Concordo com o amigo: fofoca é um
problema sem solução.
Estava para mais de dois anos que
eu não o via. A última vez que nos encontramos foi antes da pandemia. Apavorado
com a moléstia que se alastrava, refugiei-me num arrabalde bem afastado do
burburinho da cidade e não mais me encontrei com o amigo. Dia desses precisei
ir à casa dele e lá cheguei no meio do dia. Apertei a campainha e esperei por
largo tempo, talvez uns dois ou três minutos. Ele, um “animal noturno e
solitário”, foi despertado em horas inoportunas, e isso deve tê-lo aborrecido
bastante. Assomou-se à porta, lançando-me um olhar sonolento e nada amistoso,
mal respondendo ao meu bom-dia. Perguntei como ele estava, se seus pais estavam
bem etc. – essas perguntas corriqueiras
e desimportantes que são feitas por gente educada ou, no meu caso, sem assunto.
O amigo apenas disse que estão
todos bem, e não foi além disso. Depois ficou estacado como uma fera acuada,
fixando-me uns olhos cansados e entediados. Permaneceu no umbral da casa com as
mãos no bolso enquanto me observava, talvez querendo me mandar embora. Eu pensava que ele estivesse com saudade de
nossas conversas. Não com saudade de mim, claro, porque saudade nem existe. Mas
talvez um desejo de falar sobre coisas prosaicas, como fazíamos nos tempos pré-pandêmicos.
Enfim, o rapaz desembuchou e
desembestou a falar. Reclamou dos políticos, dos passantes, do comércio, da
carestia, de tudo. No entanto, o que mais o incomodava é a tal ‘fofoca’. Dizia
ele que a cidade está cheia de gente fofoqueira. Um dia no supermercado, ele
contou, havia uns três funcionários que, em vez de trabalhar, ficaram parados
que nem jeca, observando o povo que entrava. Entreolhavam-se e diziam algo que,
na opinião deste meu amigo, é fofoca. Ele consegue reproduzir o que, na sua
imaginação, seria o que os moços teriam dito.
“Aquele ali eu conheço. Mora na minha rua e é um tranqueira. Não
trabalha e vive às custas da mãe diarista. Aquela moça de blusa preta gosta
mesmo é de namorar. Deve ter uns três namorados e cada dia sai com um. A mulher de óculos, aquela gordinha que anda
mancando, é uma coitada. Foi abandonada pelos filhos e, recentemente, perdeu o
marido pela covid. Aquele de bermuda cinza é outro. A namorada não gosta dele, e
acho porque ele é muito feio”.
Finalmente, o amigo me disse que não quer mais morar nessa cidade. Quer
ir para outro lugar, mas para onde?..., indaga. Nenhum lugar presta, porque
fofoqueiro tem em toda parte, completou.
Sem poder resolver o problema do
amigo, concordei com tudo que ele disse. Antes de sair, no entanto, aconselhei
ser melhor desistir da mudança, porque fofoqueiro e coronavírus tem em todo
lugar.
Despedi-me dele e fui andando
devagar, tentando digerir aquelas informações. Já um pouco distante e como bom
mineiro que sou, olhei para trás. Lá estava o amigo na mesma posição: parado,
pensativo e com as mãos no bolso.
FILIPE