Noutros tempos eu gostava de me amoitar
num cantinho de boteco para ler, escrever ou simplesmente observar as pessoas
que entram e saem – e também aquelas que nunca saem. Eu me divertia vendo um ébrio
encostado no balcão com um copo de cachaça pela metade, mirando o líquido numa
contemplação apaixonada e sem fim. O homem pega o copo, dá uma balançada na
pinga, mas desiste de beber, deixando novamente o copo no balcão. Olha meio
desconfiado para o lado, dá dois ou três passos em direção à porta, mas volta
para seu cantinho e fica novamente namorando a pinguinha, que parece ser
boa.
Antigamente a cena com o manguacinha no boteco era mais
pitoresca. Naquele tempo, o sujeito tinha a liberdade de acender o cigarro, mas
para isso teria que usar uns três palitos de fósforo: um quebrava na primeira
riscada; o outro palito caía e ele, por razões óbvias, não conseguia pegá-lo;
com sorte, era bem-sucedido na terceira tentativa. E os copos... ah, preciso
falar disso. A cachaça foi feita pra se servir no copo americano. Pinga,
qualquer que seja ela – premiada, de litro ou garrafão, até mesmo do barril – tem
que ser tomada em copo americano. Doutra forma, quem é bom cachaceiro jamais
vai cumprir o “sagrado” ritual de beber um gole e dar aquela baita cuspida em
seguida.
Numa tarde quente e úmida, eu
estava numa cidadezinha do interior do Paraná quando resolvi dar uma
escapadinha para um boteco bastante fuleiro, onde havia apenas três ou quatro
mesinhas e nenhum cliente, que é do jeito que eu mais gosto. Pedi uma cerveja,
fui para um canto e comecei a bebericar enquanto retomei a leitura de um livro.
Comigo estava Dom Casmurro, que, na minha opinião, é a melhor obra de Machado
de Assis. Enquanto o botequeiro, sem
ter o que fazer, cochilava do outro lado do balcão, eu submergia na história de
Bentinho e Capitu. Subitamente, chega um cliente e desperta o homem, dizendo
quase num grito: “Seu Manduca, me dá uma cerveja!”. Não poderia ser menor o meu susto, não por
ele rasgar violentamente aquele benfazejo silêncio vespertino, mas porque naquele
exato momento eu lia no romance a história de um personagem que, coincidentemente,
tinha o nome de Manduca. Como pode?... Manduca ali e Manduca aqui?! Sim, o
homem tinha esse apelido, que provavelmente tenha saído das páginas de Machado.
Vai saber...
Agora os tempos são outros. Já não
frequento boteco e muito raramente vou a barzinho. Meus anos foram passando, antes
devagarinho e agora bem mais apressadinhos. Com a idade, me veio também algum
juízo, de forma que meus espaços de lazer são mais escassos e bem selecionados –
como uma sorveteria, por exemplo. É dela que eu gostaria de falar nesta crônica,
mas fui atraído pelo boteco.
Bom... semana sim, semana não,
dou-me ao luxo de ir a uma sorveteria. Ali,
leio e como picolés. Sim, eu mordo e mastigo picolés – não os chupo. Devoro
sempre três: de abacaxi, limão, milho verde ou coco queimado. Enquanto vou sorvendo
aquela delícia gelada, vou mergulhando nas páginas de um livro. Só que outro
dia eu esqueci de levar esse companheiro e resolvi fazer umas continhas. Mas...
atenção, matemáticos! Na demonstração da fórmula na foto que abre este texto,
não há rigor algébrico. No entanto, fiquei satisfeito com o resultado.
E com os picolés.
FILIPE
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