A policial saca a arma e mata um
bandido em frente à escola de sua filha. O momento era tenso, perigoso, havia muitas
vidas em risco e parece que a agente cumpriu sua obrigação. No dia seguinte, o
governador-candidato já estava faturando. Homenageou a policial com discurso e
buquê de flores, e sentenciou garboso: “Quem ofender um policial corre risco de
vida, pois a farda é a extensão da bandeira do estado!”
O discurso do governador está bem
ajustado ao presente, quando uma onda ufanista se avoluma, mas se encaixa no
pretérito também. Descobriu-se recentemente que os governos militares
autorizaram a execução de “inimigos políticos”, contrariando, pasmem, a
orientação dos Estados Unidos. Na época houve, inclusive, um incidente
diplomático entre os dois países devido à rebeldia do governo brasileiro, descumprindo o recomendado.
Mas será que aquela policial agiu
prudentemente? Soube-se depois, como era de se esperar, que o bandido não
estava só. Ao menos um de seus comparsas já foi identificado. E se a policial
errasse ou não conseguisse imobilizar imediatamente o assaltante, o que poderia
ter acontecido? Sabe-se que bandidos não costumam agir com “muita responsabilidade”
e um tiroteio resultaria em tragédia.
Na semana seguinte àquele triste
episódio, a Folha de S. Paulo publicou resultado de uma pesquisa, afirmando que
nos últimos anos apenas ‘oito por cento’ dos policiais saíram ilesos após
reagirem a um ataque. A Folha explica que casos “bem-sucedidos” como o da
policial acima não entram nessa estatística, porque ela não era alvo do
bandido. ‘Oito por cento’, em boa aritmética, significam ‘dois em 25’. Em
outras palavras, para cada 25 confrontos, 23 policiais ou morreram ou ficaram
feridos. Conclusão: se a polícia, que é treinada para o enfrentamento, não se
sai bem quando surpreendida pelo bandido, o que será do cidadão comum? Esses números deveriam pôr fim à estultícia
dos que querem armar o “cidadão de bem”.
Mas os tempos são outros e são
bicudos. Pesquisas apontam uma crescente mortandade de jovens nas operações
militares, mas ignorada pelo noticiário. A grande mídia destaca a “glamorosa”
detenção de velhinhos muito em moda ultimamente. Políticos e empresários,
alguns já anciãos, estão indo para o xadrez.
De minha parte, ser “do bem” causa-me
engulhos, porque essa expressão foi sequestrada pela “gente do mal”. Eu queria
ser “da paz”, mas a ‘paz’ também parece estar maculada. Não sendo do bem nem da
paz, quero justiça e paz. Que o ‘bem’ prevaleça sobre o ‘mal’. Que os velhinhos
corruptos sejam todos punidos, não com a prisão, mas com a expropriação. Soltos,
porém pobres, sem o butim. Que criminosos contra a vida sejam todos presos e
recuperados. Que se inspirem em Minas Gerais, que tem a APAC com suas prisões
humanizadas, onde presos têm dignidade, recuperam-se, e sem que o sistema lhes
seja condescendente.
É, naquele Dia das Mães, pensei
na minha mãe e em muitas outras mães, algumas já ausentes. Pensei na policial de
posto modesto, também mãe e agora vulnerável após ter sua identidade devassada.
Pensei também naquela mãe anônima, que teve como presente no seu dia o corpo do
filho de 21 anos para sepultar.
FILIPE