“Eu sou o semeador
Vou semeando a Palavra do Senhor”
Vou semeando a Palavra do Senhor”
A estrofe acima é de “O
Semeador”, uma das inúmeras composições de Luiz Gonzaga de Souza, o Luizinho
Cristiano, que nos deixou recentemente.
Luizinho foi um importante
personagem na minha história, quando da passagem da infância para adolescência.
Naquele tempo, em Vilas Boas, distrito da pequena e amável Guiricema, meu pai
liderou um movimento de evangelização promovendo umas tais “reuniões de equipe”.
O nosso grupo era formado pelos moradores do “Córrego dos Lopes” e se estendia
para além do tal “córrego”, alcançando o “Cabo Frio”, no alto da montanha, onde
morava meu tio-avô Sebastião de Moura. Às vezes íamos até a “Lambança”, comunidade
onde morava a família Soriano. Nossos encontros eram nas noites de quinta-feira
ou nas tardes de domingo, quando se reuniam dezenas de pessoas para orações,
leitura do Evangelho, café com broa e muita música. O Luizinho, com seu violão,
era o principal animador. Havia outros músicos, mas este nosso amigo era especial,
uma espécie de maestro, o mestre do canto e das cordas.
O violão do Luizinho era quase
artesanal, tinha cavilhas de madeira e cordas emendadas. Era comum vê-lo
afinando-o ao intervalo de poucas músicas, pois as tais cavilhas não sustentavam
a corda na tração necessária e o “bicho” desafinava em meio a uma dedilhada. Generoso,
não tinha ciúmes de seu instrumento e o deixava conosco para que pudéssemos brincar
à vontade. Ah, mas será que era por isso que as cordas se arrebentavam?...
Como naqueles longínquos anos
setenta não tínhamos rádio, o Luizinho era a nossa única fonte musical. Dele,
ouvíamos, além das canções do padre Zezinho, músicas do cancioneiro popular
como a Jovem Guarda e as sertanejas de raiz. Através dele, conheci Jacó e
Jacozinho, Tonico e Tinoco, Zé Fortuna, João Pacífico, Teddy Vieira etc. Sempre
após as rezas, quando as mulheres e crianças iam se dispersando, nós, a
molecadinha mais graúda, ficávamos para trás a fim de ouvir o seresteiro. Pedíamos:
“Canta esta...”, cantava. “Canta aquela assim: ‘lá-rá-lá-rá’”, cantava também.
E assim, o nosso menestrel ia até altas horas. Incrível, ele sabia de cor
centenas, senão milhares de canções. Ouvindo apenas uma vez, já memorizava para
sempre. Dominava também um vasto repertório de piadas, charadas e muito mais. O
Luizinho era um artista do povo e por onde passava, semeava sua alegria
cantando, tocando e contando piada.
Ah, mas não era mole a vida na
ditadura! O governo militar, com seu ‘milagre econômico’, não foi nada
milagroso para o povo da roça. Escassez e carestia era nosso cardápio e para o amigo
Luizinho as coisas não foram melhores. Recém-casado e com dificuldades, papai
chegou a socorrê-lo com uma pequena lata de gordura de porco, pois não tinha
como temperar a comida.
Embora sem ter estudado música, Luizinho
era um virtuose. Homem de raro talento, tentou de tudo na vida. Foi lavrador, padeiro,
marceneiro, mas nunca viveu de sua arte. Ultimamente, andava preocupado com uma
cirurgia que faria e tentava se aposentar. Partiu, aos sessenta e cinco, deixando
silêncio, saudade e uma exuberante sementeira.
Vai, Luizinho, canta para os
anjos e continua a semeadura. E não esqueças do teu violão!
NOTA: Na seção “comentários”, pus a letra da música que celebriza o
nosso ‘semeador’ e que marcou uma geração de camponeses guiricemenses.
FILIPE
O SEMEADOR, A CANÇÃO
ResponderExcluirUm homem saiu a semear
Uma parte da semente semeada
Caiu à beira do caminho
E pelas aves do céu foi devorada
Eu sou o semeador
Vou semeando a palavra do senhor
Outra parte caiu no pedregulho
Não deu raiz, veio o sol ela secou
Outra parte caiu entre os espinhos
E os espinhos a semente sufocou
Eu sou o semeador...
Outra parte caiu em terra boa
Esta não teve impedimento nenhum
Ela brotou, cresceu e produziu
Frutos a trinta, a sessenta e cem por um
Eu sou o semeador...
Sou mineira de Conselheiro Pena e esta música faz parte da minha história, pois sempre era (creio que até hoje) cantada nas missas. Gostei muito de conhecer a história do autor.
