sexta-feira, 15 de maio de 2015

ABELHUDO


O Velho estava aperreado. “Coinfeito!”, dizia e repetia para mim e para si enquanto examinava a tela de seu computador. Não é bem isso que ele diz quando está bravo, mas é o que sempre entendi ao longo da vida em delicados e perigosos momentos como aquele. No seu vocabulário, “coinfeito” exprime aborrecimento com alguém que fez “arte” e merece apanhar.

Eu chegava do ranchinho, quando me deparei com o Mano Véio na varanda de casa. Havia chegado naquela tarde e já estava no computador do pai, animado e proseador, enquanto páginas eram abertas e fechadas freneticamente. O pai chegou devagar e o espiou à distância, desconfiado, esticando o pescoço para tentar ver algo na tela. Olhava para mim, para o computador, para o Mano, mas não disse palavra.  Quem falou algo foi o Mano, que deu umas explicações ao Velho. Aliás, este irmão gosta de explicar as coisas e costuma ser bem-informado mesmo – justiça lhe seja feita. Mas, parece que desta vez ele falhou.

“Pai, o computador está infectado por um vírus terrível!” “Mas ele tá funcionando comigo...”  “Não, pai. Tem um vírus e vou limpá-lo para o senhor. Aqui, pai, tá vendo?... Vou dar este comando. Aí, vai aparecer aquele ícone, tá vendo? Então, eu vou inserir...  Pronto, inseri. Agora apareceu uma vassourinha, tá vendo? Esta vassourinha é que vai limpar o seu computador”. “É, tô vendo uma coisa ali, mas parece uma trincha.”  “Então, pai, parece trincha, mas é uma vassoura que varre tudo e deixa limpinho e sem vírus. Vou dar enter e é só aguardar uns minutinhos. Agora eu vou sair para o Corgo Preto. Mas é só reiniciar, que vai ficar uma beleza.”
Aqui, um pequeno parêntese: o nome do simpático arraial é Vilas Boas, embora alguns falem Corgo Preto e quase todos nós, Cor Preto.

O tempo passou, o computador não proseava e o pai me pediu socorro. “O que tá acontecendo aqui? O meu “feice” não entra de jeito nenhum!” “Ih, pai, eu não entendo desse negócio de vírus não. Ele é quem sabe, mas vou ver o que aconteceu.” Posicionei-me diante da máquina, ajeitei a cadeira, dei umas estaladas nos dedos e comecei a mexer no teclado. Havia dito que não entendia nada, mas nesse momento cheguei até mesmo a ficar metido, confesso. A modéstia seria apenas motivo para valorizar meus ‘ricos conhecimentos em computação’. Mas, como a mediocridade é mais forte do que a vaidade, não consegui resolver bulhufas. E o computador engasgou de vez, não acessando a tal da net nem por macumba braba.   Arrisquei: “Que tal a explorer?”  Bingo! A explorerfuncionou, mas muito lenta. “Ah, não. Eu quero o GoogleChrome”, reclamava um magoado papai cheio de razão.

É, a tal vassoura do Mano Véio é boa mesmo. Varreu tudo do computador, não deixando nem o “feice” do papai. Desinstalado nessa varrição, o Google Chrome fora para o lixo. E o pai teria que esperar pela sua reinstalação por longo tempo: atravessaria todo o sábado, o domingo inteiro para, somente na segunda-feira, buscar socorro num especialista de verdade. E assim se fez.

Quando pequeno, há muitos e muitos anos, ouvia mamãe gritar com seu primogênito: “Isto é pra você deixar de serabiúdo!” Eu queria saber o significado daquela palavra, mas, por razões óbvias, tinha medo de perguntar à mãe, se é que me entendem. Mas o moleque era mesmo um ‘mexilhão’: mexia em tudo, um abiúdo.

Engana-se, porém, quem pensa que estou aqui a espinafrar o Mano Véio. Da irmandade, é dos mais generosos e foi graças a ele que o pai se tornou um internauta. Providenciou para o Velho um notebook, a conexão com a internet e agora já está ensinando o pai a usar antivírus.

FILIPE

3 comentários:

  1. gostei muito de texto muito bem escrito!!! kkk

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  2. José Lopes, pelo "feice".

    O Felipe, com seu Blog, vai atrás de nossas falhas para dar vida aos seus comentários. E isso é louvável, mas voltando ao assunto do "ABELHUDO", achei foi engraçado. Tenho muito a agradecer aos meus filhos, que muito me ajudam em minha caminhada durante a longa vida que Deus está me concedendo e esse ‘viver bastante’ tem servido de alegria para eles. Agora, vem à tona o caso do computador. Anchieta, para vasculhar os seus "e-mails", achou que o computador estava lento. Depois de suas andanças pelo computador, cismou de passá-lo para o "explorer", dizendo que assim ficaria mais rápido. Acontece que se deu mal, motivando a minha reclamação. Não posso denunciá-lo, pois ele é tão generoso. Só que ele modificou a configuração e deu errado.

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    1. Não, pai, eu não vou atrás de falhas. Até porque, quem mais falha sou eu.
      O Mano Véio deve estar bravo, mas eu não poderia deixar passar em branco a história do "Abelhudo". Aliás, este irmão, que é muito amado por todos nós, é um personagem pronto. Quem o conhece pode confirmar.

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