Artigo publicado no jornal amparense ‘A
Tribuna’.
Caro eremita Vanderlei de Lima, paz e bem!
Num texto recentemente publicado neste jornal, o senhor afirma
inicialmente: ”A moral católica ensina
que, ao contrário de algumas ‘doutrinas errôneas’, é lícito matar alguém em
defesa própria”. O senhor continua: “(...)
é lícito matar quando um agressor ameaça tomar ou destruir bens de grande
valor, não havendo outra maneira de pará-lo”. O senhor vai além: “(...) a legítima defesa é um direito que se
torna grave dever, caso seu descumprimento possa expor o próximo a sérios
perigos, inclusive de vida. Nesse caso, há que se impedir o injusto agressor,
ainda que se recorra às armas, letais ou não”. E o senhor conclui: “Para se cumprir essa nobre missão de
defender a vida de terceiros, há a chamada ‘graça de estado’”.
A “graça de estado” eu desconheço. Talvez seja uma espécie de
salvo-conduto para matar impunemente, penso eu. Mas, com “graça” ou sem
“graça”, confesso que fiquei animado, lendo esse seu ensaio tão estimulador dos
meus instintos nada pacíficos. Há por aí um sem-número de perigosos gangsteres
pondo em risco não a minha vida, mas a de muitos deserdados deste mundo. Todavia,
o temor de me tornar um deserdado no outro mundo, além deste do qual nada
herdei, é que me faz um homem contido, para não dizer acovardado. Porém, deixando
de lado minhas firulas linguísticas, volto a seu texto no intuito de
desenvernizá-lo.
Caro eremita, embora suas asserções sejam baseadas em trechos do
Catecismo e em determinados autores católicos conservadores, elas depõem contra
o Santo Magistério. A Igreja de Cristo, a quem o senhor diz servir num
eremitério, tem como premissa maior a vida, e jamais a morte. Disso dão
testemunho os santos mártires, que abdicaram de sua vida, doando-a. Mas se o
testemunho dos nossos mártires não lhe bastam, detenha-se sobre esta passagem
das Sagradas Escrituras: “Ouvistes o que
foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente!’ Eu, porém, vos digo: Não
enfrenteis quem é malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face
direita, oferece-lhe também a esquerda! Se alguém quiser abrir um processo para
tomar a sua túnica, dá-lhe também o manto!” Não lhe parece bastante
cristalina essa sentença encontrada no evangelho de Mateus?
Posto que movido pela sanha militarista que obscurece e assanha a
nação, o nobre eremita, que me parece refratário aos ensinamentos sagrados,
fica convidado a refletir sobre a luminosa frase de um militar – que não era um
simples “capitão reformado”, mas um respeitado marechal. Nas suas incursões pelo sertão, dizia Cândido
Rondon aos seus comandados: “Morrer se preciso for, matar nunca!”
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