Você acaba de completar trinta anos! Ainda ontem uma
“pirralhinha”; hoje uma sóbria senhora, porque tem a ‘idade da razão’, é
esposa, é mãe.
Lembro com carinho das mamadeiras no meio da noite, nas
madrugadas, nas manhãs e nas tardes – todas feitas de leite com Ovomaltine.
Tempos depois, veio a ‘papa-papinha’ de mandioquinha; de sobremesa, Yakult ou
Danoninho, mas que você queria como antepasto.
Lembro com saudade das manhãs preguiçosas, assistindo ao Castelo
Rá-Tim-Bum na Cultura, e das tardes sonolentas, vendo Chaves no SBT, e dos fins
de semana com as "fitas-cassete" da Disney, que eu pegava para você na locadora
do bairro. Em tardes de sábado, costumávamos ir de trem a Santo André. As suburbanas vagas humanas comprimidas nos vagões tal qual um “formigueiro”
conforme você denominava e com ele se irritava. A missa na Catedral, uma parada
na banca de jornais e um passeio na livraria do shopping. Você querendo um
livrinho infantil e o insensato pai dando-lhe um dicionário!
Recordo-me de quando eu voltava da escola, noite alta e fria -- e
você, pés descalços, me esperando ansiosa para tomar o chá que eu sempre trazia
num copinho de plástico. Saía com o copo cheio, mas o bamboleio da caminhada
fazia que derramasse uma parte na rua; ao abrir o portão, outro tanto ficava na
calçada; depois teria que desviar dos afagos das cadelas Madona e Dolly,
fazendo com que apenas metade chegasse até você. Dois ou três goles de chá
morno já a deixavam agradecida, realizada e completa para dormir. Dali, você
escalava o berço e se amoitava numa cabana de cobertores idealizada por mim
para que não se resfriasse.
Havia também as consultas e as seções de inalação no postinho.
Você chorava, não queria, brigava com o inalador, mas parece que o choro fazia
parte da terapêutica.
Ah, e tinha também a creche! Eu a levava todas as manhãs, a pé,
mas você queria colo. Chegando lá, você não queria entrar, mas o ‘tio Paulo’,
bondoso porteiro, a convencia e você cedia. Enfim, você entrava e era recebida
pela ‘tia Hélia’, a quem você detestava, não sei por quê. Certo dia, ligaram,
dizendo que você estava doente e fui lá para pegá-la. Foi a única vez que
entrei naquele prédio, de ambiente estranho, sem brinquedos nem paredes
enfeitadas. Num cômodo havia uns colchonetes e sobre um deles estava você. Eu
não disse nada, mas naquele dia compreendi as razões de seu enfado.
À tardinha, quando ia buscá-la, eu levava uma balinha Babalu e o
Pitoko que, embora de pelúcia, tinha personalidade. Genioso, o bichinho nem
sempre queria papo, mas de vez em quando fazia graça também. De dentro de meu
casaco, ele deixava escapar uma patinha, que você via e dizia: “Acho que estou
vendo alguém aí...” Então havia um teatrinho. Eu corria com o Pitoko, dizendo
que ele não queria sair do quentinho do bolso. Mas você não desistia. Corria,
já um pouco brava, até arrancá-lo de mim. Aí você o acarinhava, dizendo: “Você
não gosta mais da mamãe, é?... Não sente saudades de mim?! Estou chateada com
você!” E, com esses afagos, você reconquistava o Pitokinho. Caminhando mais um
pouco, passávamos a uns cem metros de uma sorveteria. Você olhava para lá e
dizia: “Soverte,
soverte,
pai. Quero soverte!”
Eu fingia não entender, mas você insistia. Houve vezes em que passamos lá para
gelar o gogó. Mas eu dizia sempre que picolé dá dor de garganta, resfria, dá
gripe... embora isso nunca a convencesse, nem a mim.
Obrigado, Mariana, pelo ensejo. Agora é sua vez de viver essa doce
saga com a Maria Eugênia.
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