Esta é a minha família e essa
foto foi tirada no antigo terreiro da casa em que vivi a minha infância. Numa
casinha de alvenaria e sem reboco que existia ali, minha mãe teve sete filhos,
sendo que seis estão na foto e o outro partiu ainda na primeira infância.
Lembro muito bem de cada nascimento, que enchia de júbilo a nossa casa.
Funcionava assim. Algumas vezes,
sem que soubéssemos de nada, uma avó chegava à tardinha em casa e ficava para
pernoitar. Eu achava estranho, porque minhas avós não tinham o costume de nos
visitar. E ainda vindo para dormir?... Bem, minha avó chegava, se ajeitava numa
esteira na sala e lá dormia. Nós também íamos para cama cedo, logo após o
anoitecer, porque não tínhamos sequer rádio de pilha para nos entreter. Lá
pelas tantas, não sei se meia-noite ou três da manhã, papai chegava ao nosso
quarto e bradava: “Tem gente nova!” Acordávamos sem entender, mas tudo se
esclarecia com o choro do recém-nascido. Então levantávamos e íamos até o
quarto dos pais. Lá estava minha jovem mãe amamentando um bebezinho já envolto
em flanelas. Na cozinha, minha avó estava ao fogão fazendo uma ‘canja’, que não
era bem canja, mas caldo de galinha com farinha de milho. Minha mãe tomava
aquela refeição sempre que estava “de resguardo”, e eu gostava de ficar por
perto, observando-a. Quando mamãe terminava,
eu pegava seu prato e raspava o restinho. Ela, sabendo que eu queria participar
de seu lanche, sempre deixava um fundinho de prato para mim. Ah, como era
gostoso!...
Os meninos lá em casa cresciam
sempre robustos. Todos eram alimentados nos primeiros meses apenas com o leite
materno. Quando crescidos, porém, papai preparava mingau de fubá, que era feito
com leite de vaca e adoçado com rapadura. Esse mingau era dado numa mamadeira
de plástico que durou várias gerações de bebês. Quando o bico dessa mamadeira
estourava, papai comprava outro e punha na mesma garrafa. E assim, com poucos
recursos e alguma criatividade, papai criava sua prole que crescia e crescia. Toda
vez que o caçula beirava os dois aninhos, porém, outro rebento surgia no ninho
e a história se repetia.
Quando a criança ficava
maiorzinha e deixava de ser caçula, perdia o colo, mas papai improvisava. Pegava
um caixote de madeira e fazia dele um ‘carrinho de bebê’, só que sem rodas. Punha
nele a criança e ali ela ficava no meio da casa para que todos a
entretivéssemos, puxando ou empurrando o seu caixote. De início a criança se
assustava, mas depois gostava e dava risada com o movimento brusco no chão
cimentado. Aquele caixote fez história, porque durante o dia, era a casa, a
cama e a privada do bebê – antes de aprender andar. De vez em quando papai nos
mandava lavar o caixote, porque ele estava ficando inabitável.
Mas é preciso voltar à fotografia
que abre esta crônica. Ali vejo com alegria nostálgica o passado e com tristeza
o futuro. Tristeza, porque esse pode ser o último registro da família completa.
Tristeza porque a vida corre célere e o
tempo é uma moenda que tudo mói. Tristeza porque logo será pó a minha história.
FILIPE