quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

UM SACRAMENTINO

Ele chegou leve, suave, como uma brisa. E com essa mesma leveza, permaneceu conosco por algumas horas. Veio para ouvir. Poucas são as pessoas com essa disposição e este irmão parece ter nascido para isto: dar atenção, escutar. Com certeza ele tem suas aflições, mas as retém consigo, sem que alguém lhe ofereça ao menos uma orelha para que fale.

Encontrei-me com ele de manhã, amável como sempre. Levei-o à minha escola e depois o conduzi até a casa. E me pareceu que sua única curiosidade seria a de conhecer o ranchinho, onde costumo me esconder para rabiscar minhas inquietações – como “Minhas Manhãs”, recentemente postada neste blog. Mas pareceu-me decepcionado com a aceroleira. Talvez a imaginasse grande e frondosa, mas o que se viu não passa de um arbusto. O suficiente, no entanto, para compor um retalho de natureza em estado bruto, com tronco, musgos, folhagens e asas. É essa paisagem que desanuvia as retinas e embala os delírios deste cronista insípido. Conheceu também a matilha da casa:  a curiosa Pituka, o rabugento Tokinho e o desconfiado Tiziu. Ainda que não demonstrasse intimidade, não denotou repulsa aos cães. Já está bom.

Minimalista na mesa, seu prato daria para alimentar, com sobra, um recém-nascido. Com tão pouco rango, pensei: talvez as orações lhe completem a refeição. “Meu bucho é pequeno. Como pouco, mas gosto de comer sempre”, diz para pôr fim a eventuais insistências dos anfitriões. Com isso, explica que gosta de “beliscar”. Talvez, nesse aspecto, seja o único que tenha puxado a mãe. Mamãe come pouquinho durante as refeições, mas, na surdina, sempre dá suas “beliscadas”. Contudo ainda não pude flagrá-lo em furtivas mastigadas. Ao sair, quis fazer-lhe um lanche para a viagem, e ele me orientou: “Pega um pãozinho de sal (pão francês), abre e bota uns ‘trenzinhos’ dentro, que ele fica que nem um embornalzinho, fechadinho”.

Da irmandade, é o mais sábio e também o mais econômico na prosa. Caso esteja numa rodinha em que se discuta algo, permanece atento e em silêncio. Não se lhe despertando interesse, retira-se à francesa. Instado a dar opinião, diz poucas e acertadas palavras.

Culto, grande conhecedor de teologia, não se mete a responder perguntas sobre algo que julga não dominar. “Ih, menino, sei falar sobre esse ‘trem’ não. Isso é assunto pra quem estudou.” Nas reuniões da Congregação, da qual é superior-geral, se instado a dar palpite, costuma dizer aos conselheiros: “Vamos debater a questão para decidir. Estou aqui para ouvir quem entende e aprender, porque sou apenas um ‘cura de aldeia’. Até pouco tempo, eu era capinadô de roça lá em Guiricema!”

Diferentemente de mim, não acumula nada. O que não está usando, passa para outros; se não vai ler o jornal velho, descarta; a roupa tá apertada, manda pra frente – outro usa. Dessa forma, seu guarda-roupa é enxuto, sua estante está sempre arrumadinha, a gaveta organizada. Nada semelhante a esta mesa sobre a qual me apoio – repleta de livros, jornais, sacolas com coisas..., uma bagunça! Aprendi que nossa cabeça tem a forma da mesa, do guarda-roupa ou da pia. Se está organizada, a mente também; se está bagunçada, melhor buscar tratamento. (...?!)

O Sacramentino, mais do que líder, é um “oráculo” da Congregação e também da família. Percorre milhares de milhas para debelar perrengues entre confrades ou rusgas entre membros de seu clã. Em breve, singrará o Atlântico e aportará na África. Assim, este incansável missionário segue firme no seu pastoreio. Peregrinando por terras e mares, leva a estes e a ultramarinos povos um pouco de alegria e de paz.


FILIPE

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O SEMEADOR

“Eu sou o semeador
Vou semeando a Palavra do Senhor”

A estrofe acima é de “O Semeador”, uma das inúmeras composições de Luiz Gonzaga de Souza, o Luizinho Cristiano, que nos deixou recentemente.

Luizinho foi um importante personagem na minha história, quando da passagem da infância para adolescência. Naquele tempo, em Vilas Boas, distrito da pequena e amável Guiricema, meu pai liderou um movimento de evangelização promovendo umas tais “reuniões de equipe”. O nosso grupo era formado pelos moradores do “Córrego dos Lopes” e se estendia para além do tal “córrego”, alcançando o “Cabo Frio”, no alto da montanha, onde morava meu tio-avô Sebastião de Moura. Às vezes íamos até a “Lambança”, comunidade onde morava a família Soriano. Nossos encontros eram nas noites de quinta-feira ou nas tardes de domingo, quando se reuniam dezenas de pessoas para orações, leitura do Evangelho, café com broa e muita música. O Luizinho, com seu violão, era o principal animador. Havia outros músicos, mas este nosso amigo era especial, uma espécie de maestro, o mestre do canto e das cordas.

O violão do Luizinho era quase artesanal, tinha cavilhas de madeira e cordas emendadas. Era comum vê-lo afinando-o ao intervalo de poucas músicas, pois as tais cavilhas não sustentavam a corda na tração necessária e o “bicho” desafinava em meio a uma dedilhada. Generoso, não tinha ciúmes de seu instrumento e o deixava conosco para que pudéssemos brincar à vontade. Ah, mas será que era por isso que as cordas se arrebentavam?...

Como naqueles longínquos anos setenta não tínhamos rádio, o Luizinho era a nossa única fonte musical. Dele, ouvíamos, além das canções do padre Zezinho, músicas do cancioneiro popular como a Jovem Guarda e as sertanejas de raiz. Através dele, conheci Jacó e Jacozinho, Tonico e Tinoco, Zé Fortuna, João Pacífico, Teddy Vieira etc. Sempre após as rezas, quando as mulheres e crianças iam se dispersando, nós, a molecadinha mais graúda, ficávamos para trás a fim de ouvir o seresteiro. Pedíamos: “Canta esta...”, cantava. “Canta aquela assim: ‘lá-rá-lá-rá’”, cantava também. E assim, o nosso menestrel ia até altas horas. Incrível, ele sabia de cor centenas, senão milhares de canções. Ouvindo apenas uma vez, já memorizava para sempre. Dominava também um vasto repertório de piadas, charadas e muito mais. O Luizinho era um artista do povo e por onde passava, semeava sua alegria cantando, tocando e contando piada.

Ah, mas não era mole a vida na ditadura! O governo militar, com seu ‘milagre econômico’, não foi nada milagroso para o povo da roça. Escassez e carestia era nosso cardápio e para o amigo Luizinho as coisas não foram melhores. Recém-casado e com dificuldades, papai chegou a socorrê-lo com uma pequena lata de gordura de porco, pois não tinha como temperar a comida.

Embora sem ter estudado música, Luizinho era um virtuose. Homem de raro talento, tentou de tudo na vida. Foi lavrador, padeiro, marceneiro, mas nunca viveu de sua arte. Ultimamente, andava preocupado com uma cirurgia que faria e tentava se aposentar. Partiu, aos sessenta e cinco, deixando silêncio, saudade e uma exuberante sementeira.

Vai, Luizinho, canta para os anjos e continua a semeadura. E não  esqueças do teu violão!

NOTA: Na seção “comentários”, pus a letra da música que celebriza o nosso ‘semeador’ e que marcou uma geração de camponeses guiricemenses.


FILIPE

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

NAS GERAIS

Estava com saudade de minas gerais (com minúsculas, porque somos íntimos) e do sotaque daquela gente. Quis ver Minas com seus mineiros e seus minérios, sem mineradoras. Quis ir lá, quis olhar para suas montanhas e nutrir-me de toda aquela mineiridade. Quis rever meus pais.

No ônibus, ao embarcar, já pude sentir um pouco do que buscava. Umas pessoas conversavam sobre esta e outra viagem que fariam. “Preciso ir a “Sansdumon” visitar minha afilhada. Faz tempos que não vou praquês lado”, disse uma. O outro, que não iria a Santos Dumont, dizia não ver a hora de chegar a “Viscon Ribranco”, onde comeria “franconquiabo” e angu. Depois, esticaria até a casa de seu compadre, em Coimbra, lá no alto da serra.

