sábado, 19 de março de 2022

LEVANDO BRONCA

 

Pensava eu que os avançados anos me livrariam das recorrentes broncas recebidas ao longo da infância, juventude e até da maturidade, mas não. Semana passada fui repreendido por um sujeito, que parecia não ter razão. Ao serviço. 

De vez em quando preciso dar uma tesourada na ‘’espessa cabeleira’’ de um pé de acerola que sombreia todo o quintal e costuma invadir o telhado vizinho. O arbusto já se tornou uma respeitável árvore e nele abriga um sem-número de pássaros dentre os quais, pardais, bem-te-vis, rolinhas etc. Subo numa escada apoiada em sua ramagem e vou aparando as pontas com um alicate de poda. Preciso ser cauteloso porque a escada pode falsear, provocando minha queda, e há entre as folhagens algumas rolinhas aninhadas, às quais não posso causar danos.  

Cortada toda a galhada, com uma corda de varal amarro um grande feixe e levo para um local distante, à beira do rio. Sempre fiz esse serviço aos domingos, quando o trânsito é calmo, quase inexistente. Dessa vez, porém, decidi trabalhar no meio da semana. Amarrei um feixe, pus às costas e me dirigi à margem do rio, caminhando ao longo de uma rua e tendo que cruzar uma avenida. 

Levei o primeiro feixe de forma muito sofrida, mas com êxito. O segundo feixe também. Por fim, quando fazia a terceira e última viagem, já arqueado, tive dificuldade para atravessar a avenida porque o trânsito estava intenso demais. Por sorte, um caminhão parou para que eu passasse e assim consegui alcançar o outro lado. Virei para agradecer ao motorista, mas ele já havia partido. Pensei: deve ser um ex-aluno. Sempre que recebo gestos solidários de estranhos, penso nos meus ex-alunos, que são inúmeros e já não os reconheço. 

Após descer o último feixe, eu voltava feliz por ter conseguido realizar tão árdua tarefa, quando um homem se aproximou, com cara brava e sequer me dando boa-tarde, e me interpelou:  “Você acha certo o que fez?” “Sim”, respondi. Ele se irritou e quase gritou: “Jogar isso aqui é certo?” Eu também me irritei e disse: “Esse terreno é da prefeitura!” O homem, que tem um comércio naquela beira de rio “há 49 ou 51 anos” –  conforme diz e sem saber qual é o número certo –, quis me dar lições. Percebendo o chão movediço sobre o qual pisava, contemporizou: “Sim, é da prefeitura, mas eu fui incumbido de zelar, não permitindo que joguem lixo aqui”. “Mas isso não é lixo, senhor!”, atalhei e emendei: “Lixo eu vejo sempre por aqui. Ontem mesmo eu recolhi garrafa de vidro”. Agora, de bola baixa, ele se explicou: “Toda semana eu mando meu funcionário fazer uma limpa aqui, mas não tem jeito. Sempre jogam. Ali jogaram um caminhão de sucata, tá vendo?” 

Sentindo que aquele homem, pelo menos no discurso, está preocupado com a limpeza dos espaços públicos, pedi desculpas e lhe perguntei se queria que eu tirasse os galhos de lá.  Ele foi enfático, dizendo que não é necessário, que as folhagens e os galhos apodrecem e viram adubo, que aquilo não é lixo.  Apenas perguntou se eu ainda traria mais. Respondi que não. “Não por hoje?”, quis saber.  “Nunca mais! Bronca eu levo uma vez só”, arrematei.  “Não, não estou dando bronca... Eu te conheço e jamais faria isso contigo”, finalizou. 

E assim, sem mais aperreios, ficou resolvida a questão. 

FILIPE

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