Estava com saudade de minas
gerais (com minúsculas, porque somos íntimos) e do sotaque daquela gente. Quis
ver Minas com seus mineiros e seus minérios, sem mineradoras. Quis ir lá, quis
olhar para suas montanhas e nutrir-me de toda aquela mineiridade. Quis rever
meus pais.
No ônibus, ao embarcar, já pude
sentir um pouco do que buscava. Umas pessoas conversavam sobre esta e outra viagem
que fariam. “Preciso ir a “Sansdumon” visitar minha afilhada. Faz tempos que
não vou praquês lado”, disse uma. O outro, que não iria a Santos Dumont, dizia
não ver a hora de chegar a “Viscon Ribranco”, onde comeria “franconquiabo” e
angu. Depois, esticaria até a casa de seu compadre, em Coimbra, lá no alto da
serra.
Do terminal do Tietê, em São
Paulo, parti com destino a Visconde do Rio Branco. Estava ansioso por chegar a
Guiricema. Havia tempos que não via meus pais e queria sentir o cheiro de
barro, de mato molhado; queria andar por aqueles pastos e respirar ar puro. Do
meu lado sentou-se um simpático senhor e seu nome é Zezito. Soube ao me
despedir, porque durante a viagem não costumo conversar. A experiência me
ensinou que, se a viagem é longa, o silêncio é o melhor companheiro. Trocas de
impressões são bem-vindas, mas somente ao final do percurso.
Cheguei de manhãzinha no “ninho
paterno” onde papai e mamãe me aguardavam prazenteiros. Ele, como sempre,
animado, sorridente; ela, também alegre e com seu proverbial “Deus te abençoe!”.
Essa é a forma que mamãe encontrou para disfarçar o incômodo, quando não
reconhece quem chega: talvez filho, sobrinho ou, quem sabe, um irmão. “Na
dúvida, é melhor abençoar”, ela deve pensar.
Cheguei eu, depois foram chegando
outros filhos. No dia seguinte, estava reunido o primeiro quinteto da prole. Desde
o Mano Véio, passando pela irmã mais velha, este rabiscador, o Irmãozinho e o Sacramentino.
A parte mais nova da prole, um sexteto, não pode comparecer. Naquele momento
celebrativo, cavoucamos o passado e desenterramos fatos marcantes na história
da família. A irmã mais velha e o Irmãozinho, ambos de fabulosa memória, deram
os detalhes de coisas antigas, das quais eu nem lembrava. O Sacramentino, que
naquele momento se fazia caçula, apenas ouvia e contemplava. Este irmão é assim
mesmo: calado, ouvinte, o mais sábio de todos. Falamos sobre tia Badica, a
turma do Julim Mendonça, Tatão Tibúrcio, Angelina e outros antigos personagens
de nossas histórias, algumas alegres e outras tristes.
Na varanda, enquanto revisitávamos
o passado, o Mano Véio observava de longe. Não sei por que, mas ele parece não
apreciar reminiscências. Passava, às vezes de raspão, e dizia: “Aí, Felipão,
quando se aposenta?”, ou: “Aí, Felipão,
dando muita aula?” Quando ia responder, era tarde. Já estava longe, mexendo
numa revista, na TV ou fazendo outra coisa. O Mano parecia preocupado com uma
aula que daria no dia seguinte para “quarenta diáconos”. “Vou começar com uma pergunta sobre a
diferença entre pastoral e evangelização”, disse isso mais de uma vez. Caso eu
fosse um daqueles diáconos, aprenderia também a semelhança. Não sendo diácono, nem
teólogo e não assistindo àquela aula, ficarei sem saber “qual é a diferença”.
Mas, o motivo da viagem foi a
comemoração dos oitenta e cinco anos de meu pai, que parecia um garoto, de tão
feliz. Passou o dia no “feice” respondendo às centenas de mensagens, que não
paravam de chegar. À tardinha, houve oração, “parabéns pra você” e muito bolo.
Que esta festa se repita e se estenda
a outros lares. Pois a vida não é para ser vivida apenas, mas continuamente celebrada.
FILIPE
Olá meu mano querido!
ResponderExcluirEstou de volta, depois de muita ausência!
Ah, como você com seu inspirado texto me fez estar dentro daquele Salutaris, que já virou Águia Branca, ou coisa semelhante, e observar as várias personagens que vão se abancando por ali, a maioria tipicamente mineiros da nossa querida Zona da Mata.
Todo o povo tem seu valor, hoje quase não consigo dizer que um é melhor do que outro. O que conta, sobretudo, são as impressões positivas que deixam marcadas na nossa história pessoal e familiar... Que dom maravilhoso, esse da memória! Certas palavras, as mesmas que ouvimos milhares de vezes, quando pronunciadas pela nossa gente, com aquela ênfase, com determinado ritmo e acentuação, nos evocam coisas tão recônditas, que às vezes, somente as lágrimas expressam o que retine na alma...
Que inveja não pecaminosa senti ao ler o que aconteceu neste memorável 20 de novembro de 2015. Papai completar 85 anos! Quem diria! E fôlego de menino! Alegre, vibrante, e sobretudo: um coração imensamente grato a Deus pelo dom de viver. Papai nunca precisou disfarçar a vida, esconder-se atrás de um vício, dar um jeito para a vida passar logo! Ele vibra com cada dia, cada mês, cada ano! Em tudo ele diz: Deus seja louvado!
Ó Senhor, concede a nós, degredados e degradados filhos de Eva (e de Adão), aprender a degustar assim a vida, como uma bebida inebriante, gole por gole, até terminar como S. Clara: “Vai em paz minha alma! Aquele que te criou é também quem te salvou! Obrigado, Senhor, por me haverdes criado!”