Do terminal do Tietê, em São Paulo, parti com destino a Visconde do Rio Branco. Estava ansioso por chegar a Guiricema. Havia tempos que não via meus pais e queria sentir o cheiro de barro, de mato molhado; queria andar por aqueles pastos e respirar ar puro. Do meu lado sentou-se um simpático senhor e seu nome é Zezito. Soube ao me despedir, porque durante a viagem não costumo conversar. A experiência me ensinou que, se a viagem é longa, o silêncio é o melhor companheiro. Trocas de impressões são bem-vindas, mas somente ao final do percurso.

Cheguei de manhãzinha no “ninho paterno” onde papai e mamãe me aguardavam prazenteiros. Ele, como sempre, animado, sorridente; ela, também alegre e com seu proverbial “Deus te abençoe!”. Essa é a forma que mamãe encontrou para disfarçar o incômodo, quando não reconhece quem chega: talvez filho, sobrinho ou, quem sabe, um irmão. “Na dúvida, é melhor abençoar”, ela deve pensar.

Cheguei eu, depois foram chegando outros filhos. No dia seguinte, estava reunido o primeiro quinteto da prole. Desde o Mano Véio, passando pela irmã mais velha, este rabiscador, o Irmãozinho e o Sacramentino. A parte mais nova da prole, um sexteto, não pode comparecer. Naquele momento celebrativo, cavoucamos o passado e desenterramos fatos marcantes na história da família. A irmã mais velha e o Irmãozinho, ambos de fabulosa memória, deram os detalhes de coisas antigas, das quais eu nem lembrava. O Sacramentino, que naquele momento se fazia caçula, apenas ouvia e contemplava. Este irmão é assim mesmo: calado, ouvinte, o mais sábio de todos. Falamos sobre tia Badica, a turma do Julim Mendonça, Tatão Tibúrcio, Angelina e outros antigos personagens de nossas histórias, algumas alegres e outras tristes.

Na varanda, enquanto revisitávamos o passado, o Mano Véio observava de longe. Não sei por que, mas ele parece não apreciar reminiscências. Passava, às vezes de raspão, e dizia: “Aí, Felipão, quando se aposenta?”,  ou: “Aí, Felipão, dando muita aula?” Quando ia responder, era tarde. Já estava longe, mexendo numa revista, na TV ou fazendo outra coisa. O Mano parecia preocupado com uma aula que daria no dia seguinte para “quarenta diáconos”.  “Vou começar com uma pergunta sobre a diferença entre pastoral e evangelização”, disse isso mais de uma vez. Caso eu fosse um daqueles diáconos, aprenderia também a semelhança. Não sendo diácono, nem teólogo e não assistindo àquela aula, ficarei sem saber “qual é a diferença”.

Mas, o motivo da viagem foi a comemoração dos oitenta e cinco anos de meu pai, que parecia um garoto, de tão feliz. Passou o dia no “feice” respondendo às centenas de mensagens, que não paravam de chegar. À tardinha, houve oração, “parabéns pra você” e muito bolo.

Que esta festa se repita e se estenda a outros lares. Pois a vida não é para ser vivida apenas, mas continuamente celebrada.


FILIPE

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A ESCOLA É PARA...

Recentemente a Folha de São Paulo trouxe um artigo intitulado “Reprovados em Matemática”. Apoiado numa pesquisa com público acima de 25 anos, feita em várias cidades do país e realizada por um importante instituto, o texto, assinado pelo professor gaúcho Flávio Comim, despeja uma avalanche de números desconcertantes.  Segundo o autor, um terço dos entrevistados não sabe multiplicar, 75% não compreendem frações, mais de 60% não sabem lidar com porcentagem e mais da metade não consegue fazer um bolo. Isso mesmo, 59% dos entrevistados não sabem trabalhar com uma receita de bolo, quando é preciso reduzir ou aumentar proporcionalmente seus ingredientes. Os números continuam, mas eu paro por aqui para não agastar o esquivo leitor.

O artigo do professor Comim desperta os brios de quem lida com ensino, particularmente dos professores de Matemática. Mas o problema é muito mais complexo do que se supõe. As políticas educacionais – notadamente do estado de São Paulo com a implementação da “progressão continuada” – que já eram desanimadoras, tendem a piorar. O Conselho Estadual de Educação (CEE-SP) acaba de determinar que universidades destinem 30% da grade curricular de seus cursos de licenciatura a “aulas práticas”, pois os “çábios” afirmam que aqueles cursos formam especialistas que não sabem ensinar.

 Mas, é importante ressaltar, as tais “aulas práticas” não passam de uma “metáfora do mal”. Explico. Paralelamente às matérias específicas de um curso de licenciatura, ensinam-se teorias educacionais que são fruto do “trabalho de gente desocupada”, algo de pouca ou nenhuma serventia para o formando. Há várias correntes pedagógicas, obra de uns parasitas que se divertem reinventado a cada vez mais quadrada ‘roda pedagógica’ e que se dizem “educadores”. Esses “iluminados” ganham a vida dando palestras, publicando livros (que ninguém lê), assessorando os donos do poder e aporrinhando mestres.  Faz tempos que os editais de concurso para professores da rede estadual privilegiam suas teorias em detrimento dos conteúdos específicos.

Adepto dessas “inovações”, o grupo político à frente do governo paulista há mais de vinte anos não conseguiu melhorar a qualidade do ensino por estas plagas. Tentou-se de tudo: remanejaram-se alunos e professores, ainda no final do século passado; implantou-se a famigerada “aprovação automática”; adotaram-se os discutíveis “Cadernos do Aluno”, em prejuízo do excelente livro didático distribuído pelo MEC; anunciou-se a flexibilização do currículo em nível estadual, em contraponto ao currículo nacional de responsabilidade do MEC; e, neste momento, impõe-se a segunda etapa da reestruturação, visando separar estudantes por faixa etária, fechando escolas etc.

Quem está na rede há algum tempo sabe que nenhuma das mudanças implementadas pelo governo paulista nos últimos vinte anos resultaram em melhoria do ensino. A reestruturação em curso não será positiva e a mexida nas licenciaturas, uma tragédia, porque porá “analfas” no magistério. Quem leciona sabe que o professor deve ser um especialista em sua área. Sem a competência técnica desse profissional, a escola deixa de cumprir seu inalienável papel, que é o de promover o pensamento através do ensino. Ou ..., ensinar alguém a fazer bolo.

Com a palavra o professor Renato Janine Ribeiro, o mais respeitável ministro da Educação que este país já teve: “A escola existe para desasnar as pessoas”.


FILIPE

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O CAPIM, A VACA E O HOMEM

Queria começar este ensaio citando números e fontes para impressionar o solitário leitor, passando-lhe a impressão de que estou bem informado. Se bem que tentei, confesso, mas não consegui. Havia guardado um recorte de jornal com uma gama de informações a respeito do tema de hoje, mas não o encontrei. Também estou com preguiça de buscar na ‘net’. Mas você verá, bravo companheiro, que os dados não lhe farão falta. Como também não lhe fará falta este texto que ora rabisco.

A população envelhece velozmente, mas parece – e isso me é cada vez mais evidente – que não nos importamos com o futuro dos futuros velhos que seremos, ou somos. Educamos nossas crianças somente para a felicidade, como se a tristeza, a frustração, a dor fossem uma anomalia da natureza. Algo que deva ser extirpado do cotidiano para que possamos ter uma juventude ainda mais feliz. Mas o que se vê por aí (e por aqui também), não passa de uma massa idiotamente hedonista, incapaz de tomar decisões, nem de se libertar da redoma paterno-materna. Como num diálogo travado entre mãe e filha, publicado recentemente num jornal: “Filha, como você vai viver quando eu morrer?” “Simples. Vou viver de sua herança!” Depois dessa, dizer o quê?...

Do ponto de vista estritamente materialista, o ser humano é uma praga. Não faz falta alguma ao planeta Terra e, pelo contrário, devasta-o sofregamente, promovendo o aquecimento, extinções, desertificação etc. Sob a ótica do ateísmo, o ser humano é inferior à vaca, que se preocupa apenas em comer capim e reproduzir; jamais em acumular, guerrear ou curtir Luan Santana. O homem seria inferior também ao capim que a vaca come, pois como todo e qualquer vegetal, o capim produz seu próprio alimento, realizando a fotossíntese. Nós humanos dependemos da vaca, que depende do capim, que não depende de ninguém. Legal isso, não?

