Quando menino, fiz uma tremenda besteira da qual nunca me esqueço.
Na época em que cometi esse “crime”, eu tinha a idade de dez ou onze anos. A
história foi assim. Meu pai havia roçado nosso quintal e feito umas coivaras
[um amontoado de galhos] para serem queimadas a fim de preparar o solo para o
plantio. Ele é quem deveria pôr fogo nas coivaras, e não um menino, que ‘não
tem juízo’.
Antes desse malfeito, eu assistia encantado às queimadas que todos
faziam naquele tempo e queria protagonizar uma cena daquelas também. Lembro de
um tio, irmão caçula de minha mãe, que botou fogo num roçado no sítio da
vizinha tia Badica. Ele pegou uma vara de bambu com um chumaço de pano embebido
de querosene, pôs fogo nesse chumaço e semeou as chamas pelo matagal. Eu olhava
com orgulho (e inveja) o meu tio: pequeno, um garoto ainda, mas tão poderoso!
Voltando ao meu caso. Meu pai não estava em casa e eu, querendo
adiantar o serviço, peguei uma caixa de fósforo, risquei um palito e tentei pôr
fogo nas coivaras. O fogo começou trêmulo, desanimado, chegando a apagar. Eu
tive que gastar vários palitos de fósforos para convencer o fogo que aquele era
um trabalho sério. Por fim, uma pequena chama se formou. Depois outra e outra e
outra, que se uniram e se animaram. Em pouco tempo as labaredas devoraram as
minhas coivaras e queriam mais. Então elas começaram a lamber as beiradas do
mato que cercava o roçado e, de repente, uma língua de fogo mais comprida e
indisciplinada alcançou uma pequena moita de capim, já fora do meu roçado. Foi
o suficiente para eu perder o controle da situação e ser dominado pelo danado
do fogo.
Desesperado, usando um pequeno balde com água para apagar o fogo,
comecei a gritar, pedindo socorro. Meus irmãos eram muito pequenos e nada
poderiam fazer, mas o Zé Alfredo, nosso vizinho, chegou para ajudar. A essa
altura, o fogo já estava no terreno da tia Badica, transformando tudo em
cinzas. Sem pressa, com muita calma, o Zé Alfredo foi controlando as chamas,
até apagar completamente o fogo. Ele usava um galho de folhas verdes, com o
qual abafava os focos até dar cabo de todos eles.
Aprendi a lição e nunca mais eu quis saber de pôr fogo em mato.
Envergonhado, tive que ouvir por muito tempo a mofa de minhas vizinhas, as
filhas do Antônio Moisés. “Então o fogo pulou?!”, perguntavam. “Pulou, uai!”,
eu respondia, tentando mudar de assunto.
Conto essa história aqui, que é verdadeira, para mostrar que havia
uma “cultura do fogo” no meio rural. Aquelas queimadas eram feitas todos os
anos no preparo do solo para a plantação, mas eram muito bem controladas. O que
acontece atualmente não tem paralelo com o passado. Há um crime ambiental no
campo e nas cidades. Nada justifica que desocupados ponham fogo nas margens das
estradas, em terrenos urbanos e, muito menos, que incendeiem nossas matas.
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