Publicado na “Tribuna
de Amparo”, edição de hoje
Sobre os longevos paralelepípedos
da rua Quinze de Novembro, afluíam pés apressados para os vários quiosques que
ofereciam degustação: uma festiva Amparo inaugurava sua primeira edição do
“Festival da Cachaça”. Mas o que nos embriagou de verdade não foi a aguardente,
que muitos afirmam ser saborosa, mas a melodia cabocla – muito mais apetecível
do que aquelas incursões etílicas. No Largo do Rosário, entre a Capela e o Sobrado
da Viscondessa, uma multidão assistia e aplaudia embevecida uma orquestra de
viola caipira. Naquela noite de agosto, um grupo de quatorze violeiros cantava
e encantava a cidade com suas guarânias, toadas e rancheiras. A praça, a rua e a
cidade inteira reverenciavam os seresteiros vindos das cercanias, cujos acordes
tangiam a rua Quinze e eram reverberados pelos velhos casarões coloniais no
centro histórico da cidade. Por um momento, pudemos esquecer as agruras do dia
a dia como carestia, violência e desfaçatez – males que assolam desde sempre esta
depauperada nação – e nos deixar embalar pelo som da viola. E então, uma antologia do cancioneiro
sertanejo-raiz foi entoada por aqueles bravos violeiros. Antes de cada canção,
o “violeiro-regente” citava a autoria e, dessa forma, Tonico e Tinoco, Liu e
léu, Tião Carreiro e Pardinho, Lourival dos Santos, Teddy Vieira etc. foram
homenageados e rememorados no evento.
Havia também um CD promocional,
que era oferecido por uma pequena colaboração de ‘dez reais’. Quem quisesse
adquirir o disco poderia se dirigir a uma pequena mesa, que ficava num ângulo
do palco, quase escondida. Ali, sozinho, o próprio cliente abria uma caixa,
pegava o CD e fazia seu troco. Na caixa havia vários discos e uma certa quantia
de dinheiro, mas os cantadores não se preocupavam com isso, pois seu intento era
cantar, alegrar aquele público e nada mais.
Vivemos numa sociedade obscenamente
mercantil, de costumes devassos e passamos por uma espécie de assoreamento
cultural. Mas aquela singela orquestra de violeiros deixou algum alento. Muito
mais do que boa música, ela nos trouxe uma lufada de esperança de dias melhores.
Depois daquela apresentação, a cidade de Amparo parece ter ficado mais encantada.
FILIPE