sexta-feira, 11 de maio de 2018

A VELHICE


A velhice vem chegando, mas não de mansinho e arrastando as pantufas, como querem uns. A velhice tem pressa.

Não faz muito tempo, eu era um menino de ‘pés descalços e calças curtas’. O curso primário, que comecei aos seis anos e que parece ter sido ontem, fiz usando apenas duas peças: calção e camiseta. Para a solenidade de entrega do “diploma do quarto ano”, papai, orgulhoso de mim, pegou um casaco militar que ganhara de amigos e o deu a uma de suas irmãs para transformá-lo na minha primeira calça comprida. Até hoje eu me lembro do desconforto: as pernas, antes livres, agora embrulhadas no tergal que lhes embaraçava o movimento. Foi uma revolução para um corpo ainda “implume”, um marco, o rito de passagem da infância para a juventude. Com aquelas calças compridas eu me sentia um homem-feito antes dos dez anos.

Com os primeiros ventos da mocidade a roçar-me o buço, já comecei a me preocupar com a velhice. Não queria rugas, cabelos brancos e os demais “assessórios” reservados aos provectos. E quando completei ‘dezenove anos’, já me sentia um “ancião”. Tomado de angústia naquele dia, escrevi um longo desabafo, que começava assim: “Hoje completo dezenove anos – uma data que para mim deveria ser motivo de alegria, mas (...)

A velhice pode chegar aos 60, segundo o IBGE; ou aos 65, conforme a Constituição Federal; ou ainda aos 70, de acordo com o Código Penal. Mas ela pode se antecipar para alguns ou atrasar para outros, independentemente de convenções. Velho não é quem tem cabelos brancos, pele flácida ou documentos esmaecidos. Já quase ‘idoso’, descobri que o principal sintoma da velhice é a ‘teimosia’. Não importa a idade. Se você tem dificuldade para aceitar opiniões, mudar hábitos e fica ranzinza sem causa que a justifique, está velho, camarada!

Há pouco tempo, no metrô, inaugurei uma nova etapa em minha vida. Estava de pé quando um jovem se levantou e me ofereceu o lugar para eu sentar. Agradeci sem entender a deferência. Pensei na pequena mala que eu carregava, mas não era a mala. Eram os anos mesmo. Talvez isso explique algo que se tornou recorrente de uns tempos para cá. Com certa frequência, tenho sido interpelado assim: “Já se aposentou? Ainda não se aposentou?! Quanto tempo falta pra se aposentar?...” Não, não me aposentei e sabe por quê? Porque eu amo dar aulas! Quero morrer bem velhinho numa sala de aula, sufocado em pó de giz e nos flatos da galera, entendeu?” Embora eu tenha vontade, não respondo assim. Sou polido e quero ser reputado como “moço bem-educado”. E mais tarde, quero ser um velhinho simpático, sorridente, daqueles que dão bom-dia, boa-tarde ou boa-noite a todas as pessoas que encontram na rua.

Não, ainda não sou sexagenário, mas já estou quase lá. Meus companheiros de infância, um amigo de mocidade e até o irmão mais velho já se tornaram ‘sessentões’. E essa tal “melhor idade” já me toca os calcanhares e dela eu não me esquivo. Porque a velhice, somente ela, é capaz de silenciar a carne e serenar o espírito.

FILIPE

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