sexta-feira, 22 de março de 2013

PEDAGOGIA DO DESPERDÍCIO


Peço desculpas ao eventual leitor pela minha falta de inspiração e desassossego. Mas, para o momento, é o que se apresenta. Estou enviando o texto abaixo para todas as instâncias que se fazem responsáveis pela administração do ensino em São Paulo. Não me preocupa a possibilidade de sofrer represálias, mas a certeza de que nada vai mudar. Na próxima postagem, me esforçarei para ser suave.

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A Avaliação Diagnóstica promovida pela SEE-SP é uma feliz iniciativa. Verificar de forma padronizada o quanto há de progresso ou defasagem no alunado poderá trazer muitos benefícios à Rede, além de auxiliar nas avaliações externas como SARESP, Prova Brasil ou ENEM. Porém, a maneira como ela vem sendo executada é desalentador. Não bastasse a inadequação de conteúdos cobrados em determinadas séries, ou a falta de rigor conceitual na apresentação de alguns enunciados, os avaliadores pecam contra a economia e a ecologia. O desperdício de material é calamitoso. Para questões cuja solução demandaria um espaço não superior a três linhas, o caderno lhe reserva uma página inteira. Isto, sem considerar outras questões pueris, em que nada se pode fazer a não ser assinalar uma alternativa. Mas está lá um fabuloso espaço sob o título “resolução”.

Deve-se repensar urgentemente tal assunto, pois o professor que, em sala de aula, exorta seus alunos a usar racionalmente o material escolar para não haver desperdício, agora se depara com material oficial na contramão de suas prédicas. E não se trata de um projeto piloto da SEE. Esta já é a quarta edição da dita avaliação, tempo mais do que suficiente para reajustes. Mas eles jamais aconteceram, e alguns milhões de folhas de papel são descartados como lixo. Até as provas ora aplicadas são “requentadas”, isto é, simples repetição de edições anteriores.

Este, evidentemente, não é assunto prioritário na pauta de discussões entre gestores e educadores. Há questões mais candentes: a famigerada progressão continuada que perpetua a ignorância; a crônica falta de docentes devido à má remuneração e às péssimas condições de trabalho; a injusta política de progressão funcional com seus movediços e excludentes critérios de acesso; os famigerados “cadernos do aluno” numa risível concorrência com livros didáticos criteriosamente avaliados e selecionados pelo MEC; as misteriosas avaliações do SARESP cujos cadernos de questões são de natureza ultrassecreta, privando os professores de discutir erros e acertos com sua clientela; a humilhante bonificação baseada em autêntica “numerologia”, submetendo os professores a um hercúleo “trabalho de Sísifo”; (...). Há mais, muito mais. Porém, para o momento, uma única questiúncula: desperdício de material (leia-se: dinheiro público).

O diálogo é fruto da humildade. Mas não parece ser esta a virtude maior nas relações entre atores educacionais. Aqueles que “pensam” a educação põem-se muito acima e distante dos que realmente ousam fazê-la acontecer. E a educação de fato acontece. Não nos aprazíveis, climatizados e acarpetados gabinetes de quem se autodenomina especialista; mas no ruidoso, empoado, insalubre, inseguro e não raramente violento chão da sala de aula.
Eis a gênese do desmantelo, da degradação, do apocalipse educacional na mais rica Unidade da Federação. E nessa irresponsável escalada experimentalista já de duas décadas, nesse continuum reinventar da “roda pedagógica”, aproximamo-nos celeremente do Paleolítico.
FILIPE