Mas, o que temos de superior à vaca e ao capim? A vaca cuida de seu filhote, alimentando-o e o protegendo. O capim, por sua vez, não cuida de ninguém, nem de seu ‘filhote’ que, enquanto semente, tem que se virar e encontrar terreno fértil para germinar, crescer e, enfim, alimentar a vaca, que alimenta o homem. Mas, sob este ponto de vista, se a vaca é superior ao capim na sua capacidade oblativa (ela cuida do filhote), o ser humano se equipara à vaca apenas neste quesito: protege e sustenta a prole, e só. E ainda há humanos que preponderam pela força física e vigor sexual! Coitados, deixa o touro saber disso...

Mas a superioridade humana não vem nem da força física, nem da inteligência, pois a máquina nos supera aqui também. Há algo sublime e que nos faz muito especiais.

Alguém já viu um novilho cuidar da ‘dona vaca’, idosa, sem dentes e atolada no pântano? Ou do touro de perna e chifre quebrados após um duelo? Decerto que não. Apenas o ser humano, diferentemente dos animais, é capaz de dedicar sua vida em prol dos desvalidos. Talvez surjam daí os primeiros lampejos que atestam nossa filiação divina: “Somos feitos à imagem e semelhança de Deus, nosso Pai e Criador”.

Mas, pelo barulho do tropel e pela densa poeira que se levanta, estamos caminhando célere para a irracionalidade. No futuro, seremos como os animaizinhos, nossos irmãos menores. Cuidaremos muito bem de nossos rebentos, mas abandonaremos os nossos genitores à sua própria (falta de) sorte. 

Seremos capim, vacum ou homo sapiens? Façamos a escolha.


FILIPE

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

NEURAS

Tá horrível a coisa aqui. Um calor insuportável, um vizinho escroto com uma bateria dos infernos e eu tentando atualizar meu blog. Se na calmaria da madrugada já não consigo grandes feitos, imagine agora, na aridez desta tarde calorenta e acrescida dos decibéis de alguém sem noção de civilidade... Mas vou tentar. Quem sabe, na companhia de uma sinfonia de Mozart, eu consiga sublimar o purgatório que me sufoca o espírito e me entorpece a alma?...

Aumento o volume do aparelho, o violino geme enquanto vou cofiando os neurônios a procura de algo. Penso que hoje, sendo feriado, facilitaria. Mas não. Amanhã, se alguém acessar o blog, ficará espantado com tanta baboseira de quem se diz professor. Calma! Professor é assim mesmo e você já teve muitos. Todos são neuróticos, não suportam barulho, nem mesmo o de uma caneta sobre a carteira. Principalmente quando a Fulana insiste no batuque, embalde os pedidos clementes para que pare, ao que responde: “Eu não consigo parar!”. Consegue.  Posta para fora com a incumbência de continuar batucando, cansou e parou de vez.

Ah, mas aquela caneta batucando na carteira seria “música suave” perante o que acontece por aqui. Uns caras metidos a roqueiros e que provavelmente – e eu torço muito para isso – nunca passarão de amadores sonhando tocar nos vespertinos da TV aberta. Boçais é o que são.

Hoje é o ‘dia do professor’. Este ser bajulado hoje, mas desrespeitado sempre, principalmente pelos governantes. Não acho que somos especiais, só acho que deveríamos ser valorizados, compreendidos, cobrados também. Mas, pelo amor de Deus, dê-nos condições físicas, psicológicas e retaguarda moral para o exercício da profissão!

A cada dia e a cada aula uma surpresa, boa ou ruim, nos aguarda. Eu teria muitas coisas boas para dizer sobre este ofício que abracei com incondicional volúpia. Mas o meu vizinho... Este me obriga a falar mal da minha profissão, da tarde, de tudo. Então vou reclamar de meu cotidiano, que muitas vezes me embebeda com fel.

Certa feita, ao entrar na sala de aula, havendo poucos alunos devido a uma chuva forte (faz tempos!), pensei: “Hoje a aula vai render, pois posso ensinar de forma individualizada. O assunto – sem querer ser pedante nem afrontar os não iniciados –  era “Números Complexos”.  Comecei falando da inconveniência do nome, da “maldade” dos matemáticos. Com um título desses, quem se animaria? ‘Complexo’ evoca complicação. Como simplificar aquilo que já se apresenta como ‘complexo’? Tentei desembaraçar as coisas, muito animado, por sinal. Uma Fulana, não muito dotada de boa vontade (alguém diria vagabunda, preguiçosa; eu não) entrava e saía da sala para cuidar de interesses outros. A certa altura, virou-se para mim, dizendo: “Eu não entendi NAAAADA!” Fiquei meio sem o que dizer e receitei reforço. Brava, deu-me instruções de que o meu papel era o de ensinar etc. E em seu socorro, veio uma das melhores da sala. Isso é que doeu. A moça, aparentemente educada e estudiosa, berrou: “Já ouvi dizer que se um aluno pergunta, o professor é obrigado a responder quantas vezes forem necessárias!” Tentei argumentar, mas a coisa foi entortando de vez. Sorte minha é que as duas não conseguiram a tão sonhada maioria na classe. Em meu socorro, um jovem disse: “Cala aí, ô! Se não aprendeu, é porque fica conversando... Presta atenção no professor e pare de reclamar!” Dei muitas graças a Deus e a esse herói improvável. Revigorado, pude bradar sem muita convicção, é claro: “Comigo, só não aprende quem não quer!” Disse e repeti, para gáudio de meu defensor, alegria da classe e desagravo face às duas contendoras.


FILIPE

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

DESAMPARO

Artigo enviado ao jornal "A tribuna", edição de hoje.


A oitocentista Amparo, que foi palco de grandes acontecimentos como os movimentos abolicionista e republicano em fins do século XIX, do embate entre constitucionalistas paulistas e as tropas federais de Getúlio em 1932, e até do Congresso Eucarístico de 1944 além de outras efemérides, está cada vez mais reduzida à memória. A Amparo que hoje se vê não passa de um borrão perante a que fora num passado distante. A rica arquitetura com soberbos casarões, as ruas arborizadas, as calçadas de paralelepípedos, os postes de iluminação, o Teatro João Caetano, os cinemas, tudo isso tornou-se apenas uma fotografia desbotada de uma Amparo outrora pujante. Quando ouço Caetano Veloso cantar “da força da grana que ergue e destrói coisas belas” – verso de sua antológica “Sampa” – penso em Amparo. Alguém ergueu esta monumental cidade para, tempos depois, ser espoliada por uma elite avara que, tal como o mitológico Midas, quer transformar tudo em ouro – aquele ‘vil metal’, conforme definem os poetas. E a desdita segue inexoravelmente seu curso. Vejamos.

Há anos que o histórico Museu Bernardino de Campos, um dos mais importantes do estado de São Paulo, encontra-se fechado para reformas. Durante a campanha eleitoral, no final do ano passado, houve um movimento do tipo “agora vai”, mas que não foi. Durante aquela malfazeja “onda azul”, chegaram a iluminar o prédio junto a um pomposo outdoor com logotipo do sempre ‘governador-candidato’, que mais uma vez venceu a eleição com apoio das forças políticas locais. Findas as eleições, findaram-se os ânimos, apagaram-se as luzes e morreram as esperanças. O museu voltou a “dormir”, sonhando ser despertado, talvez quem sabe, na próxima “ventania” eleitoral, quando suas portas abrir-se-ão sorridentes ao agradecido, mas sempre enganado eleitor.

De vez em quando, outras portas são fechadas temporária ou definitivamente. Um posto de saúde, um programa cultural ou uma creche pronta para funcionar, mas ainda inativa, talvez à espera de uma ribalta para iluminar o “benfeitor” num momento oportuno. E tem mais.

Num país em que poucos têm acesso a bons livros, o riquíssimo acervo da Biblioteca Municipal de Amparo ficará indisponível aos sábados, devido a um programa de “contenção de despesas”. Já em São Paulo, apesar da “crise”, o prefeito Fernando Haddad determinou que a Biblioteca Mário de Andrade funcione por vinte e quatro horas, todos os dias.

