sexta-feira, 19 de abril de 2013

"D"

 O “d” da dor                                                                              
 da dúvida que dardeja
 danação que se desenha
 num desditoso devir

do destino destraçado
de deuses desventurados
em destroços desmembrados
deidades a derruir

do dedo que debulha
que divide, dilacera
debilita, degenera
em dolente delir


O “d” da dor
da dúvida demorada
danação desassombrada
no derradeiro devir

FILIPE


sexta-feira, 5 de abril de 2013

MANO VÉIO


Aquele menino acaba de completar 55 anos. Ainda ontem, estava ele na casa dos pais ajudando na labuta para sustentar uma prole já grande e ainda crescente. Mal acabara de completar onze anos e o curso primário, já assumiria o posto de braço direito da família na lida com a lavoura. Todos os dias, exceto domingo, levantava-se bem cedo, lavava o rosto, tomava uma xícara de café, enchia uma moringa com água, pegava seu cacumbu (enxada velha e mal encabada) e rumava para o roçado. Eu deveria acompanhá-lo, mas, como sempre malemolente, chegava atrasado. Fato que me rendeu fartas e sonoras repreensões. E hoje, aqueles longínquos tempos que a memória traz de volta percorrendo um atalho – esses misteriosos cosmológicos “buracos de minhoca” de nossa mente – tomam-me de assalto.

O menino, já rapazinho, foi para a cidade grande, passando-me o cajado da responsabilidade rural que nunca consegui segurar com firmeza, para tristeza de papai e prejuízo de todos. Da metrópole, ele traria uma brisa civilizatória para nosso rincão; e as cartas começaram a chegar. Primeiramente, falando da nova rotina, dos amigos e mestres; depois, do aperto nos estudos e, de vez em quando, um enorme boletim escolar vinha para papai assinar. A exceção do Latim, suas notas eram boas, ótimas, fruto de grande esforço. Porém, como sempre, a alegria nunca abandona sua irmã tristeza. Em certas cartas passaram a vir cobranças do senhor reitor. Seria preciso pagar determinada anuidade, e essa importância se avolumava gradativamente. Por fim, a doce expectativa de receber a cartinha do irmão distante  foi se transmudando em apreensão. Mas, felizmente, tudo se resolveu.

Fato marcante daqueles tempos eram as férias. Em julho e em dezembro, o menino, então já rapazinho, era por todos alegremente aguardado. Uma jubilosa explosão ressoava pelos vales quando a irmã mais velha anunciava. “Ele está chegando!” Era só, e o suficiente. Crianças, debandávamos ao encontro do primogênito como que esvoaçando pelos trilhos nos pastos em doce algaravia. Enquanto isso, os miudinhos, que mal engatinhavam, permaneciam no terreiro de casa com a irmã mais velha.  Chegando, uma enorme mala, pesadíssima, era posta no chão da sala. Aberta a mala, começava o melhor da festa. Eram tantos os presentinhos, umas quinquilharias, cada qual mais interessante: um jogo de damas, um jogo de memória, chaveirinhos, baralhos, livrinhos, casacos e muito mais - coisas que ele ganhava e nos repassava. Mas era dele a prerrogativa de fazer a distribuição justa e igualitária daquela fortuna. Cada um de nós lucrava ao menos um casaquinho. Muitas vezes, na ânsia em exibir o novo modelito, vestíamos grossas lãs em pleno verão. Mas a irmã... pobre irmãzinha!... Para ela, quase nada havia. Posto que o irmão vivesse num ambiente de rapazes, e naquele tempo, diferentemente de hoje, os homens tinham hábitos estritamente masculinos, nada poderia servir à doce menina que a todos servia. Ainda assim, grande era sua alegria ao ver os pequenos felizes.

Quarenta anos se passaram desde aquele dia em que papai conduziu seu primogênito ao seminário. O garoto, antes mirrado, de pele queimada e de poucas letras, tornou-se robusto e ladino. Sou imensamente grato a este irmão que muito me ajudou, iniciando-me numa leitura mais seletiva e engajada. Então, para este que me foi um verdadeiro mecenas, deixo expresso meu reconhecimento, minha gratidão. Obrigado, Mano Véio!

FILIPE