sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O SEMEADOR

“Eu sou o semeador
Vou semeando a Palavra do Senhor”

A estrofe acima é de “O Semeador”, uma das inúmeras composições de Luiz Gonzaga de Souza, o Luizinho Cristiano, que nos deixou recentemente.

Luizinho foi um importante personagem na minha história, quando da passagem da infância para adolescência. Naquele tempo, em Vilas Boas, distrito da pequena e amável Guiricema, meu pai liderou um movimento de evangelização promovendo umas tais “reuniões de equipe”. O nosso grupo era formado pelos moradores do “Córrego dos Lopes” e se estendia para além do tal “córrego”, alcançando o “Cabo Frio”, no alto da montanha, onde morava meu tio-avô Sebastião de Moura. Às vezes íamos até a “Lambança”, comunidade onde morava a família Soriano. Nossos encontros eram nas noites de quinta-feira ou nas tardes de domingo, quando se reuniam dezenas de pessoas para orações, leitura do Evangelho, café com broa e muita música. O Luizinho, com seu violão, era o principal animador. Havia outros músicos, mas este nosso amigo era especial, uma espécie de maestro, o mestre do canto e das cordas.

O violão do Luizinho era quase artesanal, tinha cavilhas de madeira e cordas emendadas. Era comum vê-lo afinando-o ao intervalo de poucas músicas, pois as tais cavilhas não sustentavam a corda na tração necessária e o “bicho” desafinava em meio a uma dedilhada. Generoso, não tinha ciúmes de seu instrumento e o deixava conosco para que pudéssemos brincar à vontade. Ah, mas será que era por isso que as cordas se arrebentavam?...

Como naqueles longínquos anos setenta não tínhamos rádio, o Luizinho era a nossa única fonte musical. Dele, ouvíamos, além das canções do padre Zezinho, músicas do cancioneiro popular como a Jovem Guarda e as sertanejas de raiz. Através dele, conheci Jacó e Jacozinho, Tonico e Tinoco, Zé Fortuna, João Pacífico, Teddy Vieira etc. Sempre após as rezas, quando as mulheres e crianças iam se dispersando, nós, a molecadinha mais graúda, ficávamos para trás a fim de ouvir o seresteiro. Pedíamos: “Canta esta...”, cantava. “Canta aquela assim: ‘lá-rá-lá-rá’”, cantava também. E assim, o nosso menestrel ia até altas horas. Incrível, ele sabia de cor centenas, senão milhares de canções. Ouvindo apenas uma vez, já memorizava para sempre. Dominava também um vasto repertório de piadas, charadas e muito mais. O Luizinho era um artista do povo e por onde passava, semeava sua alegria cantando, tocando e contando piada.

Ah, mas não era mole a vida na ditadura! O governo militar, com seu ‘milagre econômico’, não foi nada milagroso para o povo da roça. Escassez e carestia era nosso cardápio e para o amigo Luizinho as coisas não foram melhores. Recém-casado e com dificuldades, papai chegou a socorrê-lo com uma pequena lata de gordura de porco, pois não tinha como temperar a comida.

Embora sem ter estudado música, Luizinho era um virtuose. Homem de raro talento, tentou de tudo na vida. Foi lavrador, padeiro, marceneiro, mas nunca viveu de sua arte. Ultimamente, andava preocupado com uma cirurgia que faria e tentava se aposentar. Partiu, aos sessenta e cinco, deixando silêncio, saudade e uma exuberante sementeira.

Vai, Luizinho, canta para os anjos e continua a semeadura. E não  esqueças do teu violão!

NOTA: Na seção “comentários”, pus a letra da música que celebriza o nosso ‘semeador’ e que marcou uma geração de camponeses guiricemenses.


FILIPE

17 comentários:

  1. O SEMEADOR, A CANÇÃO

    Um homem saiu a semear
    Uma parte da semente semeada
    Caiu à beira do caminho
    E pelas aves do céu foi devorada

    Eu sou o semeador
    Vou semeando a palavra do senhor

    Outra parte caiu no pedregulho
    Não deu raiz, veio o sol ela secou
    Outra parte caiu entre os espinhos
    E os espinhos a semente sufocou

    Eu sou o semeador...

    Outra parte caiu em terra boa
    Esta não teve impedimento nenhum
    Ela brotou, cresceu e produziu
    Frutos a trinta, a sessenta e cem por um

    Eu sou o semeador...

