O assunto não agrada, eu sei, mas
preciso falar de coisas chatas também. E já adianto ao raro leitor: caso tenha
algo mais divertido pra fazer, corra daqui porque não serei suave.
No último 31 de março (ou
primeiro de abril) completaram-se sessenta anos do golpe militar que arrastou o
nosso país para uma ditadura de duas décadas. Muitos ignoram o golpe e a
consequente ditadura: uns por desconhecimento, outros por maldade.
No sexagésimo aniversário da
infâmia, o presidente da República proibiu atos oficiais alusivos à data e por
isso ele foi bastante hostilizado, sendo, inclusive, tachado de covarde. Eu
também penso que a data não pode ser apagada e o golpe deve ser rememorado todos
os anos, sempre no ‘primeiro de abril’. Mas Lula tem lá suas razões e não quis
arrumar encrenca com os fardados.
Para entender o governo federal,
há uma linha de raciocínio bem simples. As nossas ‘forças armadas’ são
semelhantes às ‘gangues armadas’ que dominam as comunidades. Ao cidadão
suburbano que vive sob o jugo desses facínoras, a prudência aconselha a não se mexer.
Dessa forma, um pacto de convivência se estabelece para a sobrevivência de quem
não tem armas. Acho que está explicado, né?... Eu não sei desenhar!
O arguto leitor pode citar as
ditaduras no Chile, Argentina e Uruguai cujos agentes foram julgados e
condenados, enquanto no Brasil ninguém foi punido. É verdade, mas a história
nos oferece uma resposta muito simples para isso. No nosso país, a hegemonia
militar tem histórico de um século e meio. O protagonismo dos generais começa na
Guerra do Paraguai, passa pela deposição do imperador e atravessa a República –
desde Deodoro até esse Vilas Boas.
Nessa trajetória golpista, veio 1964,
e ali os militares tomaram o poder com a fome e a fúria de seus ancestrais. Nos
vinte e um anos de ditadura, todas as vozes dissonantes foram silenciadas e muita
gente foi presa, torturada ou assassinada simplesmente por divergir do sistema.
A retórica golpista aponta apenas para uma reação a guerrilheiros. Houve, sim, alguma
resistência armada à tirania, mas a repressão alcançou cidadãos comuns,
pacíficos, que apenas contestavam o regime. Para provar isso, e antes de
encerrar este texto, ficarei com dois exemplos bastante pessoais que dão conta
da truculência dos “gorilas”.
Nos anos oitenta, quando eu
prestava o serviço militar, fui ameaçado de prisão por um sargento por simplesmente
eu ter dito “João Figueiredo” em referência ao presidente da República. O esbravejante
praça me disse que o correto é “presidente” e que eu poderia ser preso por me
referir de forma tão “desrespeitosa” ao general Figueiredo. O outro caso se deu
num restaurante, quando me encontrei com um antigo colega de farda que passara
a trabalhar na ‘inteligência’ do exército. Durante aquele almoço, ele disse
que meu irmão, antes seminarista e depois padre em Juiz de Fora, tinha sido
monitorado pelo serviço secreto.
Hoje, apesar de tudo, alegra-me
saber que, embora ainda poderosos, ‘pela primeira vez na nossa história’ militares
de alta patente são inquiridos por civis, tendo que suportar até oito horas ininterruptas
de interrogatório. Alguns tergiversam, outros se recolhem ao silêncio covarde,
e já houve até quem desmaiasse diante de uma ordem de prisão. Gente, isso não é
pouco!
FILIPE
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