, não muito dotada de boa vontade (alguém diria vagabunda, preguiçosa; eu não) entrava e saía da sala para cuidar de interesses outros. A certa altura, virou-se para mim, dizendo: “Eu não entendi NAAAADA!” Fiquei meio sem o que dizer e receitei reforço. Brava, deu-me instruções de que o meu papel era o de ensinar etc. E em seu socorro, veio uma das melhores da sala. Isso é que doeu. A moça, aparentemente educada e estudiosa, berrou: “Já ouvi dizer que se um aluno pergunta, o professor é obrigado a responder quantas vezes forem necessárias!” Tentei argumentar, mas a coisa foi entortando de vez. Sorte minha é que as duas não conseguiram a tão sonhada maioria na classe. Em meu socorro, um jovem disse: “Cala aí, ô! Se não aprendeu, é porque fica conversando... Presta atenção no professor e pare de reclamar!” Dei muitas graças a Deus e a esse herói improvável. Revigorado, pude bradar sem muita convicção, é claro: “Comigo, só não aprende quem não quer!” Disse e repeti, para gáudio de meu defensor, alegria da classe e desagravo face às duas contendoras.


FILIPE

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

DESAMPARO

Artigo enviado ao jornal "A tribuna", edição de hoje.


A oitocentista Amparo, que foi palco de grandes acontecimentos como os movimentos abolicionista e republicano em fins do século XIX, do embate entre constitucionalistas paulistas e as tropas federais de Getúlio em 1932, e até do Congresso Eucarístico de 1944 além de outras efemérides, está cada vez mais reduzida à memória. A Amparo que hoje se vê não passa de um borrão perante a que fora num passado distante. A rica arquitetura com soberbos casarões, as ruas arborizadas, as calçadas de paralelepípedos, os postes de iluminação, o Teatro João Caetano, os cinemas, tudo isso tornou-se apenas uma fotografia desbotada de uma Amparo outrora pujante. Quando ouço Caetano Veloso cantar “da força da grana que ergue e destrói coisas belas” – verso de sua antológica “Sampa” – penso em Amparo. Alguém ergueu esta monumental cidade para, tempos depois, ser espoliada por uma elite avara que, tal como o mitológico Midas, quer transformar tudo em ouro – aquele ‘vil metal’, conforme definem os poetas. E a desdita segue inexoravelmente seu curso. Vejamos.

Há anos que o histórico Museu Bernardino de Campos, um dos mais importantes do estado de São Paulo, encontra-se fechado para reformas. Durante a campanha eleitoral, no final do ano passado, houve um movimento do tipo “agora vai”, mas que não foi. Durante aquela malfazeja “onda azul”, chegaram a iluminar o prédio junto a um pomposo outdoor com logotipo do sempre ‘governador-candidato’, que mais uma vez venceu a eleição com apoio das forças políticas locais. Findas as eleições, findaram-se os ânimos, apagaram-se as luzes e morreram as esperanças. O museu voltou a “dormir”, sonhando ser despertado, talvez quem sabe, na próxima “ventania” eleitoral, quando suas portas abrir-se-ão sorridentes ao agradecido, mas sempre enganado eleitor.

De vez em quando, outras portas são fechadas temporária ou definitivamente. Um posto de saúde, um programa cultural ou uma creche pronta para funcionar, mas ainda inativa, talvez à espera de uma ribalta para iluminar o “benfeitor” num momento oportuno. E tem mais.

Num país em que poucos têm acesso a bons livros, o riquíssimo acervo da Biblioteca Municipal de Amparo ficará indisponível aos sábados, devido a um programa de “contenção de despesas”. Já em São Paulo, apesar da “crise”, o prefeito Fernando Haddad determinou que a Biblioteca Mário de Andrade funcione por vinte e quatro horas, todos os dias.

Não bastassem os inconvenientes e frequentes cortes de árvores, a cobertura asfáltica de centenários paralelepípedos e tantos outros despautérios urbanísticos, a vida cultural de Amparo é afetada e se torna cada vez mais pauperizada. Porém, se há recursos para contratar funcionários comissionados, cujos cargos são questionados pelo Ministério Público e barrados na Justiça, por que não investir mais em cultura?

Amparo, que já teve Carnaval, Festival de Inverno e poderia lançar uma Feira Literária, agora retrocede.  O Festival de Inverno foi mutilado; do Carnaval, poucos se lembram, porque há uns três anos, acabou; a Biblioteca fecha aos sábados; a Feira Literária... Bom, isso é apenas um delírio deste escriba insone, que lamenta ver esta cidade desamparada.


FILIPE