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  2. Sou mineira de Conselheiro Pena e esta música faz parte da minha história, pois sempre era (creio que até hoje) cantada nas missas. Gostei muito de conhecer a história do autor.

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  3. Luizinho Cristiano, para nós que convivemos com ele.
    Depois de muitas lutas por aqui, em sua terra natal, pai de três filhas maravilhosas, resolveu tentar a vida em outras cidades.
    Parece-me que ele acertou sua carreira de marceneiro na bela cidade de Juiz de Fora.
    Não sei quantos anos já estava vivendo por lá; mas parece que acertou com sua escolha. Ali, pode dar uma melhor formação para as suas filhas. (Posso dizer que não as conheço,mas sei que são excelentes pessoas).
    Depois de vários anos sem saber por onde andava, descobri-o por meio do 'facebook', ostentando o nome de LUIZ SOUZA. Fomos amigos de jornada do MOBON (Movimento de Boa Nova). O interessante, é, aniversariarmos no mesmo dia do mesmo mês, só que em anos diferentes. Eu nasci em 1930 e ele em 1950. Exatos 20 anos de diferença. (É muita coincidência!)
    À ilustre esposa, hoje viúva de Luiz Souza, bem como suas três filhas, deixo aqui os meus sentimentos motivados pe la ausência daquele que era um exemplar esposo e amável pai.
    Guiricema, 1 José Lopes de Lima. 9 de dezembro de 2015.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. José, suas palavras nos confortam, porque reiteram o quanto meu saudoso pai era querido. Ele viveu pouco, mas viveu bem, sempre rodeado de amigos sinceros e bons companheiros de jornada!

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  4. Filipe, nem tenho como agradecer tamanho carinho e delicadeza! Estou emocionada e profundamente tocada com a sua homenagem. Este período do ano será difícil pra nós, o meu pai amava o Natal e as confraternizações de fim de ano. Muitíssimo obrigada pelo gesto de amizade e empatia. Grande abraço!

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  5. Linda homenagem!
    Lendo este texto eu revivi minha infância, relembrei as inúmeras vezes em que acompanhei meu pai nas celebrações e nas "rezas" nas quais ele sempre fez questão de tocar. Nós íamos à noite iluminados pela luz da lua, meu pai ia, na maioria das vezes, tocando violão enquanto a criançada cantava as canções de igreja e músicas populares.
    Certamente será difícil administrar o vazio que a ausência do meu pai trará neste fim de ano, como tem sido neste primeiro mês sem ele.
    Homenagens como esta nos dão muita alegria, pois a cada dia nos surpreendemos mais e mais ao ver o legado que meu pai deixou, e quanto ele foi e é querido por tantos.
    Obrigada.

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  6. Linda homenagem Felipe! Meu pai foi mesmo muito amado! Uma pessoa tão alegre,não merecia ter partido da forma que partiu,com tanto sofrimento. Uma pessoa que adorava cantar e contar piadas,nos seus últimos dias de vida não conseguia nem falar. Mas ele pode sentir todo o amor e carinho,dos amigos que ele cultivou no decorrer da sua vida. Sei que ele de onde estiver está muito feliz! Obrigada pelo carinho!

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  7. Filipe, você tem o áudio dessa canção, "O Semeador"?

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  8. Agora mesmo estava me lembrando e 'arranhando' no violão outra linda música do Luizinho Cristiano em homenagem a Nossa Senhora: "A uma Virgem de Nazaré". Minha irmã, Maria Marta, disse que ele a compôs na casa do Tatão Paulino. Minha irmã estava por ali, certamente por ocasião da reunião de equipe de reflexão, e o Luizinho pegou o papel, o lápis... E lá estava a letra. Na mesma hora colocou melodia naquele belíssimo poema. E pronto... Era mesmo um artista. Um abraço solidário à esposa e aos filhos.

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    1. Obrigada, Aureliano! Acabo de transmitir sua saudação à minha mãe. Gostaria muito de reunir esses áudios das canções que meu pai compôs. Muitas das quais nem temos conhecimento.

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    2. Cida, como tenho acessado o blog do Filipe no endereço 'feldades', lá deixei um comentário feito há mais dias. Há lá também um comentário do meu irmão Gabriel. Veja lá se vale a pena. Um abraço forte, pedindo que 2016 seja alvissareiro.

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  9. Alguem ai tem o audio desse hino? se tiver poderia enviar-me?

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    1. Aqui está o vídeo:

      https://www.facebook.com/felipe.mouralima.90/videos/464477317092177/

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