Seu nome é Paulo, todos o
conhecem por Paulinho, e na infância tentaram apelidá-lo de “Piolho”, mas não pegou.
Naquela família de muitos irmãos, com exceção de minha mãe, a primogênita,
todos arrastaram apelido por algum tempo; alguns para sempre.
Irmão caçula de minha mãe, este
tio é muito querido por todos na minha casa. Papai, que não costuma elogiar
familiares, sobre ele não economiza palavras. “Ah, o Paulinho é sério, de fibra.
Nele pode-se confiar, porque é verdadeiro!”
São tantas as minhas histórias vividas
na companhia desse tio, que eu teria que escrever muitas páginas para dar conta
de parte delas. Para o momento, no entanto, quero apontar alguma coisa, pouca,
mas que será suficiente para lhe traçar o perfil.
Quando ele era pequeno (bom, ele
não cresceu muito!), uma de suas irmãs exclamou: “Gente, não é que o Paulinho
sabe fazer conta de juros?!” Naquela época eu não sabia fazer contas e muito
menos o que seria ‘juro’. Mas, a partir daquele dia, eu passei a ver meu tio
com muita admiração, sentia orgulho dele, e sempre pensava: “Ele sabe fazer conta
de juros!”
O tempo passou, crescemos – o tio
não muito – e cada um tomou um rumo na vida. Após o serviço militar, estando
desempregado, fui para Coronel Fabriciano e passei um ano morando com ele, uma
tia e um primo. Naquela época, Paulinho ganhava salário mínimo como vendedor numa
loja, mas do pouco dinheiro que tinha, sempre me oferecia uma parte. Se eu
saísse para algum lugar, ele dizia: “Precisa de dinheiro? Toma esse aqui para o
lanche...” É claro que eu não pegava, porque o coitado não tinha nem para
ele... Mas, se eu não aceitava dinheiro, outra oferta dele eu já não recusava.
Gostava de usar suas camisas, menos uma, que depois conto por quê.
O Paulinho sempre foi um
prodígio. Da família, além das “contas de juros”, ele era o único que sabia jogar
bola. Boleiro obstinado, dizia sobre os jogadores profissionais: “Esses caras ganham
milhões e ainda reclamam... Não concordo com isso, porque eu tô querendo é pagar
pra jogar!”
No baralho ele dá raiva. Marrento,
arruma um jeito lá, que só ele sabe, e trava o jogo da gente. Mas é jogo limpo,
sem roubo. Com ele, você pode deixar as cartas na mesa, sair para onde quiser e
voltar para o jogo. Ele não vai olhar suas cartas, jamais. Mas você dificilmente
o vencerá.
Uma vez, jogamos à noite inteira.
Amanhecendo, ele disse: “Meu olho tá ardendo de sono, mas tenho que trabalhar.
Era manhã de sábado e eu disse, rindo muito: “Ah, é?... Eu vou é dormir agora.
Bom trabalho, tio!”. Mas ele se vingou. Numa noite de sábado, estávamos jogando
até altas horas. Chegou a madrugada e eu quis dormir. Ele: “Lembra daquele dia,
que eu tive que trabalhar com sono e você foi dormir?... Agora é minha vez.
Você vai jogar até a hora que eu quiser. Depois vou dormir e você vai fazer sua
hora extra com sono”. Obedeci. O domingo amanheceu, ele foi dormir e eu fui
trabalhar. Até hoje meus olhos ardem
quando lembro daquele dia.
Ah, tem uma história da camisa,
que eu não queria contar. Foi assim: Vasco e Flamengo jogariam e fizemos uma
aposta, e quem perdesse teria que andar pela cidade com a camisa do adversário.
Aquela foi a única vez na vida que vesti
uma camisa rubro-negra.
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