Não bastassem os inconvenientes e frequentes cortes de árvores, a cobertura asfáltica de centenários paralelepípedos e tantos outros despautérios urbanísticos, a vida cultural de Amparo é afetada e se torna cada vez mais pauperizada. Porém, se há recursos para contratar funcionários comissionados, cujos cargos são questionados pelo Ministério Público e barrados na Justiça, por que não investir mais em cultura?

Amparo, que já teve Carnaval, Festival de Inverno e poderia lançar uma Feira Literária, agora retrocede.  O Festival de Inverno foi mutilado; do Carnaval, poucos se lembram, porque há uns três anos, acabou; a Biblioteca fecha aos sábados; a Feira Literária... Bom, isso é apenas um delírio deste escriba insone, que lamenta ver esta cidade desamparada.


FILIPE


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

MINHAS MANHÃS

O dia nasce prazenteiro. No pé de acerola, a passarada festeja numa babel em que todos, como os mineirinhos, falam ao mesmo tempo e assim se entendem. Eu, que entendo os mineiros, não compreendo nada do que dizem os passarinhos. São os mais variados bicos, idiomas e plumagens. Há também um casal de pombinhas silvestres querendo nidificar nessa árvore. Estes não têm capricho e seu ninho não passa de um amontoado de gravetos. Mas como são belas as juritis! Bebo cada gota desta manhã, que mal começa e já envelhece. Uma brisa sopra levemente, levando com ela minha manhã e a minha inspiração. Ainda há pouco era noite escura.

***

Passaram alguns dias desde o início desta crônica. As pombinhas já fizeram o ninho e uma delas está sempre em repouso. Neste momento vejo o casal: ele cofia as penas, enquanto a companheira continua aninhada e vigilante. Um pássaro de outra espécie vem xeretar, mas não há conflito entre eles. De tão amistosos, parecem velhos compadres. Os nubentes talvez não deem conta do perigo que mora embaixo. Espreitam-nos três cães: Pituka, Tokinho e Tiziu, que não se compadecem de bicho de pena. Este último compôs a matilha recentemente. Vagava por uma rodovia, prestes a partir para o ‘Paraíso dos Bichos’ – se é que existe um paraíso para eles. Acredito que sim, porque o Criador não os deixaria no ‘limbo’. No fim dos tempos, todos nós nos encontraremos na ‘Comunhão das Criaturas’. Assim penso, embora esta minha teologia seja tola para os doutos, reconheço e não me importo.

***

Volto à crônica. Enquanto o Tiziu duela com a Pituka, observo o ninho das pombinhas. No rádio, uma orquestra, acho que de Viena – se não de Viena, de Berlim. Gosto de citar orquestras germânicas, porque elas parecem agregar sofisticação aos meus textos (!). No pé de acerola, outra orquestra menos sofisticada do ponto de vista humano: bicos, muitos bicos, emitem seus tons e semitons sem necessidade de maestro nem batuta. Aqui dentro, apenas Tokinho e eu. Nem sei se Tokinho está ouvindo as orquestras. Parece mais preocupado em destruir um chinelo, que já foi meu e que Tiziu pegou emprestado para “consertar”, devolvendo-o sem correia. Mas a pombinha continua lá, pensativa, desconfiada de mim e sonhando com dois ‘biquinhos’. E já se foi mais uma manhã.

***

Retorno após uns dias. No aparelho, João do Morro & Pé de Serra cantam ‘Prato do Dia’: uma ode à bravura dum pai de família frente a um cafajeste.  Os cães saíram e me deixaram. No rádio, agora é a dupla Duo Guarujá com “Cabecinha no Ombro”. Na aceroleira, uma mãe toda feliz alimenta dois pimpolhos.  Encantadora manhã! Mas, que se vai.

***

Estou de volta. Tokinho masca uma coisa preta e redonda parecida com um pastel: meu finado chinelo. Lá fora, um bater de asas me desperta da leitura e um dos filhotes é predado. Não há tempo. O corpinho desfalece e o bico sangra. Ah, Tiziu! Mas o irmãozinho escapa. Vai crescer, emplumar-se e partir.  Poderei observá-lo durante todo o estágio: o primeiro voo cambaleante, o choque com os galhos, a queda... (um alambrado salvando vida!). Deste lado, os caninos da Pituka furiosamente brancos. Do outro lado, olhos arregalados, corpinho trêmulo, asas em desconcerto.

***

Finalizo finalmente. No velho ninho, outra pombinha, que trará novos pombinhos. E em tempos de crise, tudo se aproveita, não é juriti? Mas cuidado com o Tiziu! É mais uma manhã que passa, como passam as juritis, seus ninhos mal feitos, seus filhotes e seus tristes cantos. Passam as manhãs, passamos nós. Tudo é tão fugaz... Como a vida, os amores juvenis e os ninhos das juritis.


FILIPE

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

PAINEL DA FOLHA

PAINEL DO LEITOR DA FOLHA DE S. PAULO – (texto integral)

26/08 
Em relação à carta do leitor Alessandro Alves de Souza (Painel do Leitor, 25/8), a Secretaria da Educação do Estado esclarece que valorizar a educação é prioridade. Hoje, 98,7% dos alunos com sete anos já sabem ler e escrever, um ano a menos do que a meta nacional. Índices como o Idesp mostram avanços em todos os ciclos de ensino. Nos Anos Iniciais, o crescimento é de 20,2% na comparação entre 2010 e 2014. A política de valorização ainda garante aos docentes oportunidade de evolução funcional como a valorização pelo mérito, que permite reajustes anuais de 10,5% e pagamento de bônus por desempenho.
Valéria Nani, assessora de imprensa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (São Paulo, SP)

28/08
Não é verdadeira a informação dada por Valéria Nani, da Secretaria de Educação de São Paulo, de que os professores paulistas têm "reajuste anual, por mérito, de 10,5%". A prova, que dá acesso a tal promoção, é trianual e essa promoção atende a um número exíguo de docentes. Isso devido a critérios cada vez mais excludentes impostos pela pasta.
Felipe de Moura Lima, professor (Amparo, SP)

30/08
Em relação à carta do leitor Felipe de Moura Lima (Painel do leitor, 28/8), a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo esclarece que a prova de Valorização pelo Mérito possibilita, além de um aumento salarial, um crescimento na carreira dos professores. Feito anualmente, o exame possibilita aumento de 10,5%, concedido aos profissionais aprovados, dentro dos critérios amplamente divulgados. Somente nesta edição, mais de 73 mil docentes da rede estadual farão a prova.
Valéria Nani, assessora de imprensa da Secretaria da Educação do Estado (São Paulo, SP)


31/08
A assessora da Secretaria Estadual da Educação, Valéria Nani, continua desinformando (Painel do Leitor, 30/8). As provas de promoção por mérito são anuais, mas os professores que a fazem com êxito têm de cumprir interstício de três longos anos para um novo certame. Ainda: "critérios amplamente divulgados" não significam necessariamente critérios justos.
Felipe De Moura Lima, professor da rede estadual (Amparo, SP)

                                      
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O leitor deste blog, se é que ainda o tenho, tire suas conclusões. Se o governo do estado de São Paulo, através dos gestores da Secretaria da Educação, mente desavergonhadamente sobre coisa tão banal como evolução funcional, o que dizer de algo mais complexo como verbas, contratos etc. etc. etc.? O pior nessa bagaça é a crise de representatividade. A Folha de S. Paulo publica provocação aos professores, de uma ‘assessora’ do PSDB, e não aparece um líder sindical para replicá-la?! É claro que o PT está irrecuperavelmente bichado, e a CUT sem norte nem leste, mas o sindicato deveria ser mais aguerrido.

Não é à toa que Geraldo Alckmin está cada vez mais pimpão na mídia. Sem Pedra de Tropeço, ele faz e fala o que quer. Durante a mais longa greve na educação paulista, naqueles já distantes meses de março, abril e maio, Alckmin dizia que somente em julho é que negociaria. Julho passou, atravessamos agosto, estamos em setembro e nada. Novidadeira mesmo só sua afirmação, também não rebatida, de que “o PT é uma praga que deve ser exterminada”. Coisas do gênero podem ser ditas no boteco – entre um conhaque, um torresmo e uma cachaça – pelos ébrios. Mas nunca por quem se diz democrata e tem fumos de estadista. Não é, seu Geraldo?


