A
conversa que eu teria com o outro senhor, a quem visitava, migrou para o
Cesarinho. Bom de prosa, ele contou muitos casos naquela curta meia hora de
bate-papo. Eu também rememorei com ele alguma coisa bastante pitoresca, de que ele
se lembrou com impressionante nitidez.
“Cesarinho,
você se lembra daquela vez que eu achei na estrada uma chave de mecânico e que
troquei com você por um pedaço de lápis? Levei um baita prejuízo, né não?...”
Ele deu uma gargalhada e me disse que também não ficou no lucro. “Aquela chave
eu acabei trocando por fósforos!”, ele disse e continuou. “Eu estava indo pra
roça e não tinha como acender o cigarro. Então peguei aquela chave ofereci à
minha irmã em troca de uma caixa de fósforos, que nem estava cheia, mas era o
que eu teria para o momento. E assim se foi a chave, que deveria valer nem sei quantas
caixas de fósforos...”
A
história da chave trocada pela caixa de fósforos eu já sabia, não pelo
Cesarinho, mas por um irmão meu. Numa
conversa entre os dois, esse irmão tocou no assunto e o amigo contou o
ocorrido, o que agora foi confirmado.
Outra
história, talvez ainda mais interessante, não foi abordada nesse nosso reencontro.
Depois que levei aquela “manta” (expressão usada por meu irmão mais velho pra
dizer que eu ‘me ferrei” com a barganha), fizemos outra 'breganha', que será descrita abaixo.
Certa
vez, no Dia das Crianças, cada aluno ganhou uma bola. Eu voltava pra casa todo
alegre com meu presente, mas gostei mesmo foi de um isqueiro que o Cesarinho mostrou.
Então propus a ele uma troca. O amigo topou, levando a minha bola e deixando
comigo o isqueiro. Agora eu estava ainda mais feliz com aquele trequinho. Era só
dar uma dedada no rebolo, que a faísca gerava uma pequena labareda. No entanto,
minha alegria acabou assim que cheguei em casa. O isqueiro, que era a gasolina,
foi reabastecido com querosene. Resultado: ele não acendia mais. Por mais que
tentasse, nada! Então, já com a amarga lembrança daquela ‘chave trocada por um
toquinho de lápis’, decidi procurar o amigo pra resgatar a bola. E lá fui eu à
casa do Cesarinho.
Chegando
lá, a mãe dele me atendeu e disse que o filho estava no roçado. Expliquei meu drama
e o arrependimento por trocar a bola pelo isqueiro, e que eu queria destrocar.
Ela ficou reticente, mas me compreendeu e permitiu que eu entrasse pra procurar
a bola no quarto do filho. Entrei e não vi nada. Ela sugeriu que eu olhasse
embaixo da cama. Sim, a ‘minha’ bola estava repousando embaixo da cama do
Cesarinho. Deitei no chão, estiquei-me a fim de alcançá-la e lhe dei um toque.
A bola me obedeceu, batendo na parede e voltando feliz para as minhas mãos.
No
dia seguinte, no caminho da escola, um furioso Cesarinho me chamou de cotieiro, mas nem liguei. Somente depois
pude saber que “cotieiro” é quem descumpre a palavra, desfazendo negócios.
Então admiti que fui cotieiro, mas prometi
pra mim mesmo ser aquela a única vez em que eu faltaria com a palavra.
O
tempo foi passando, o Cesarinho me perdoou, terminamos o primário e continuamos
amigos. O tempo deu mais umas cambalhotas e, após meio século, nos
reencontramos. O rapaz queria conversar
mais e me convidou pra ir à sua casa. Eu prometi que iria, mas não deu tempo.
No dia onze deste mês de abril, enquanto trabalhava, o meu amigo de infância se
despediu.
Muitas
são as histórias e estórias que eu gostaria de ouvir, mas somente o Cesarinho
poderia contar.
FILIPE