Em casa, papai nunca permitiu que colocássemos apelidos uns nos outros. À primeira tentativa, o temido franzido na testa era suficiente para pôr fim na ousadia. Talvez por isso, eu nunca me senti à vontade para chamar alguém por apelido, preferindo sempre o “nome de batismo”. Contudo, não se deve radicalizar, e exceções são bem-vindas. Explico.
Tive uma aluna, a dona Tina, cujo
nome de batismo era Libertina. Nesse caso, vai fazer o quê?... Não se discute e
nem precisa explicar por que ‘Tina’ fica bem melhor que ‘Libertina’.
Numa ocasião, uma senhora me
procurou para conversar sobre a Joana D’Arc, sua filha e minha aluna. “Ela não
quer vir mais para a escola, porque as meninas ficam a chamando de Joana e ela
não gosta do nome...”, reclamou. “Mas esse nome é tão bonito!... Agora, se
fosse Sebastiana...”, tentei consolar. “Mas eu me chamo Sebastiana, professor!”,
ela me disse cheia de rubor e de furor. “Mas esse nome é bonito também”, tentei
consertar e continuei: “Se-bas-ti-a-na!!! Quanta sonoridade! Sabia que meu avô
se chamava Sebastião?!” É, o estrago foi grande e não teve mais jeito. Ela se
foi e sua filha nunca mais apareceu.
Tive um vizinho cujo nome não lembro,
mas que poderia ser Nicanor. Pois bem, certa vez procurei o “Nicanor” para
tratar de alguma coisa. Chegando, pedi seu nome e ele me respondeu: Meu nome é
Nicanor, mas pode me chamar de Chula. Todo mundo aqui me conhece por Chula”.
Achei estranho, mas diante daquela exigência eu não tive alternativa.
Tem também o Paulo, um senhor
muito querido que, por ser forte, másculo e ter um vozeirão, deveria ser chamado
de Paulão. Mas não. Na cidade, ninguém conhece o ‘Paulo’ e muito menos o ‘Paulão’.
Agora, se alguém de fora chegar e perguntar quem é o Bruxa, todo mundo sabe.
A minha obstinação em querer
evitar apelidos já me deixou em situação vexatória. Certa vez, rodando pelas
ruas de Mauá com um tio – que todos conhecem pelo apelido e jamais pelo nome –,
cruzamos com um senhor que voltava para casa com umas ferramentas de pedreiro.
Meu tio parou o carro e gritou: “Ô, Manguaça, esse aqui é meu sobrinho e vai
ser seu vizinho”. O homem parou, simpático, conversou conosco e se despediu. No
dia seguinte, fui até o local onde estava começando a construir minha casa e avistei
o meu futuro vizinho. Fui até ele, agora como “velhos conhecidos”, e me adiantei
nos cumprimentos: “Bom dia, seu Manguaça!” “Manguaça, não. Meu nome é Antônio”.
“Uai, o meu tio falou seu nome errado...” “Aquele seu tio não presta, mas quero
que me chame de Antônio”. “Então, seu Antônio, o senhor me desculpe. É que eu
não sabia mesmo”, consertei.
Encontrando meu tio, falei com sobre
o ocorrido, ele deu risada e falou: “Ele é pinguço, sabia não?...”. Mas o seu Antônio
não era pinguço (pelo menos não mais) e eu não sabia o significado da palavra ‘’manguaça’’,
que descobri sem suavidade.
FILIPE
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