FILIPE

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O AMIGO INDIGNADO

Por tempos não o via. Ao encontrá-lo, quis falar sobre tudo, conforme nosso velho costume: religião, família, música, o tempo etc. Uma conversa de sempre, amena, com os semblantes serenos.  Mas, desta vez, o assunto começou com ‘política’, e adeus serenidade! De cenho franzido, ele foi logo dizendo: “Não entendi, não pode ser. O que você vê na Dilma para defendê-la assim tão radicalmente?” Eu queria responder, mas ele não permitiu que o interrompesse. Quis continuar, completar seu arrazoado. “Aqui, eu não vejo jornal na Globo. Assisto ao jornal da Bandeirantes e lá há pessoas sérias, mas só apontam sujeiras. O que esse PT faz e o que essa Dilma tem feito...  Até onde vai esse trem, sô? Eu queria que você fosse sensato e não ficasse assim, defendendo essa gente.” “Mas, a mídia domina tudo!...” Tentei, mas fui interrompido e resignei-me a ouvir o amigo indignado. “E tem mais. Você, eu me lembro, sempre defendeu o MST, que só invade e destrói. O que esse pessoal fez de bom até agora? Nada! Olha, eu gosto do seu blog, gosto de ler suas crônicas, mas quando você se mete a escrever sobre política..., dá vontade de nem abrir mais, deixar pra lá.” Aproveitei uma brecha e arrisquei: “Quando escrevo, acho que eu não deveria pensar assim, levo em conta o leitor. Quero que ele continue acessando.”  “Ah, meu caro, você pode até pensar nos outros, mas em mim você não pensa. Senão, não ia ficar escrevendo bobagens, uai! Me desculpe. Às vezes tenho até vontade de postar um comentário, mandar um e-mail, mas penso: ‘vou ofender meu amigo’. Então, deixo pra lá.”

Esse pequeno diálogo com o amigo-leitor foi emblemático, pois ficou subentendido que eu devesse ser mais sutil. Que eu não fosse assim tão explícito na defesa de alguém que, no seu ponto de vista, não faz jus a tal deferência. Na oportunidade que me surgiu disse a ele que, embora eu tivesse lido e gostado da biografia da Dilma, não sou tão devoto dela. Confessei minha dificuldade para votar nos primeiros turnos, o que não ocorreu nos segundos. Em sua reeleição, por exemplo, não havia escolha, pois quem estava no páreo era um cafajeste – um Collor redivivo. Disse-lhe também que entendo suas críticas e lamento os dissabores de outros leitores que, sendo poucos, tendem a desaparecer. Mas...

Dias desses, paguei 70 “pilhas” a um “barnabé” com diploma de doutor para dar uma carimbada nuns documentos. O cara, que não fez outra coisa além do descrito, tentou puxar conversa para... Falar mal da Dilma! Talvez tentasse ser simpático, querendo justificar o honorário ganho em dois ou três minutos de trampo. Disse ele que uma ‘ditadurazinha militar’ não faria mal ao país. O cara é grisalho, já viveu, estudou e vem com esse papo... Apenas afirmei que não há ‘ditadura sem tortura’, ao que me respondeu: “Não, tem que ser uma ditadura moderna!”

Doutra feita, outro doutor, para justificar os 300 “pixulecos” de uma consulta, mediu minha pressão, perguntou sobre minha labuta e, na falta de assunto, arrematou: “Não tem jeito com esse país não. Enquanto esse PT estiver lá, vai ser esse caos!” Caos para quem? Para ele com seus milhões e passando férias na Europa?...

A última. Numa tarde de sábado, passando por um salão com a tevê sintonizada na Globo (aliás, aonde quer que eu vá, só dá Globo. Que saco!), vi aquele ‘Luciano Huck’ – que não conheço, mas sei que tem praia particular (proibida por lei) – anunciando um “0500” para “melhorar o Brasil”. Segundo o solerte apresentador, neste país há muita miséria, injustiça social etc. Mas para acabar com isso é preciso ligar para o ‘0500’, pois somente assim a coisa melhora.

Finalizando, seria bom sabermos que as grandes mídias são patrocinadas pelos grandes bancos, que financiam as grandes campanhas eleitorais. E que a família Setúbal, dona do Itaú e que tem como hobby bater panela na Paulista, deve R$ 19 bilhões ao Fisco (ver “Golpe de Estado”, de Palmério Dória e Milton Severiano, p.19 – Geração Editorial).  

Uma pergunta. Quantos banqueiros foram presos pela Lava-Jato até o momento?  Não, amigo, eu não me engano e continuarei no “front”. Escreverei quixotescamente sobre tudo o que me aflige, pois este é meu último respiro.


FILIPE

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

SEM PALAVRAS


“Não tenho palavras para descrever um momento tão belo!”

A frase acima deu título a uma série de imagens das Bodas de Diamante de meus pais postadas por uma irmã em sua página do “feice”. Não, não há mesmo palavras que deem conta disso. Comemorar ‘sessenta anos de comunhão conjugal’ não é para muitos. Os obstáculos vão desde causas naturais, como falecimento, a sociais e culturais, que resultam em separações.

Capítulo à parte, a cerimônia religiosa foi conduzida por sete sacerdotes, dentre eles, três (!) são filhos do casal. A capela de S. José, o Patrono da Família, ficou lotada, com gente de várias partes do país; alguns percorreram mais de mil quilômetros, apenas para participar desse evento. Havia parentes próximos e distantes; e amigos, muitos amigos.
  
Fato raro, que também deve ser registrado, foi a reunião dos “Moura Lima”. Em trinta e cinco anos, desde o nascimento do caçula, esta foi apenas a terceira vez em que se fizeram presentes os treze: papai, mamãe, agora de birote, e seus onze filhos. Uma foto para história da família!

Muito mais do que a “foto oficial” da “família Moura Lima”, há ali algo transcendente, que uma câmera fotográfica jamais pôde captar: a harmonia familiar. E não se pode considerar tal fato um mérito, porque nada fizemos para tão grande merecimento, mas uma graça divina. A nossa família, embora imperfeita como tantas, traz esse traço. Papai costuma dizer, cheio de júbilo: “A minha maior alegria é saber que meus filhos querem bem uns aos outros”, e acrescenta: “É muito triste ver irmãos brigados: às vezes, quando um chega, o outro sai, porque não conseguem permanecer no mesmo espaço”.

Meu pai tem razão. Nós, pelo menos agora, na maturidade, não trocamos xingamentos nem puxões de cabelo. No passado distante, porém... Mas deixemos pra lá esses rasgões, já há bem anos suturados pelo ‘cinto paterno’. Contudo, cada um de nós mantém lá suas manias e “entojamentos”. Caso dividíssemos cotidianamente o mesmo ‘quadrado’, não faríamos inveja a ninguém, nem sequer às famílias mais barraqueiras. Mas, convenhamos, vivendo assim, à distância, seria muita desfaçatez criar ou alimentar picuinhas, não acha?! Mas, parafraseando Caetano Veloso, “de perto, nenhuma família é normal”. E a nossa família não foge a essa regra “caetâneca”.

As noites na varanda de meu pai, durante o tríduo a que se tornara a comemoração das Bodas, foram de festa. Modinhas sertanejas, das mais genuínas, eram entoadas ao som plangente de um violão. Dentre as músicas do repertório sertanejo-raiz, destacaram-se os clássicos: ‘Menino da Porteira’, ‘Índia” e ‘ A Velha Porteira’. Até o saboroso ‘Franguinho na Panela’ – que saiu um pouco cru, porque desafinado – foi por todos degustado. Tudo isso fartamente servido à rega de um chimarrão divino, cuja erva-mate foi trazida por amigos do Sul, também presentes naquele doce mafuá.

A festa, que teve início na sexta-feira, com orações, cantoria e lançamento de livro, foi encerrada no domingo. Uma Celebração na nossa varanda, alguns emocionados depoimentos e o almoço selaram aquele ‘tríduo’, que já deixa saudades.

Nem palavras nem imagens podem exprimir a sublimidade desta “Caná”. Talvez apenas a memória de quem viu e viveu momento tão singular possa contemplar esses santos ‘Mistérios Gozosos’.


FILIPE

sexta-feira, 24 de julho de 2015

AO DOM CIPOLLINI

NOTA: Este texto foi encaminhado ao jornal "A Tribuma" de Amparo, edição de hoje.


Prezado Dom Pedro Carlos Cipollini, em diversas ocasiões ocupei este espaço para lhe fazer cobranças, mas nunca para ressaltar os seus muitos acertos à frente da diocese de Amparo. E por outras tantas, dirigi-me ao senhor através de e-mails, às vezes hostis, confesso. Mas no seu silêncio, com certeza, rezava por mim e pelo seu ministério. 

