Era madrugada e me preparava para
escrever este texto quando um esbarrão involuntário derramou o chimarrão por
sobre o notebook, fazendo uma senhora lambança. Desanimei com a crônica, tentei
limpar o teclado, mas algumas teclas ficaram desobedientes.
Estava pensando nas relações
humanas, na amizade. Um familiar, a quem muito considero, disse não saber ao
certo o significado de ‘amizade’, e que talvez nem tenha amigos. “Sabe, eu acho
que não tenho amigo!”. Disse isso, acrescentando que os laços devem ser
reforçados prioritariamente dentro da família. “Mas, há pessoas que não têm
família...”, provoquei. Uma gargalhada na outra ponta da linha encerrou o
assunto.
Mas, o que é amizade? Há virtude
em cultivá-la? A amizade é necessária, mas ninguém se torna virtuoso por ter
muitos amigos. Cristo disse: “Amai vossos inimigos!” – não ‘vossos amigos’. Essa impactante frase pode ser contraposta a
outra, também do Mestre, de igual contundência: “Não deem pérolas aos porcos!”
Sou constantemente tentado a seguir apenas o segundo conselho, porque ‘amar o
inimigo’ é de lascar!
Recentemente um amigo fez um
desabafo no ‘feice’, dando a entender que alguém lhe traiu a amizade. Escrevi
logo embaixo, que amizade é pedra preciosa, algo que não se desperdiça. Em alusão ao ‘segundo conselho’, recomendei
ao amigo dar farelo e lavagem aos porcos – isso fará com que chafurdem de
contentamento – não o tesouro.
As relações humanas tendem a ser
neuróticas, egoístas, utilitaristas e não é necessário doutorado em filosofia,
antropologia ou psicologia para tirar essa conclusão. Isso pode ser dito, com a
classe e a sabedoria dos ébrios, por qualquer ‘borracho’ dialogando com seu
copo no balcão do boteco. Se tenho um amigo, se me entendo com um colega de
serviço ou se me dou bem com o dono do botequim, é por que tiro proveito disso.
Terei sempre com quem dividir minhas angústias, ajuda nas tarefas cotidianas ou
uma pinguinha de graça. O resto é lorota.
A amizade deve ser semente que se
semeia espalhadinho; depois, planta
que cresce bem devagarinho; mais tarde, árvore frondosa e de caule lenhoso – solitária,
porém. E não há bosques, matas ou florestas assim. Não há!
Ainda quero falar sobre o
amor. Mas o amor, que não é tema destes
rabiscos, teria que ser abordado carinhosamente, com mais capricho. Neste
momento, não consigo sequer escrever sobre a ‘amizade’, algo supostamente
banal, quem me dera discorrer sobre coisa tão elevada! Acredito que o amor
exista nas versões egoísta e oblativa. A primeira, sedutora, é o que impulsiona
o ser humano; a segunda é sublime e nos humaniza divinamente.
Entendo que a base de toda
relação deve ser a fraternidade, porque o amor que não seja fraterno, não é
amor. É afetação.
FILIPE