sexta-feira, 25 de julho de 2014

ESMOLER

Uma amiga de adolescência levava sempre consigo uma bolsinha empanturrada de “pratinhas” para distribuí-las, conforme a necessidade e a sorte de quem encontrasse a esmolar. Para ela, não importava se a moeda era de pequeno ou grande valor. Pegava uma sem observar e a dava ao pobre pedinte. Agradecido, este abençoava a moça e guardava a moeda sem conferir para, em seguida, estender a mão ao próximo passante, como que lançando o anzol para a próxima fisgada.

          Admirava a amiga por sua generosidade, mas nunca fui assim tão bondoso. No máximo, costumo abordar o infeliz indagando-lhe da aflição do momento. Sendo um prato de comida, quero saber quanto tem ou quanto lhe falta para comprar o mastigo. Quase sempre o assunto se encerra. Daí, deduzo que o espertinho pretende fazer fortuna em cima da bondade alheia; ou, em certos casos, juntar recursos para ilícitos.

        Recentemente, caminhando pelas ruas de Sampa e me deparando com alguns deles, resolvi dar atenção a um. O homem se encontrava encostado num poste de iluminação sobre uns panos, ao lado de uma caixa de papelão. Aproximei-me e perguntei por que pedia. Disse-me que queria comprar o almoço. Perguntei quanto lhe faltava, mas não consegui entender sua fala. Então, fui mais enfático na pergunta para saber quanto já tinha faturado. Ele me disse que tinha três reais. “Vamos ver se tem isso mesmo”, disse e acrescentei: “Vou completar para você”. Ele se animou e começou a contar as moedas enquanto mas entregava. “Sua conta tá errada!” Ele voltou a contar e, dessa vez, contou certinho. “E essa nota de dois reais?”, perguntei, pois tentara escondê-la. Mas foi logo explicando que era para comprar leite para a “filha de um ano e meio”. “Tem moeda maior escondida aí...”, insisti. “Não, não tem!”, redarguiu. Mas tinha, e ele me entregou também. “Vamos lá, vamos comprar o leite e a comida.” Mas antes, fez-me uma pequena exigência: “O leite tem que ser Ninho!”

        O homem se levantou, seguiu-me cambeteando e apontou para um lado, dizendo ser lá onde compraria o leite Ninho. Chegando, disse ter se enganado, mas que não estava longe. “Vamos um pouco mais pra frente e já vamos achar. É logo ali. Quero um lugar mais barato pra você economizar”. Sempre dizendo que queria me ajudar, que é pra eu não gastar muito, mas nunca chegava a tal lugar. “Quero voltar”, disse eu àquele que me seguia cambeta, e agora me conduz lépido. Coxo antes, depois ágil feito um capoeira. E eu me aborrecia com aquele mendigo que era só meu e que insistia em “me ajudar”. “Pronto, não vou mais”, disse-lhe empacando-me de vez. Mas ele não se vencia. Dentro de uma lanchonete, onde fora pedir informação, tentei devolver-lhe a grana penhorada dizendo: “Toma! Vou lhe dar um lanche e fica tudo certo.” Quando eu já pedia um salgado, ele me interrompeu: “Calma, rapaz! Agora que estamos chegando... Venha comigo.” Saímos do bar e ele apontou o horizonte. “É ali, logo depois daquela placa azul. Tá vendo?” Perguntei qual placa, ele apontou umas três vezes, mas eu não vi placa alguma. Percebi, quase tarde, a farsa e os riscos. “Toma seu dinheiro!” Ele não queria, mas insisti. “Toma, pois quis ajudá-lo, mas você não quer ajuda. Tchau!” Ele ainda tentou: “Dá o lanche então!” “Não tem lanche, não tem mais nada. Você me enrolou!”


  Sumi dali deixando-o na sua melhor forma: a suplicante mão estendida pedindo ajuda. Algumas horas depois: “Ô mano, paga um lanche pra mim, vai!...” Olhei, era ele.
                                                                                                                                            FILIPE

sexta-feira, 11 de julho de 2014

ALGOZES RUBRO-NEGROS


          Não, solitário leitor, não quero fazer nenhum “panegírico” aos flamenguistas (usando a possível expressão de um irmão erudito). Neste momento, continuo catatônico devido ao “mineirazo” e, talvez por isso, melhor seria que não me levasse a sério – alguém me leva a sério?...

          O jogo que se anunciava para aquela agora tristemente inesquecível tarde no Mineirão enchia-me de júbilo. Como a Alemanha envergaria o uniforme rubro-negro, numa patética homenagem ao Clube da Gávea, pensei: “Se os alemães são Flamengo, os canarinhos são Vasco da Gama. E ponto final. Vamos massacrar a mulambada!”

          Confesso ao inexistente leitor, que evito assistir aos jogos do Vasco. Meu time é bom, ganha sempre, principalmente do Flamengo, mas fico inseguro, entende?... Porém, com a Seleção representando o Vascão, por que não acreditar?

          Posicionei-me no sofá da sala com os olhos fixos na tela da Band, pois não suporto a locução rouca de certo Garvão, e muito menos sua emissora. Na Bandeirantes, o problema são as abobrinhas proferidas pelo Neto, mas pra que exigir perfeição? O importante seria mesmo a derrota dos rubro-negros, e isso prenunciava certeiro.

          Tem início a partida e os “cruz-maltinos” chegam com perigo à área “rubro-negra”. Começou bem, é só botar fé que vai ser de goleada! Mas, de repente, há um escanteio e os “flamenguistas” fazem seu golzinho. Não, isso é apenas um acidente, ponderei. Passados mais alguns segundinhos, outro gol “mulambo”! Essa coisa não tá prestando, pensei já bastante chateado. Levantei-me e ia saindo para “tomar um ar”, quando: “Goooool!” Voltei tropeçando em tudo: tapete, mesinha etc. “Enfim, diminuiu!”.  Que nada, os teutônicos ampliavam o placar. Corri, ou quase, porque minhas pernas tremiam e eu tremia sobre elas. Talvez fosse o frio, pois este inverno está de lascar!  Pensei: “Vou dar o fora daqui. Nós, com esse futebolzinho... Parece que a Alemanha vai vencer e eu não quero perder tempo vendo o Brasil ser derrotado". Procurei meu chimarrão e... “Goooool! Da Alemaaaaanha!!!!” Peguei com pressa a chaleira no fogão,  a água ainda meio fria  para o mate. “Não aguento mais ficar aqui. Como joga mal este Brasil!” Peguei a cuia rápido, caiu um pouco de erva no chão (depois eu limpo), peguei a garrafa e a enchi com aquela água apenas morna e fui saindo em direção ao rancho. "Gooooool! É da Alemaaaaaanha!!!!!!"

          Contou os gols? Não sou bom em aritmética, mas parece que aí em cima já são cinco bolas na rede. Quer conferir?... Tudo isso em menos de 30 minutos! Então, sumi da sala, da cozinha, da casa..., cada vez mais apressado e temendo o pior, que veio febrilmente. Foram apenas sete. Teriam sido mais, acredito, caso não fosse um molequinho. Com a camisa da Seleção e celular à mão, ele ligou para seu pai e, aos prantos, implorou: “Pai, fala pra eles pararem de fazer gol... Fala, pai!" Acho que o velho atendeu o pedido e decretou o fim do massacre.

           Ainda bem que foi a Seleção..., pensei entre triste e aliviado. Mas esta Copa não havia sido comprada pelo Brasil?...

FILIPE