Certa feita, o senhor me convidou para uma conversa. Fui àquele encontro como quem caminha para o “sinédrio”, devo admitir. Aquela não poderia ser uma prosa de compadres. Estávamos em trincheiras opostas e a artilharia prometia ser pesada. Chegando à Cúria, um amável pastor recebeu sua “cabeçuda” ovelha – conforme se referiu a mim em tom amistoso – e conversamos por um tempo relativamente longo, a julgar pelos inúmeros compromissos de um bispo diocesano. Naquela oportunidade, pude me inteirar dos grandes problemas existentes num episcopado, alguns praticamente insolúveis. 

Dentre minhas tantas implicâncias com o senhor, uma era sobre a venda de bebidas alcoólicas nas quermesses. Na ânsia de ver esse problema resolvido, eu apelava para que se decretasse o banimento do nefasto comércio de “pinga” em todos os festejos de nossa diocese. Mas não me dei conta de que a Igreja é Comunidade. Para melhorar a Igreja, é preciso transformar a Comunidade, e isso não se faz via decreto episcopal. Cada um de nós é responsável pela mudança que queremos, e esse desejo há de ser plural ou não se transforma, jamais.Saí daquele encontro tomado de embevecimento, amado bispo. Vi, diante de mim, não um prelado que ocupa um alto posto na burocracia da Igreja Católica, mas um santo pastor. Um homem que reconhece seus limites e tenta acertar. A partir daquele dia, nunca mais lhe mandei e-mails desairosos e muito menos publiquei algo neste semanário que lhe pudesse ser ofensivo.

A vida do senhor tem passado por mudanças profundas. Recentemente, foi eleito para um importante cargo junto à CNBB. Agora, transferido de Amparo, já toma posse na Diocese de Santo André – uma das mais importantes do país em números de fiéis, além de ter uma bela história em defesa da democracia nos inglórios tempos da ditadura militar. A sua responsabilidade, que já era grande, agigantou-se. Nesta nova seara, espero que o senhor continue exortando o clero a adotar em suas práticas a pouco lembrada Doutrina Social da Igreja. Porque a nossa Igreja não pode fazer concessões aos poderosos, que vivem às custas do suor e das lágrimas dos empobrecidos, mas precisa caminhar com o povo, para que o Reino cresça e floresça para todos. 

Dom Pedro Carlos, tenha certeza de que, seguindo os passos do Papa Francisco e à luz do Evangelho, todos os seus esforços serão plenos de êxito. E para tanto, pode contar minhas preces.

OBS: Minha conversa com D. Pedro foi contemplada em postagem intitulada “Armistício”, publicada neste blog. 

FILIPE

sexta-feira, 10 de julho de 2015

MEU AVÔ SEBASTIÃO

NOTA: Este texto está no novo livro de meu pai.


Sebastião Lopes de Lima, conhecido por Bastião Lope, viveu relativamente pouco, pois falecera aos setenta e, aparentemente, com boa saúde. Desses setenta anos de vida, seguramente sessenta foram de trabalho duro, sem férias, folgando apenas aos domingos e olhe lá... Num sábado, véspera de sua morte, trabalhara até à tardezinha roçando um pastinho onde ficava o Queimado, seu cavalo de cela e charrete. Morrera a caminho da igreja, num domingo, onde assistiria a uma missa matinal.

Vovô Sebastião era famoso por ser homem trabalhador, bem-sucedido e “sistemático”. Muita gente se referia a ele com este adjetivo, não sei se em elogio ou crítica. Eu o admirava e até me esforçava para ser como ele: de poucas palavras, pouco riso, quase turrão, mas respeitado. No entanto, não consegui ser nada do que foi meu avô.

Madrugador, penso ser o vovô Sebastião o único homem que nunca fora despertado pelos raios solares. Quando o sol aparecia no horizonte, o vovô já estava a desdenhá-lo no serviço: tocando gado, carreando, ordenhando as vacas ou capinando. A minha avó Luzia, ao se levantar, já encontrava seu café na chaleira sobre a trempe do fogão a lenha, bem quentinho. Vovô foi muito cuidadoso com sua companheira, sempre a tratando com carinho e mimo. Prova disso é a “casa na rua”, que ele comprou para que ela tivesse mais conforto. Minha avó mudou-se para a “rua” com uma filha, enquanto vovô passava a semana no sítio, cuidando de suas vaquinhas, porcos, galinhas e de um moinho d’água. No sábado à tarde, ele marchava para sua casa na cidade, permanecendo por lá o final de semana. Mas, no amanhecer da segunda-feira já regressava à sua fazendinha.  Quando havia a “bateção” de pasto, minha avó vinha para o sítio com ele a fim de cozinhar para a companheirada. Nessa ocasião, uma dezena de camaradas, todos com foice, chegava bem cedinho no terreiro da “fazenda”, recebia as instruções e partia para o serviço. Em poucos dias, a pequena herdade do Bastião Lope estava limpinha de vassourões, erva-canudos e outros matos que não fossem capim-jaraguá e capim-gordura, que alimentavam o gado. Durante aquele serviço, os roçadores folgavam em cantoria do começo ao fim do dia. Enquanto as foices bailavam pra lá e pra cá, eles contavam piadas, faziam chacotas um do outro e cantavam uma espécie de repente denominado “calango-tango”, em que se trocam versos improvisados. Para começar, era comum alguém cantar: “Eh foicinha regateira, tá com esprito da gerarda!”

Cedo, às vezes com a relva ainda molhada pelo orvalho, o vovô já chegava com o almoço. Um enorme cesto era posto à sombra de uma árvore e dele se tiravam incontáveis caldeirões de comida. A boia era farta e rica, o que fazia atrair muitos companheiros para seu serviço. Então, cada caboclo pegava seu caldeirão e fazia a refeição sentado sobre o cabo da foice ou numa “almofada” de mato cortado. Vovô não economizava na carne de porco, torresmo, queijo e ovos. Aliás, o queijo frito, uma de suas especialidades, era a iguaria mais apreciada. De sobremesa, rapadura e queijo.
                             
Eu mesmo cheguei a trabalhar para o vovô, catando café embaixo do cafeeiro. Ele me dava uma daquelas latas de “Gordura de Coco Carioca”, de dois litros, para encher. Para cada lata cheia, eu ganhava uma moeda. Às vezes eu ficava uma tarde inteira para encher uma única lata, e me dava uma preguiça... Certa vez, ele me deu a lata vazia e uma moeda, dizendo: “Companheiro meu trabalha já com o ordenado no bolso”. Talvez desconfiasse de que eu não desse conta do serviço, mas, com pagamento antecipado, eu não poderia me esquivar. Então, fui à luta e enchi rapidinho aquela vasilha com os grãos de café. Noutros tempos, era o galinheiro que deveríamos fechar aos sábados, quando ele ia para Guiricema. Às vezes ia o irmão mais velho, o mais novo ou eu mesmo. Certa vez, vovô recompensou-nos com lindos chapéus de palha coloridos.

Outro presente do vovô Sebastião foi a Princesa, uma bezerrinha branquinha e filha de uma vaquinha amarela de nome Cocada. A Princesa nos deu muita alegria, muitas crias e nenhum coice ou chifrada. Seu leite era disputado, pois diziam ser o mais saboroso da fazendinha. O fato é que a Princesa era diferente mesmo. Seu charme, além da docilidade, eram suas cinco tetas, sendo duas geminadas.

Mas, no dia em que eu completava doze anos, vovô Sebastião faleceu. Eu estava na casa de meus avós maternos, quando uma tia me chamou e disse: “O seu avô Bastião Lope morreu!” Lá havia uma festinha, pois um tio, com quem faço aniversário, sempre me levava para festejar com ele. Mas a nossa festa, que ficou sendo a última, acabou para que fôssemos ao velório de meu avô. E desde então, o meu aniversário tornou-se particularmente um dia triste.


FILIPE

sexta-feira, 26 de junho de 2015

OBSESSÃO

Dólar barato, real supervalorizado e exportações minguadas. Fora, Dilma!
Dólar caro, real desvalorizado e nó nas importações. Fora, Dilma!

Governo desonera produtos de linha branca. Fora, Dilma!
Governo cessa isenção de IPI para automóveis. Fora, Dilma!

