Ele chegou leve, suave, como uma
brisa. E com essa mesma leveza, permaneceu conosco por algumas horas. Veio para
ouvir. Poucas são as pessoas com essa disposição e este irmão parece ter
nascido para isto: dar atenção, escutar. Com certeza ele tem suas aflições, mas
as retém consigo, sem que alguém lhe ofereça ao menos uma orelha para que fale.
Encontrei-me com ele de manhã, amável
como sempre. Levei-o à minha escola e depois o conduzi até a casa. E me pareceu
que sua única curiosidade seria a de conhecer o ranchinho, onde costumo me
esconder para rabiscar minhas inquietações – como “Minhas Manhãs”, recentemente
postada neste blog. Mas pareceu-me decepcionado com a aceroleira. Talvez a
imaginasse grande e frondosa, mas o que se viu não passa de um arbusto. O
suficiente, no entanto, para compor um retalho de natureza em estado
bruto, com tronco, musgos, folhagens e asas. É essa paisagem que desanuvia as retinas e
embala os delírios deste cronista insípido. Conheceu também a matilha da casa: a curiosa Pituka, o rabugento Tokinho e o
desconfiado Tiziu. Ainda que não demonstrasse intimidade, não denotou repulsa
aos cães. Já está bom.
Minimalista na mesa, seu prato
daria para alimentar, com sobra, um recém-nascido. Com tão pouco rango, pensei:
talvez as orações lhe completem a refeição. “Meu bucho é pequeno. Como pouco,
mas gosto de comer sempre”, diz para pôr fim a eventuais insistências dos
anfitriões. Com isso, explica que gosta de “beliscar”. Talvez, nesse aspecto, seja
o único que tenha puxado a mãe. Mamãe come pouquinho durante as refeições, mas,
na surdina, sempre dá suas “beliscadas”. Contudo ainda não pude flagrá-lo em furtivas
mastigadas. Ao sair, quis fazer-lhe um lanche para a viagem, e ele me orientou:
“Pega um pãozinho de sal (pão francês), abre e bota uns ‘trenzinhos’ dentro,
que ele fica que nem um embornalzinho, fechadinho”.
Da irmandade, é o mais sábio e
também o mais econômico na prosa. Caso esteja numa rodinha em que se discuta
algo, permanece atento e em silêncio. Não se lhe despertando interesse,
retira-se à francesa. Instado a dar opinião, diz poucas e acertadas palavras.
Culto, grande conhecedor de
teologia, não se mete a responder perguntas sobre algo que julga não dominar.
“Ih, menino, sei falar sobre esse ‘trem’ não. Isso é assunto pra quem estudou.”
Nas reuniões da Congregação, da qual é superior-geral, se instado a dar
palpite, costuma dizer aos conselheiros: “Vamos debater a questão para decidir.
Estou aqui para ouvir quem entende e aprender, porque sou apenas um ‘cura de
aldeia’. Até pouco tempo, eu era capinadô
de roça lá em Guiricema!”
Diferentemente de mim, não
acumula nada. O que não está usando, passa para outros; se não vai ler o jornal
velho, descarta; a roupa tá apertada, manda pra frente – outro usa. Dessa
forma, seu guarda-roupa é enxuto, sua estante está sempre arrumadinha, a gaveta
organizada. Nada semelhante a esta mesa sobre a qual me apoio – repleta de
livros, jornais, sacolas com coisas..., uma bagunça! Aprendi que nossa cabeça tem
a forma da mesa, do guarda-roupa ou da pia. Se está organizada, a mente também;
se está bagunçada, melhor buscar tratamento. (...?!)
O Sacramentino, mais do que
líder, é um “oráculo” da Congregação e também da família. Percorre milhares de
milhas para debelar perrengues entre confrades ou rusgas entre membros de seu
clã. Em breve, singrará o Atlântico e aportará na África. Assim, este incansável
missionário segue firme no seu pastoreio. Peregrinando por terras e mares, leva
a estes e a ultramarinos povos um pouco de alegria e de paz.
FILIPE