sexta-feira, 27 de novembro de 2015

NAS GERAIS

Estava com saudade de minas gerais (com minúsculas, porque somos íntimos) e do sotaque daquela gente. Quis ver Minas com seus mineiros e seus minérios, sem mineradoras. Quis ir lá, quis olhar para suas montanhas e nutrir-me de toda aquela mineiridade. Quis rever meus pais.

No ônibus, ao embarcar, já pude sentir um pouco do que buscava. Umas pessoas conversavam sobre esta e outra viagem que fariam. “Preciso ir a “Sansdumon” visitar minha afilhada. Faz tempos que não vou praquês lado”, disse uma. O outro, que não iria a Santos Dumont, dizia não ver a hora de chegar a “Viscon Ribranco”, onde comeria “franconquiabo” e angu. Depois, esticaria até a casa de seu compadre, em Coimbra, lá no alto da serra.

Do terminal do Tietê, em São Paulo, parti com destino a Visconde do Rio Branco. Estava ansioso por chegar a Guiricema. Havia tempos que não via meus pais e queria sentir o cheiro de barro, de mato molhado; queria andar por aqueles pastos e respirar ar puro. Do meu lado sentou-se um simpático senhor e seu nome é Zezito. Soube ao me despedir, porque durante a viagem não costumo conversar. A experiência me ensinou que, se a viagem é longa, o silêncio é o melhor companheiro. Trocas de impressões são bem-vindas, mas somente ao final do percurso.

Cheguei de manhãzinha no “ninho paterno” onde papai e mamãe me aguardavam prazenteiros. Ele, como sempre, animado, sorridente; ela, também alegre e com seu proverbial “Deus te abençoe!”. Essa é a forma que mamãe encontrou para disfarçar o incômodo, quando não reconhece quem chega: talvez filho, sobrinho ou, quem sabe, um irmão. “Na dúvida, é melhor abençoar”, ela deve pensar.

Cheguei eu, depois foram chegando outros filhos. No dia seguinte, estava reunido o primeiro quinteto da prole. Desde o Mano Véio, passando pela irmã mais velha, este rabiscador, o Irmãozinho e o Sacramentino. A parte mais nova da prole, um sexteto, não pode comparecer. Naquele momento celebrativo, cavoucamos o passado e desenterramos fatos marcantes na história da família. A irmã mais velha e o Irmãozinho, ambos de fabulosa memória, deram os detalhes de coisas antigas, das quais eu nem lembrava. O Sacramentino, que naquele momento se fazia caçula, apenas ouvia e contemplava. Este irmão é assim mesmo: calado, ouvinte, o mais sábio de todos. Falamos sobre tia Badica, a turma do Julim Mendonça, Tatão Tibúrcio, Angelina e outros antigos personagens de nossas histórias, algumas alegres e outras tristes.

Na varanda, enquanto revisitávamos o passado, o Mano Véio observava de longe. Não sei por que, mas ele parece não apreciar reminiscências. Passava, às vezes de raspão, e dizia: “Aí, Felipão, quando se aposenta?”,  ou: “Aí, Felipão, dando muita aula?” Quando ia responder, era tarde. Já estava longe, mexendo numa revista, na TV ou fazendo outra coisa. O Mano parecia preocupado com uma aula que daria no dia seguinte para “quarenta diáconos”.  “Vou começar com uma pergunta sobre a diferença entre pastoral e evangelização”, disse isso mais de uma vez. Caso eu fosse um daqueles diáconos, aprenderia também a semelhança. Não sendo diácono, nem teólogo e não assistindo àquela aula, ficarei sem saber “qual é a diferença”.

Mas, o motivo da viagem foi a comemoração dos oitenta e cinco anos de meu pai, que parecia um garoto, de tão feliz. Passou o dia no “feice” respondendo às centenas de mensagens, que não paravam de chegar. À tardinha, houve oração, “parabéns pra você” e muito bolo.

Que esta festa se repita e se estenda a outros lares. Pois a vida não é para ser vivida apenas, mas continuamente celebrada.


FILIPE

Um comentário:

  1. Olá meu mano querido!
    Estou de volta, depois de muita ausência!
    Ah, como você com seu inspirado texto me fez estar dentro daquele Salutaris, que já virou Águia Branca, ou coisa semelhante, e observar as várias personagens que vão se abancando por ali, a maioria tipicamente mineiros da nossa querida Zona da Mata.
    Todo o povo tem seu valor, hoje quase não consigo dizer que um é melhor do que outro. O que conta, sobretudo, são as impressões positivas que deixam marcadas na nossa história pessoal e familiar... Que dom maravilhoso, esse da memória! Certas palavras, as mesmas que ouvimos milhares de vezes, quando pronunciadas pela nossa gente, com aquela ênfase, com determinado ritmo e acentuação, nos evocam coisas tão recônditas, que às vezes, somente as lágrimas expressam o que retine na alma...
    Que inveja não pecaminosa senti ao ler o que aconteceu neste memorável 20 de novembro de 2015. Papai completar 85 anos! Quem diria! E fôlego de menino! Alegre, vibrante, e sobretudo: um coração imensamente grato a Deus pelo dom de viver. Papai nunca precisou disfarçar a vida, esconder-se atrás de um vício, dar um jeito para a vida passar logo! Ele vibra com cada dia, cada mês, cada ano! Em tudo ele diz: Deus seja louvado!
    Ó Senhor, concede a nós, degredados e degradados filhos de Eva (e de Adão), aprender a degustar assim a vida, como uma bebida inebriante, gole por gole, até terminar como S. Clara: “Vai em paz minha alma! Aquele que te criou é também quem te salvou! Obrigado, Senhor, por me haverdes criado!”

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