sexta-feira, 29 de maio de 2015

IDADE PENAL

Artigo publicado no jornal "A Tribuna" de Amparo  

Tal como o articulista que me antecedeu neste espaço, também não sou candidato a nada, e ainda que candidatasse, com certeza não me elegeria. Escasso de talento e fraco de intelecto, reservo-me à triste alternativa de espectador da história. Embora eu assista atônito a esse turbilhão que nos redemoinha e tonteia, torço para que este planeta seja mais habitável e a humanidade mais sã. Além dessa torcida – que se faz vã, reconheço – acrescento alguns resmungos, igualmente vãos, como os que se seguem.

Desde o século passado, na atividade docente, lido com pessoas nos seus melhores anos: dos doze aos dezessete. É nessa faixa etária que cada um constrói (ou destrói) o mundo em que viverá. Nessa idade, é inevitável alguns arroubos, mas é preciso ter preparo para lidar com a situação, pois o universo do adolescente é meio complicado: cheio de mitos e medos. Natural que vivendo assim, tão assombrosamente, periga fazer besteiras. Devagar, bem devagar com essa moçadinha! Mas o problema não são os eventuais rompantes, que deverão ser refreados com necessárias e bem dosadas energia e ternura. É da natureza do jovem “forçar a cerca”. Ao adulto cabe, portanto, “reforçar essa cerca”, impor fronteiras. A fim corroborar meu ponto de vista, proponho a seguinte situação.

Um jovem, menor de idade, afronta um senhor, discutem e partem para as “vias de fato”, atracando-se. O menor leva vantagem na refrega socando aquele senhor, que procura a Justiça. E eis que surge, sem demora e rugindo com o “ECA nos dentes”, alguém para defender aquele “menino”. Pela lei, o infortunado senhor, caso não prove inocência, será severamente punido. Já o “coitadinho”, liberado por ser “criança” e podendo, inclusive, receber alguma indenização por danos físicos e morais.

Mais: o artigo anteriormente publicado diz que, “em números globais, os crimes praticados por menores representam ‘apenas’ dez por cento do total” (grifo meu). A meu juízo, o suficiente para se repensar a maioridade penal. Acrescento: estatísticas conservadoras apontam em ‘um por cento’ a participação de menores em homicídios no país. Como são mais de 50 mil assassinatos a cada ano, quinhentas dessas pobres almas são “despachadas” por menores.

Embora a campanha pelo rebaixamento da maioridade penal tenha se tornado bandeira da direita tapuia, penso que se deva depurá-la de ideologias fascistas e debatê-la com a seriedade necessária. Quando se propõem penas mais severas a menores infratores, diversamente do que bradam os críticos da medida, não se apenarão crianças. Mas jovens, com dezesseis ou dezessete anos, dotados de discernimento e fisicamente capazes. Alguns deles – imersos na criminalidade – desacatam autoridades, agridem pais e mestres, estupram, matam.  

Por essas, penso ser urgente a reforma da legislação, rebaixando-se a idade penal. Não somente devido aos crimes hediondos, que requerem leis próprias, mas à criminalidade em geral. É ponto pacífico que jovens não podem ser trancafiados com adultos. Então, que se faça a reforma prisional, construindo-se “xadrezes temáticos” para atender às necessidades e “vocações” de cada delinquente, conforme a natureza do delito, faixa etária etc.

Teorizam-se, à exaustão, sobre as circunstâncias do crime, suas motivações e necessidade ou não da reclusão de certos criminosos. Na ausência de respostas efetivas ao problema, defendo o encarceramento, sem trégua, de quaisquer indivíduos que representem risco à sociedade, não importando se “dimaior” ou “dimenor” – com o devido perdão pelo mau vernáculo.

FILIPE   

sexta-feira, 15 de maio de 2015

ABELHUDO


O Velho estava aperreado. “Coinfeito!”, dizia e repetia para mim e para si enquanto examinava a tela de seu computador. Não é bem isso que ele diz quando está bravo, mas é o que sempre entendi ao longo da vida em delicados e perigosos momentos como aquele. No seu vocabulário, “coinfeito” exprime aborrecimento com alguém que fez “arte” e merece apanhar.

Eu chegava do ranchinho, quando me deparei com o Mano Véio na varanda de casa. Havia chegado naquela tarde e já estava no computador do pai, animado e proseador, enquanto páginas eram abertas e fechadas freneticamente. O pai chegou devagar e o espiou à distância, desconfiado, esticando o pescoço para tentar ver algo na tela. Olhava para mim, para o computador, para o Mano, mas não disse palavra.  Quem falou algo foi o Mano, que deu umas explicações ao Velho. Aliás, este irmão gosta de explicar as coisas e costuma ser bem-informado mesmo – justiça lhe seja feita. Mas, parece que desta vez ele falhou.

