A velhice vem chegando, mas não de
mansinho e arrastando as pantufas, como querem uns. A velhice tem pressa.
Não faz muito tempo, eu era um menino
de ‘pés descalços e calças curtas’. O curso primário, que comecei aos seis anos
e que parece ter sido ontem, fiz usando apenas duas peças: calção e camiseta. Para
a solenidade de entrega do “diploma do quarto ano”, papai, orgulhoso de mim,
pegou um casaco militar que ganhara de amigos e o deu a uma de suas irmãs para transformá-lo
na minha primeira calça comprida. Até hoje eu me lembro do desconforto: as pernas,
antes livres, agora embrulhadas no tergal que lhes embaraçava o movimento. Foi
uma revolução para um corpo ainda “implume”, um marco, o rito de passagem da
infância para a juventude. Com aquelas calças compridas eu me sentia um homem-feito
antes dos dez anos.
Com os primeiros ventos da
mocidade a roçar-me o buço, já comecei a me preocupar com a velhice. Não queria
rugas, cabelos brancos e os demais “assessórios” reservados aos provectos. E quando
completei ‘dezenove anos’, já me sentia um “ancião”. Tomado de angústia naquele
dia, escrevi um longo desabafo, que começava assim: “Hoje completo dezenove anos – uma data que para mim deveria ser motivo
de alegria, mas (...)”
A velhice pode chegar aos 60,
segundo o IBGE; ou aos 65, conforme a Constituição Federal; ou ainda aos 70, de
acordo com o Código Penal. Mas ela pode se antecipar para alguns ou atrasar
para outros, independentemente de convenções. Velho não é quem tem cabelos brancos,
pele flácida ou documentos esmaecidos. Já quase ‘idoso’, descobri que o
principal sintoma da velhice é a ‘teimosia’. Não importa a idade. Se você tem
dificuldade para aceitar opiniões, mudar hábitos e fica ranzinza sem causa que a
justifique, está velho, camarada!
Há pouco tempo, no metrô, inaugurei
uma nova etapa em minha vida. Estava de pé quando um jovem se levantou e me
ofereceu o lugar para eu sentar. Agradeci sem entender a deferência. Pensei na
pequena mala que eu carregava, mas não era a mala. Eram os anos mesmo. Talvez
isso explique algo que se tornou recorrente de uns tempos para cá. Com certa
frequência, tenho sido interpelado assim: “Já se aposentou? Ainda não se
aposentou?! Quanto tempo falta pra se aposentar?...” Não, não me aposentei e
sabe por quê? Porque eu amo dar aulas! Quero morrer bem velhinho numa sala de
aula, sufocado em pó de giz e nos flatos da galera, entendeu?” Embora eu tenha
vontade, não respondo assim. Sou polido e quero ser reputado como “moço
bem-educado”. E mais tarde, quero ser um velhinho simpático, sorridente, daqueles
que dão bom-dia, boa-tarde ou boa-noite a todas as pessoas que encontram na
rua.
Não, ainda não sou sexagenário,
mas já estou quase lá. Meus companheiros de infância, um amigo de mocidade e
até o irmão mais velho já se tornaram ‘sessentões’. E essa tal “melhor idade”
já me toca os calcanhares e dela eu não me esquivo. Porque a velhice, somente
ela, é capaz de silenciar a carne e serenar o espírito.
FILIPE
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