ResponderExcluirLuizinho Cristiano, para nós que convivemos com ele.
ResponderExcluirDepois de muitas lutas por aqui, em sua terra natal, pai de três filhas maravilhosas, resolveu tentar a vida em outras cidades.
Parece-me que ele acertou sua carreira de marceneiro na bela cidade de Juiz de Fora.
Não sei quantos anos já estava vivendo por lá; mas parece que acertou com sua escolha. Ali, pode dar uma melhor formação para as suas filhas. (Posso dizer que não as conheço,mas sei que são excelentes pessoas).
Depois de vários anos sem saber por onde andava, descobri-o por meio do 'facebook', ostentando o nome de LUIZ SOUZA. Fomos amigos de jornada do MOBON (Movimento de Boa Nova). O interessante, é, aniversariarmos no mesmo dia do mesmo mês, só que em anos diferentes. Eu nasci em 1930 e ele em 1950. Exatos 20 anos de diferença. (É muita coincidência!)
À ilustre esposa, hoje viúva de Luiz Souza, bem como suas três filhas, deixo aqui os meus sentimentos motivados pe la ausência daquele que era um exemplar esposo e amável pai.
Guiricema, 1 José Lopes de Lima. 9 de dezembro de 2015.
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ExcluirJosé, suas palavras nos confortam, porque reiteram o quanto meu saudoso pai era querido. Ele viveu pouco, mas viveu bem, sempre rodeado de amigos sinceros e bons companheiros de jornada!
ExcluirLinda homenagem...
ResponderExcluirFilipe, nem tenho como agradecer tamanho carinho e delicadeza! Estou emocionada e profundamente tocada com a sua homenagem. Este período do ano será difícil pra nós, o meu pai amava o Natal e as confraternizações de fim de ano. Muitíssimo obrigada pelo gesto de amizade e empatia. Grande abraço!
ResponderExcluirLinda homenagem!
ResponderExcluirLendo este texto eu revivi minha infância, relembrei as inúmeras vezes em que acompanhei meu pai nas celebrações e nas "rezas" nas quais ele sempre fez questão de tocar. Nós íamos à noite iluminados pela luz da lua, meu pai ia, na maioria das vezes, tocando violão enquanto a criançada cantava as canções de igreja e músicas populares.
Certamente será difícil administrar o vazio que a ausência do meu pai trará neste fim de ano, como tem sido neste primeiro mês sem ele.
Homenagens como esta nos dão muita alegria, pois a cada dia nos surpreendemos mais e mais ao ver o legado que meu pai deixou, e quanto ele foi e é querido por tantos.
Obrigada.
Linda homenagem Felipe! Meu pai foi mesmo muito amado! Uma pessoa tão alegre,não merecia ter partido da forma que partiu,com tanto sofrimento. Uma pessoa que adorava cantar e contar piadas,nos seus últimos dias de vida não conseguia nem falar. Mas ele pode sentir todo o amor e carinho,dos amigos que ele cultivou no decorrer da sua vida. Sei que ele de onde estiver está muito feliz! Obrigada pelo carinho!
ResponderExcluirDesculpe,é Filipe! ��
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ExcluirFilipe, você tem o áudio dessa canção, "O Semeador"?
ResponderExcluirAgora mesmo estava me lembrando e 'arranhando' no violão outra linda música do Luizinho Cristiano em homenagem a Nossa Senhora: "A uma Virgem de Nazaré". Minha irmã, Maria Marta, disse que ele a compôs na casa do Tatão Paulino. Minha irmã estava por ali, certamente por ocasião da reunião de equipe de reflexão, e o Luizinho pegou o papel, o lápis... E lá estava a letra. Na mesma hora colocou melodia naquele belíssimo poema. E pronto... Era mesmo um artista. Um abraço solidário à esposa e aos filhos.
ResponderExcluirObrigada, Aureliano! Acabo de transmitir sua saudação à minha mãe. Gostaria muito de reunir esses áudios das canções que meu pai compôs. Muitas das quais nem temos conhecimento.
ExcluirCida, como tenho acessado o blog do Filipe no endereço 'feldades', lá deixei um comentário feito há mais dias. Há lá também um comentário do meu irmão Gabriel. Veja lá se vale a pena. Um abraço forte, pedindo que 2016 seja alvissareiro.
ExcluirAlguem ai tem o audio desse hino? se tiver poderia enviar-me?
ResponderExcluirAqui está o vídeo:
Excluirhttps://www.facebook.com/felipe.mouralima.90/videos/464477317092177/