Preços de mercadorias disparam. Fora, Dilma!
Gôndolas abarrotadas e mercadores enricados. Fora, Dilma!

Crise hídrica no Nordeste e cheias na Bahia. Fora, Dilma!
Seca no Sudeste e torneiras secas em São Paulo. Fora, Dilma!

Falta professor nas escolas municipais e estaduais. Fora, Dilma!
O aluno não sabe ler e seu professor, escrever. Fora, Dilma!

TCU convoca presidente para explicar suas contas. Fora, Dilma!
TCE paulista aprova contas do governador Alckmin em 90 minutos. Fora, Dilma!

O TCU tem desafetos políticos da presidente. Fora, Dilma!
O TCE paulista é composto por aliados do governador. Fora, Dilma!

Presidente pedala sua bike no Alvorada. Fora, Dilma!
Pedaladas fiscais são praticadas desde FHC. Fora, Dilma!

O HSBC fez acordo para pôr fim às investigações contra seus clientes. Fora, Dilma!
A Operação Zelotes e seus vinte bilhões entram em dormência. Fora Dilma!

A Polícia Federal tem autonomia para investigar petistas. Fora, Dilma!
A Polícia Federal está subordinada ao ministro da Justiça, que é petista. Fora, Dilma!

Lula ganha 300 mil por palestra de uma hora e meia. Fora, Dilma!
FHC cobra 100 mil por palestra. Fora, Dilma!

Aécio dá palestra nos bares de Ipanema por uma dose de uísque. Fora, Dilma!
Zé Serra tenta dar palestra de graça. Fora, Dilma!

O prefeito de Amparo espalha borra asfáltica nos centenários paralelepípedos. Fora, Dilma!
Em Ouro Preto, outro tucano borra as setecentistas ruas de pedras pés de moleque. Fora, Dilma!

Meio milhão na Parada Gay e Marcha das Vadias nas ruas de Sampa. Fora, Dilma!
Imprensa anuncia protestos nas capitais. Fora, Dilma!

O “tucano” Jô Sares entrevista a presidente. Fora, Dilma!
O “petista” Jô Soares se declara anarquista. Fora, Dilma!

Presidente da Odebrecht é preso pela PF. Fora, Dilma!
Odebrecht financiou PT, PSDB e seu dono votou em Aécio. Fora, Dilma!

Eduardo Cunha, rei da oposição, promete shopping de um bilhão. Fora, Dilma!
Congresso aprova aumento nos salários de parlamentares. Fora, Dilma!

Ricos batem panelas Le Creuset de R$ 2.000,00. Fora, Dilma!
Periferia faz marmitaço na laje. Fora, Dilma!

Os ‘companheiros’ renegam princípios fundantes, pondo em xeque conquistas históricas. Fora, Dilma!
Tucano, com ‘síndrome de abstinência’, quer o poder – pelas urnas ou pelas armas. Fora, Dilma!

Bem, amigos... “Veja” no Jornal Nacional... Se liga na Globo, seu bobo. Fora, Dilma!
Fora, a corja de incendiários desaforados! Dilma fica.

FILIPE

sexta-feira, 12 de junho de 2015

BODAS DIAMANTINAS

Papai está indo para os oitenta e cinco; mamãe, recentemente, completou setenta e seis; e em julho próximo, Deus querendo, eles hão de celebrar sessenta anos de casados.  Sessenta anos! Quase não acredito, mas é verdade. Meu Deus, como o tempo passou! Há pouco, bebês brotavam no quarto ao lado e ainda ouço choros cindindo as madrugadas, mas aplacados com o seio materno ou com o paterno mingau de fubá numa mamadeira.

Cena recorrente, aquela: a um tênue gemido se seguia um riscar de fósforos. Papai sempre deixava ao lado da cabeceira de sua cama uma lamparina e uma caixa de fósforos para essas e outras providências. Parece ontem, mas esta memória traz meio século de nossa história. Acesa a lamparina, papai se dirigia à cozinha para preparar, quando não o dito mingau de fubá – que era o menu principal de sua trezena prole –, um chá de erva-doce para aquele rebento chorão.

Nas minhas conversas com o Velho, costumo dizer: “Pai, nós, que já envelhecemos, sabemos que as coisas não funcionam assim (...)”. De certa forma, essa intimidade etária me deixa orgulhoso. A idade, além da velha e surrada experiência, lega-nos algum glamour.

Papai está animado, parece uma criança esperando ansiosa pelo aniversário, que demora para chegar, e em sua página do “feice”, sempre alude ao evento que se aproxima. Ele não diz, mas sinto sua impaciência e quase leio o que pensa: “Tá demorando muito, não chega nunca...”. Calma, pai, estamos quase lá.

Mamãe é uma incógnita e parece alheia a tudo. Quem a vê, pensa isso, mas se engana. Para compreendê-la, é preciso ser iniciado no assunto. Talvez seja necessário fazer um ‘curso intensivo’ com papai e um pequeno ‘estágio’ com mamãe na casa dela. Somente assim se perceberá sua perspicácia e verá que aquele ‘jeito alienado’ é para enganar trouxas. Uma prova disso? Recentemente, enquanto papai conversava com os ‘amigos e amigas’ do “feice”, mamãe disse apontando o indicador para o seu “Cabeça Branca”: “Sei lá que é aquilo. Ele fica cochichando ali...”. Provocada a usar o computador, defendeu-se enfática: “Ih, sei mexer com aquilo não, menino. Eu, não. Não quero e não vou de jeito nenhum!”

Figura de proa de nossa família, mamãe é destaque no segundo livro de papai, que acaba de ser encaminhado à gráfica. Sob cuidadosa e refinada revisão de meu irmão sacramentino, o livro ostenta na capa a imagem de minha mãe. Em suas páginas, com narrativa digna de um ‘Guimarães Rosa do Rio dos Bagres’, papai descreve várias e instigantes passagens da vida de sua companheira de “Lutas e Vitórias” nessa longa e abençoada jornada.

Diamante vem da palavra grega “adamas”, que significa força e eternidade. E as bodas de meus pais são mesmo de diamante! Mas não poderia ser diferente, pois nestas bodas, como naquela diminuta rocha carbônica, há um misto de simplicidade, beleza, dureza, preciosidade e pureza que, juntas, formam uma singular unidade.

Bodas... Sexagésimas e diamantinas bodas!

FILIPE





sexta-feira, 29 de maio de 2015

IDADE PENAL

Artigo publicado no jornal "A Tribuna" de Amparo  

Tal como o articulista que me antecedeu neste espaço, também não sou candidato a nada, e ainda que candidatasse, com certeza não me elegeria. Escasso de talento e fraco de intelecto, reservo-me à triste alternativa de espectador da história. Embora eu assista atônito a esse turbilhão que nos redemoinha e tonteia, torço para que este planeta seja mais habitável e a humanidade mais sã. Além dessa torcida – que se faz vã, reconheço – acrescento alguns resmungos, igualmente vãos, como os que se seguem.

Desde o século passado, na atividade docente, lido com pessoas nos seus melhores anos: dos doze aos dezessete. É nessa faixa etária que cada um constrói (ou destrói) o mundo em que viverá. Nessa idade, é inevitável alguns arroubos, mas é preciso ter preparo para lidar com a situação, pois o universo do adolescente é meio complicado: cheio de mitos e medos. Natural que vivendo assim, tão assombrosamente, periga fazer besteiras. Devagar, bem devagar com essa moçadinha! Mas o problema não são os eventuais rompantes, que deverão ser refreados com necessárias e bem dosadas energia e ternura. É da natureza do jovem “forçar a cerca”. Ao adulto cabe, portanto, “reforçar essa cerca”, impor fronteiras. A fim corroborar meu ponto de vista, proponho a seguinte situação.

Um jovem, menor de idade, afronta um senhor, discutem e partem para as “vias de fato”, atracando-se. O menor leva vantagem na refrega socando aquele senhor, que procura a Justiça. E eis que surge, sem demora e rugindo com o “ECA nos dentes”, alguém para defender aquele “menino”. Pela lei, o infortunado senhor, caso não prove inocência, será severamente punido. Já o “coitadinho”, liberado por ser “criança” e podendo, inclusive, receber alguma indenização por danos físicos e morais.