“Pai, o computador está infectado por um vírus terrível!” “Mas ele tá funcionando comigo...”  “Não, pai. Tem um vírus e vou limpá-lo para o senhor. Aqui, pai, tá vendo?... Vou dar este comando. Aí, vai aparecer aquele ícone, tá vendo? Então, eu vou inserir...  Pronto, inseri. Agora apareceu uma vassourinha, tá vendo? Esta vassourinha é que vai limpar o seu computador”. “É, tô vendo uma coisa ali, mas parece uma trincha.”  “Então, pai, parece trincha, mas é uma vassoura que varre tudo e deixa limpinho e sem vírus. Vou dar enter e é só aguardar uns minutinhos. Agora eu vou sair para o Corgo Preto. Mas é só reiniciar, que vai ficar uma beleza.”
Aqui, um pequeno parêntese: o nome do simpático arraial é Vilas Boas, embora alguns falem Corgo Preto e quase todos nós, Cor Preto.

O tempo passou, o computador não proseava e o pai me pediu socorro. “O que tá acontecendo aqui? O meu “feice” não entra de jeito nenhum!” “Ih, pai, eu não entendo desse negócio de vírus não. Ele é quem sabe, mas vou ver o que aconteceu.” Posicionei-me diante da máquina, ajeitei a cadeira, dei umas estaladas nos dedos e comecei a mexer no teclado. Havia dito que não entendia nada, mas nesse momento cheguei até mesmo a ficar metido, confesso. A modéstia seria apenas motivo para valorizar meus ‘ricos conhecimentos em computação’. Mas, como a mediocridade é mais forte do que a vaidade, não consegui resolver bulhufas. E o computador engasgou de vez, não acessando a tal da net nem por macumba braba.   Arrisquei: “Que tal a explorer?”  Bingo! A explorerfuncionou, mas muito lenta. “Ah, não. Eu quero o GoogleChrome”, reclamava um magoado papai cheio de razão.

É, a tal vassoura do Mano Véio é boa mesmo. Varreu tudo do computador, não deixando nem o “feice” do papai. Desinstalado nessa varrição, o Google Chrome fora para o lixo. E o pai teria que esperar pela sua reinstalação por longo tempo: atravessaria todo o sábado, o domingo inteiro para, somente na segunda-feira, buscar socorro num especialista de verdade. E assim se fez.

Quando pequeno, há muitos e muitos anos, ouvia mamãe gritar com seu primogênito: “Isto é pra você deixar de serabiúdo!” Eu queria saber o significado daquela palavra, mas, por razões óbvias, tinha medo de perguntar à mãe, se é que me entendem. Mas o moleque era mesmo um ‘mexilhão’: mexia em tudo, um abiúdo.

Engana-se, porém, quem pensa que estou aqui a espinafrar o Mano Véio. Da irmandade, é dos mais generosos e foi graças a ele que o pai se tornou um internauta. Providenciou para o Velho um notebook, a conexão com a internet e agora já está ensinando o pai a usar antivírus.

FILIPE

sexta-feira, 1 de maio de 2015

LIRISMO E REALIDADE

LIRISMO: “Tapera de beira de estrada...”, assim começa uma música nesta fria madrugada de primeiro de maio. Enquanto faço estes rabiscos para o blog, ouço, na varanda de meus pais e ao lume trêmulo de uma lamparina, umas músicas de raiz.  A chama da lamparina vai e volta, inclina-se para cá e para lá, parecendo-se curiosa sobre o que escrevo. Mas não, são delírios meus. Essa lamparina evoca “os tempos mais antigos do passado”, quando não tínhamos luz elétrica nem água encanada e morávamos aqui, onde ainda permanecem meus velhos e queridos pais.

A chama está agora verticalmente ereta e parece ter desistido da curiosidade para se concentrar na música de Tonico e Tinoco, que tangem suas cordas no minúsculo aparelho de meu pai. Aqui, neste momento, dois mundos tão díspares se encontram: o da tecnologia digital, do século vinte e um, e o da novecentista lamparina a querosene. De permeio, este intruso que divaga.

Recordo o passado embalado pelos cantadores de alma pura, acompanhado do chimarrão, de um livro de preces e de um “Andrea Del Fuego”. Escrevo o texto num  papel de pizza – mais tarde, plasmado na tela, percorrerá o continente e cruzará o Atlântico para buscar abrigo no “feldades”, já em terras de Camões.

A alegria de estar aqui transcende a tempo e espaço, e o que é transcendente não se descreve: contempla-se, apenas. E eu continuo aqui, meio desequilibrado com o que aprecio. Ao longe, um galo também se encanta.

REALIDADE: Mas a realidade me fere e me desperta. Lá bem distante, nas bandeirantes terras de São Paulo, o estado mais rico da nação, muitos professores estão em greve. Nas escolas faltam de tudo: carteiras, cortinas, vidraças, água, vagas para alunos e, incrível: pratos e talheres. Há casos de escolas em que se usam pratos e talheres de plásticos, sem reposição ou troca, há mais de quinze anos. São utensilhos cheios de ranhuras, um abrigo para colônias de fungos e bactérias, um atentado à saúde. E o pior: alunos e professores convivem com essa precariedade, típica de um país subsaariano, como se fosse normal. É normal que o estado de São Paulo, com um terço da riqueza da Nação, ofereça escolas tão precárias?

Desculpe-me a quebra de lirismo, mas não me contive. Se quiser saber mais sobre o estado crítico em que nos encontramos, acesse um texto recém publicado em minha página do “feice” sob o título: "Por que lutamos?"

Termino este, desconfiado de que meu tempo por aqui esteja expirando. Minha mãe sempre nos disse que “tudo tem conta, peso e medida”.


FILIPE