sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O ABACATEIRO

 


Da latência de uma semente veio a plantinha, que cresceu em silêncio e sem pressa. Seu caule, antes frágil, magrinho, foi espichando e se encorpando, tornando-se um tronco robusto e forte. Seus galhos foram abrindo devagar e outros galhos foram também surgindo e se entrelaçando, formando uma frondosa copa. E então há uma vastidão de folhas, que se roçam e sussurram ao sopro de brisa suave ou de ventos furiosos.  

 

O tempo passando, a árvore cada vez mais exuberante e... nada de frutos! E eu aqui ansiado por um abacate, que nunca vem.  Na última primavera, um cacho de flores pôde ser observado, depois outro e mais outro. Esperei que das flores viessem o fruto, mas não foi daquela vez.

 

Abacateiro, além da tua sombra, quero teus frutos. Mas se tu não me deres frutos, nada te acontecerá. Machado algum te ferirá a carne. Permaneça onde estás e fica na paz. Abriga na tua folhagem a maritaca, o bem-te-vi, o sanhaço e a garrinchinha; abriga também o tico-tico, a coleirinha, o canário-da-terra e a sabiá. Prometo-te que, enquanto eu estiver por aqui, tens como presente um futuro bastante seguro. Acredita em mim e me deseja vida longa, porque tu só tens a ganhar com minha longevidade.

 

Mas nesta primavera o meu abacateiro floriu. São milhares de flores. Em cada galho um ramalhete com dezenas delas; e em cada ramalhete uma miríade de abelhinhas sugando o néctar.

 

Caro abacateiro, pensando bem, tu nem precisas dar frutos. Dá-me tua sombra e isso me basta; às abelhas, dá tuas flores. E assim, não te faço mais cobranças. Tu talvez não saibas, mas há uma família de abacateiros a poucos metros de ti. Lá em cima, um gigante deu vinte frutos na última safra. Desta vez, contudo, a florada promete uma centena. Há por aqui uns parentes teus –  ainda pequerruchos, uns “moleques” – que vão demorar algum tempo para adolescer, florescer e frutificar.

 

E então, eu tenho um pé de abacate e dele me orgulho muito. Fico feliz por possuir essa fortuna. Da minha mesa de trabalho, observo absorto a movimentação: um passarinho chega e outro também; um sai e o outro vai atrás enquanto dois outros chegam: bicam uma folha, mudam de galho, cantarolam e desaparecem. Depois outro vem e vai também.

 

Ah, como eu gostaria de que em toda casa houvesse ao menos uma árvore, e essa árvore nem precisaria ser um abacateiro.

 

FILIPE


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