sexta-feira, 8 de março de 2013

O BANHO


                Já amanheceu. Vamos tomar um banho, filha. Levante-se, deixe suas coisinhas aí e vamos tirando logo essa fraldinha, que está toda molhada. Venha, vamos lá! A água está bem morninha, uma delícia. Vamos tirando essa roupa... Vou ajudar. Levante o braço. Isto! Levante o outro também. Assim, assim. Agora experimente a água e veja como está gostosa. Toma o sabonete e lave bem o bumbum. Esfregue um pouco com a bucha e, agora, lave a bucha também. Não está pronto ainda. Vamos caprichar um pouco mais. Ah, e o cabelo? Estava me esquecendo de lavar o cabelo... Vamos, molhe bem a cabeça. Feche os olhos para não arder. Agora vou pôr um pouco de xampu, que é pra ficar limpinho e cheirosinho.  Vai fazer espuma, mas este xampu não arde. Talvez os olhos ardam, mas o xampu não. Está garantido aqui no rótulo: “não arde”. Hoje eles já inventaram essa belezinha de tecnologia. Vamos filha, ajuda a mãe. Esfregue bem os cabelos, depois vou passar um pouco de creme. Agora parece que já está bom. Vamos enxaguar a cabeça. Feche bem os olhos que vou abrir mais o chuveiro. Bom, agora esfregue um pouco mais os bracinhos, embaixo do braço, as pernas... Esfregue bem os pés, vamos! Agora, sim. Vou jogar essa água fora e ligar o chuveiro para enxaguar todo o corpinho. Feche os olhos mais uma vez, que vou abrir o chuveiro no máximo. Isso, isso mesmo. Bom, por hora é só e acho que está bom. Tá um pouco frio lá fora, então vamos pôr o roupão. Na cama, terminaremos de enxugar. Deite aqui, aqui. Olha, vou pôr esta meia em você. Sei que não gosta muito dela, mas é a mais quentinha. Vamos pôr esta blusinha bem fofinha.  Vamos encerrar? A fraldinha, o calçãozinho, esta calça comprida, os sapatos. Agora, levante-se e vamos para a cozinha. Filha, dê bom-dia ao povo.

                Já é noite e está na hora de repousar. Então, vamos para o quarto e ajeitar as coisas. Venha comigo, venha.  Mas, antes, vamos tomar uma ducha, pois fez calor o dia todo e você está suada. Ih! Sua fralda está toda ensopada... Mais uma razão para um banho noturno. Vamos tirando essa roupa, vamos. Tire a blusa, a blusa! Levante o braço..., o outro também. Assim. Agora tire essa calça, mas sente-se no banquinho para ficar melhor. Pode jogá-la aí no cantinho que já vou pôr na máquina. A fralda não pode ficar misturada com as roupas. Vamos jogá-la no lixo. Agora venha para o chuveiro, venha. Tá muito calor e, por isso, deixei a água bem morninha. Experimente e veja como está deliciosa. Toma o sabonete e lave o bumbum, o bumbum. Agora, passe sabonete na barriga, embaixo dos braços. Vamos, eu ajudo a esfregar. Cadê a outra bucha? Ah, as duas estão com você. Deixe uma comigo e vamos juntos nessa. Não molhe a cabeça, pois seu cabelo tá limpo e à noite não se deve molhá-lo. Segure firme e vire pra cá um pouco, que eu quero ver como tá ficando esse serviço. Acho que tá bom, então vamos nos enxaguar e já estamos finalizando. De manhã, o banho deve ser mais completo, mas à noite não precisa tanto. Vamos tirar o excesso de água passando a mão pelo corpo, vamos. Enrole-se nesta toalha e terminaremos de enxugar no quarto. Sente-se para eu enxugar seus pés. Que delícia de banho, não?! Agora que você está bem cheirosinha, vamos pôr esta roupinha limpa e perfumada. Pode ser que mais tarde esfrie, então fique com esta malha também. Ah, a fralda. Vou pôr esta fralda, mas não é pra tirar, viu? Só amanhã de manhã, quando for tomar outro banho. Deite-se. Chegue um pouco para cima e um pouquinho para lá. Eu posso ajudá-la. Vamos, força! E agora, tá melhor assim? Cubra com este lençol. O abajur ficará aceso. Tá bom assim? Tá confortável? Então, boa noite, mãe!
FILIPE