Pensava eu que os avançados anos me livrariam das recorrentes
broncas recebidas ao longo da infância, juventude e até da maturidade, mas não.
Semana passada fui repreendido por um sujeito, que parecia não ter razão. Ao
serviço.
De vez em quando preciso dar uma tesourada na ‘’espessa
cabeleira’’ de um pé de acerola que sombreia todo o quintal e costuma invadir o
telhado vizinho. O arbusto já se tornou uma respeitável árvore e nele abriga um
sem-número de pássaros dentre os quais, pardais, bem-te-vis, rolinhas etc. Subo
numa escada apoiada em sua ramagem e vou aparando as pontas com um alicate de
poda. Preciso ser cauteloso porque a escada pode falsear, provocando minha
queda, e há entre as folhagens algumas rolinhas aninhadas, às quais não posso
causar danos.
Cortada toda a galhada, com uma corda de varal amarro um grande
feixe e levo para um local distante, à beira do rio. Sempre fiz esse serviço
aos domingos, quando o trânsito é calmo, quase inexistente. Dessa vez, porém,
decidi trabalhar no meio da semana. Amarrei um feixe, pus às costas e me dirigi
à margem do rio, caminhando ao longo de uma rua e tendo que cruzar uma avenida.
Levei o primeiro feixe de forma muito sofrida, mas com êxito. O
segundo feixe também. Por fim, quando fazia a terceira e última viagem, já
arqueado, tive dificuldade para atravessar a avenida porque o trânsito estava
intenso demais. Por sorte, um caminhão parou para que eu passasse e assim
consegui alcançar o outro lado. Virei para agradecer ao motorista, mas ele já
havia partido. Pensei: deve ser um ex-aluno. Sempre que recebo gestos
solidários de estranhos, penso nos meus ex-alunos, que são inúmeros e já não os
reconheço.
Após descer o último feixe, eu voltava feliz por ter conseguido
realizar tão árdua tarefa, quando um homem se aproximou, com cara brava e
sequer me dando boa-tarde, e me interpelou: “Você acha certo o que fez?”
“Sim”, respondi. Ele se irritou e quase gritou: “Jogar isso aqui é certo?” Eu
também me irritei e disse: “Esse terreno é da prefeitura!” O homem, que tem um
comércio naquela beira de rio “há 49 ou 51 anos” – conforme diz e sem
saber qual é o número certo –, quis me dar lições. Percebendo o chão movediço
sobre o qual pisava, contemporizou: “Sim, é da prefeitura, mas eu fui incumbido
de zelar, não permitindo que joguem lixo aqui”. “Mas isso não é lixo, senhor!”,
atalhei e emendei: “Lixo eu vejo sempre por aqui. Ontem mesmo eu recolhi
garrafa de vidro”. Agora, de bola baixa, ele se explicou: “Toda semana eu mando
meu funcionário fazer uma limpa aqui, mas não tem jeito. Sempre jogam. Ali
jogaram um caminhão de sucata, tá vendo?”
Sentindo que aquele homem, pelo menos no discurso, está preocupado
com a limpeza dos espaços públicos, pedi desculpas e lhe perguntei se queria
que eu tirasse os galhos de lá. Ele foi enfático, dizendo que não é
necessário, que as folhagens e os galhos apodrecem e viram adubo, que aquilo
não é lixo. Apenas perguntou se eu ainda traria mais. Respondi que não.
“Não por hoje?”, quis saber. “Nunca mais! Bronca eu levo uma vez só”,
arrematei. “Não, não estou dando bronca... Eu te conheço e jamais faria
isso contigo”, finalizou.
E assim, sem mais aperreios, ficou resolvida a questão.
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