Mal se equilibrando sobre as
patas, um velho cãozinho vagueava pela rodoviária. Mais à frente estava o dono
do animal, um senhorzinho também de muitos dias. “Ele tem dezessete anos e eu
oitenta e cinco. Nós sofremos, viu... é duro ficar velho.” Aproximei-me daquele
homem e quis conversar um pouco, quis ouvi-lo. Ele pegou uma sacola que estava
no banco ao lado e pediu que eu sentasse. “Qual é o seu nome?”, perguntei.
“Armando. Armando Pires. Esse cachorro é meu. Eu morava em São Paulo e adotei
uma cadelinha chamada Biloca, que teve cinco filhotes. Ela foi envenenada e,
quando vi, já não dava mais pra salvá-la, porque já estava morrendo. Vi ela
morta e os cachorrinhos mamando nela... Deu uma tristeza danada. Aí eu cuidei
dos bichinhos, que viveram muito tempo comigo. Este aqui é o último e já vai
fazer dezessete anos dia (...).”
O homem queria conversar mais,
mas meu tempo era curto. Tinha que voltar pra casa, terminar um texto para o
blog – que decidi trocar por este. “Olha, muito prazer. Tenho que ir” “Ah, já
vai?”, e continuou: “Vou votar no Haddad, viu? Aquele outro é psicopata. Você
sabe o que é ‘psicopata’? É gente má. Ele não gosta de pobre, de preto, de
homossexual, de gordo, de ninguém cá de baixo. Ele só gosta dos poderosos. A
maior revista de economia do mundo, lá da Inglaterra, já falou que ele não
presta. Mas o povo é burro”. “Toca aqui”, disse eu, dando-lhe a mão em
concordância. Ele: “Já vi que você é uma pessoa inteligente, porque não vota no
psicopata”, sorriu largo e acenou me despedindo.
Aqui quero abrir um parêntese
para expressar minha furiosa angústia diante dos males que nos ameaçam e farei
uma breve consideração sobre o capitão, cujo nome me recuso a grafar. Sobre
ele, costumo afirmar com bastante convicção: vota-se no ‘capetão’ ou por
ignorância ou por maldade. Quem tem alguma informação ou suficiente bondade,
jamais apoiaria um apologista da tortura, que não tem adversários a vencer, mas
inimigos a destruir – um ser do mal. Muitos, porém, na ânsia de querer ver
resolvidos os problemas da violência, corrupção, contas públicas etc. apostam
num boquirroto, que fala aos berros, prometendo que vai pôr ordem nessa ‘bagaça’. Mas, que ordem? Quais são os
planos de governo? O que pretende fazer para pacificar a nação? Covarde, foge
do debate como seu “companheiro” foge da água benta.
Esse homem, que pretende ser
presidente, aposentou-se pelo Exército aos 33 anos de idade, acumulando salário
parlamentar e soldo militar há trinta anos. Com certeza, não vai ferir interesses
de sua gente, mas punirá os trabalhadores braçais, que deverão ralar para além
dos sessenta e cinco anos para, então, receberem um salário mínimo como
aposentadoria, se vivos ainda estiverem. Se eleito, vai pôr um general na pasta
da Educação para fuçar nas universidades, impor currículos e banir do ensino
médio sociologia, filosofia, antropologia e disciplinas afins. Terá na Defesa
outro general, que criminalizará os movimentos sociais, tipificando-os como
terroristas. Mas nada fará para extinguir ou moralizar as pensões vitalícias
recebidas por filhas de militares e altos funcionários públicos, que sangram a
sociedade em cerca de 10 bilhões de reais por ano. Não irá cobrar os 30 bilhões
de reais de impostos dos latifundiários caloteiros nem vai extinguir o “imposto
do príncipe”, que é uma taxa cobrada na aquisição de imóveis em determinadas
regiões do estado do Rio de Janeiro, e que abastece anualmente com alguns
milhões de reais as contas da família Orleans e Bragança, vulgarmente conhecida
como ‘família imperial’.
Se eleito, o capitão não terá
poder, porque um general fardado jamais receberá ordem de um ‘capitão
reformado’. Mas, como todo ‘ser das sombras’, terá atuação subterrânea contra
os pequenos: sem-terra, sem-teto, povos da floresta, operários etc. Contra
estes, o terror!
FILIPE