Uma amiga de
adolescência levava sempre consigo uma bolsinha empanturrada de “pratinhas”
para distribuí-las, conforme a necessidade e a sorte de quem encontrasse a esmolar.
Para ela, não importava se a moeda era de pequeno ou grande valor. Pegava uma
sem observar e a dava ao pobre pedinte. Agradecido, este abençoava a moça e
guardava a moeda sem conferir para, em seguida, estender a mão ao próximo
passante, como que lançando o anzol para a próxima fisgada.
Admirava
a amiga por sua generosidade, mas nunca fui assim tão bondoso. No máximo,
costumo abordar o infeliz indagando-lhe da aflição do momento. Sendo um prato
de comida, quero saber quanto tem ou quanto lhe falta para comprar o mastigo.
Quase sempre o assunto se encerra. Daí, deduzo que o espertinho pretende fazer
fortuna em cima da bondade alheia; ou, em certos casos, juntar recursos para
ilícitos.
Recentemente,
caminhando pelas ruas de Sampa e me deparando com alguns deles, resolvi dar
atenção a um. O homem se encontrava encostado num poste de iluminação sobre uns
panos, ao lado de uma caixa de papelão. Aproximei-me e perguntei por que pedia.
Disse-me que queria comprar o almoço. Perguntei quanto lhe faltava, mas não
consegui entender sua fala. Então, fui mais enfático na pergunta para saber quanto
já tinha faturado. Ele me disse que tinha três reais. “Vamos ver se tem isso
mesmo”, disse e acrescentei: “Vou completar para você”. Ele se animou e começou
a contar as moedas enquanto mas entregava. “Sua conta tá errada!” Ele voltou a
contar e, dessa vez, contou certinho. “E essa nota de dois reais?”, perguntei, pois
tentara escondê-la. Mas foi logo explicando que era para comprar leite para a “filha
de um ano e meio”. “Tem moeda maior escondida aí...”, insisti. “Não, não tem!”,
redarguiu. Mas tinha, e ele me entregou também. “Vamos lá, vamos comprar o
leite e a comida.” Mas antes, fez-me uma pequena exigência: “O leite tem que
ser Ninho!”
O
homem se levantou, seguiu-me cambeteando e apontou para um lado, dizendo ser lá
onde compraria o leite Ninho. Chegando, disse ter se enganado, mas que não
estava longe. “Vamos um pouco mais pra frente e já vamos achar. É logo ali.
Quero um lugar mais barato pra você economizar”. Sempre dizendo que queria me
ajudar, que é pra eu não gastar muito, mas nunca chegava a tal lugar. “Quero
voltar”, disse eu àquele que me seguia cambeta, e agora me conduz lépido.
Coxo antes, depois ágil feito um capoeira. E eu me aborrecia com aquele mendigo
que era só meu e que insistia em “me ajudar”. “Pronto, não vou mais”, disse-lhe
empacando-me de vez. Mas ele não se vencia. Dentro de uma lanchonete, onde fora
pedir informação, tentei devolver-lhe a grana penhorada dizendo: “Toma! Vou lhe
dar um lanche e fica tudo certo.” Quando eu já pedia um salgado, ele me
interrompeu: “Calma, rapaz! Agora que estamos chegando... Venha comigo.” Saímos
do bar e ele apontou o horizonte. “É ali, logo depois daquela placa azul. Tá
vendo?” Perguntei qual placa, ele apontou umas três vezes, mas eu não vi placa
alguma. Percebi, quase tarde, a farsa e os riscos. “Toma seu dinheiro!” Ele não
queria, mas insisti. “Toma, pois quis ajudá-lo, mas você não quer ajuda.
Tchau!” Ele ainda tentou: “Dá o lanche então!” “Não tem lanche, não tem mais
nada. Você me enrolou!”
Sumi dali deixando-o
na sua melhor forma: a suplicante mão estendida pedindo ajuda. Algumas horas
depois: “Ô mano, paga um lanche pra mim, vai!...” Olhei, era ele.
FILIPE
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