Mais: o artigo anteriormente publicado diz que, “em números globais, os crimes praticados por menores representam ‘apenas’ dez por cento do total” (grifo meu). A meu juízo, o suficiente para se repensar a maioridade penal. Acrescento: estatísticas conservadoras apontam em ‘um por cento’ a participação de menores em homicídios no país. Como são mais de 50 mil assassinatos a cada ano, quinhentas dessas pobres almas são “despachadas” por menores.

Embora a campanha pelo rebaixamento da maioridade penal tenha se tornado bandeira da direita tapuia, penso que se deva depurá-la de ideologias fascistas e debatê-la com a seriedade necessária. Quando se propõem penas mais severas a menores infratores, diversamente do que bradam os críticos da medida, não se apenarão crianças. Mas jovens, com dezesseis ou dezessete anos, dotados de discernimento e fisicamente capazes. Alguns deles – imersos na criminalidade – desacatam autoridades, agridem pais e mestres, estupram, matam.  

Por essas, penso ser urgente a reforma da legislação, rebaixando-se a idade penal. Não somente devido aos crimes hediondos, que requerem leis próprias, mas à criminalidade em geral. É ponto pacífico que jovens não podem ser trancafiados com adultos. Então, que se faça a reforma prisional, construindo-se “xadrezes temáticos” para atender às necessidades e “vocações” de cada delinquente, conforme a natureza do delito, faixa etária etc.

Teorizam-se, à exaustão, sobre as circunstâncias do crime, suas motivações e necessidade ou não da reclusão de certos criminosos. Na ausência de respostas efetivas ao problema, defendo o encarceramento, sem trégua, de quaisquer indivíduos que representem risco à sociedade, não importando se “dimaior” ou “dimenor” – com o devido perdão pelo mau vernáculo.

FILIPE   

sexta-feira, 15 de maio de 2015

ABELHUDO


O Velho estava aperreado. “Coinfeito!”, dizia e repetia para mim e para si enquanto examinava a tela de seu computador. Não é bem isso que ele diz quando está bravo, mas é o que sempre entendi ao longo da vida em delicados e perigosos momentos como aquele. No seu vocabulário, “coinfeito” exprime aborrecimento com alguém que fez “arte” e merece apanhar.

Eu chegava do ranchinho, quando me deparei com o Mano Véio na varanda de casa. Havia chegado naquela tarde e já estava no computador do pai, animado e proseador, enquanto páginas eram abertas e fechadas freneticamente. O pai chegou devagar e o espiou à distância, desconfiado, esticando o pescoço para tentar ver algo na tela. Olhava para mim, para o computador, para o Mano, mas não disse palavra.  Quem falou algo foi o Mano, que deu umas explicações ao Velho. Aliás, este irmão gosta de explicar as coisas e costuma ser bem-informado mesmo – justiça lhe seja feita. Mas, parece que desta vez ele falhou.

“Pai, o computador está infectado por um vírus terrível!” “Mas ele tá funcionando comigo...”  “Não, pai. Tem um vírus e vou limpá-lo para o senhor. Aqui, pai, tá vendo?... Vou dar este comando. Aí, vai aparecer aquele ícone, tá vendo? Então, eu vou inserir...  Pronto, inseri. Agora apareceu uma vassourinha, tá vendo? Esta vassourinha é que vai limpar o seu computador”. “É, tô vendo uma coisa ali, mas parece uma trincha.”  “Então, pai, parece trincha, mas é uma vassoura que varre tudo e deixa limpinho e sem vírus. Vou dar enter e é só aguardar uns minutinhos. Agora eu vou sair para o Corgo Preto. Mas é só reiniciar, que vai ficar uma beleza.”
Aqui, um pequeno parêntese: o nome do simpático arraial é Vilas Boas, embora alguns falem Corgo Preto e quase todos nós, Cor Preto.

O tempo passou, o computador não proseava e o pai me pediu socorro. “O que tá acontecendo aqui? O meu “feice” não entra de jeito nenhum!” “Ih, pai, eu não entendo desse negócio de vírus não. Ele é quem sabe, mas vou ver o que aconteceu.” Posicionei-me diante da máquina, ajeitei a cadeira, dei umas estaladas nos dedos e comecei a mexer no teclado. Havia dito que não entendia nada, mas nesse momento cheguei até mesmo a ficar metido, confesso. A modéstia seria apenas motivo para valorizar meus ‘ricos conhecimentos em computação’. Mas, como a mediocridade é mais forte do que a vaidade, não consegui resolver bulhufas. E o computador engasgou de vez, não acessando a tal da net nem por macumba braba.   Arrisquei: “Que tal a explorer?”  Bingo! A explorerfuncionou, mas muito lenta. “Ah, não. Eu quero o GoogleChrome”, reclamava um magoado papai cheio de razão.

É, a tal vassoura do Mano Véio é boa mesmo. Varreu tudo do computador, não deixando nem o “feice” do papai. Desinstalado nessa varrição, o Google Chrome fora para o lixo. E o pai teria que esperar pela sua reinstalação por longo tempo: atravessaria todo o sábado, o domingo inteiro para, somente na segunda-feira, buscar socorro num especialista de verdade. E assim se fez.

Quando pequeno, há muitos e muitos anos, ouvia mamãe gritar com seu primogênito: “Isto é pra você deixar de serabiúdo!” Eu queria saber o significado daquela palavra, mas, por razões óbvias, tinha medo de perguntar à mãe, se é que me entendem. Mas o moleque era mesmo um ‘mexilhão’: mexia em tudo, um abiúdo.

Engana-se, porém, quem pensa que estou aqui a espinafrar o Mano Véio. Da irmandade, é dos mais generosos e foi graças a ele que o pai se tornou um internauta. Providenciou para o Velho um notebook, a conexão com a internet e agora já está ensinando o pai a usar antivírus.

FILIPE

sexta-feira, 1 de maio de 2015

LIRISMO E REALIDADE

LIRISMO: “Tapera de beira de estrada...”, assim começa uma música nesta fria madrugada de primeiro de maio. Enquanto faço estes rabiscos para o blog, ouço, na varanda de meus pais e ao lume trêmulo de uma lamparina, umas músicas de raiz.  A chama da lamparina vai e volta, inclina-se para cá e para lá, parecendo-se curiosa sobre o que escrevo. Mas não, são delírios meus. Essa lamparina evoca “os tempos mais antigos do passado”, quando não tínhamos luz elétrica nem água encanada e morávamos aqui, onde ainda permanecem meus velhos e queridos pais.

A chama está agora verticalmente ereta e parece ter desistido da curiosidade para se concentrar na música de Tonico e Tinoco, que tangem suas cordas no minúsculo aparelho de meu pai. Aqui, neste momento, dois mundos tão díspares se encontram: o da tecnologia digital, do século vinte e um, e o da novecentista lamparina a querosene. De permeio, este intruso que divaga.

Recordo o passado embalado pelos cantadores de alma pura, acompanhado do chimarrão, de um livro de preces e de um “Andrea Del Fuego”. Escrevo o texto num  papel de pizza – mais tarde, plasmado na tela, percorrerá o continente e cruzará o Atlântico para buscar abrigo no “feldades”, já em terras de Camões.

A alegria de estar aqui transcende a tempo e espaço, e o que é transcendente não se descreve: contempla-se, apenas. E eu continuo aqui, meio desequilibrado com o que aprecio. Ao longe, um galo também se encanta.

REALIDADE: Mas a realidade me fere e me desperta. Lá bem distante, nas bandeirantes terras de São Paulo, o estado mais rico da nação, muitos professores estão em greve. Nas escolas faltam de tudo: carteiras, cortinas, vidraças, água, vagas para alunos e, incrível: pratos e talheres. Há casos de escolas em que se usam pratos e talheres de plásticos, sem reposição ou troca, há mais de quinze anos. São utensilhos cheios de ranhuras, um abrigo para colônias de fungos e bactérias, um atentado à saúde. E o pior: alunos e professores convivem com essa precariedade, típica de um país subsaariano, como se fosse normal. É normal que o estado de São Paulo, com um terço da riqueza da Nação, ofereça escolas tão precárias?

Desculpe-me a quebra de lirismo, mas não me contive. Se quiser saber mais sobre o estado crítico em que nos encontramos, acesse um texto recém publicado em minha página do “feice” sob o título: "Por que lutamos?"

Termino este, desconfiado de que meu tempo por aqui esteja expirando. Minha mãe sempre nos disse que “tudo tem conta, peso e medida”.


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