sexta-feira, 23 de junho de 2017

OS TRÊS CONSELHOS

Dia desses, perdi preciosos minutos com um vídeo que tem feito almas puras verterem as mais cristalinas lágrimas. Traz a saga de um pobre camponês recém-casado, que se despede da jovem esposa e sai à procura de trabalho. Após vários dias na estrada, ele encontra ocupação numa fazenda, onde se estabeleceria. Contratado, pediu ao patrão que todo seu ordenado fosse depositado numa poupança. Passados vinte anos, o camponês pediu as contas e o patrão lhe propôs o seguinte: “Dou-te todo o salário ou três conselhos. Se quiseres o dinheiro, não terás os conselhos; mas se quiseres os conselhos, não terás o dinheiro”. O camponês, caboclo honesto e trabalhador, mas meio pancado das ideias, ficou de pensar. Matutou a noite toda e decidiu pelos conselhos. O patrão, muito “bondoso”, como costumam ser os fazendeiros, deu-lhe três pães: dois para serem comidos durante a caminhada e um para comer com a esposa, quando chegar em casa. E os conselhos: “Vá pelo caminho mais longo, sem pegar atalhos; não dê ouvidos a coisas do mal, como gritos de socorro, por exemplo; não espanque sua mulher antes de saber que o cara que está com ela pode ser o seu filho”.

Bom, há várias versões dessa “fábula” na WEB e quem quiser detalhes, que assista a um vídeo daqueles e confronte com este texto. A mim, não interessa traduzir em palavras, imagens e sons tão comoventes. Ademais, ainda que eu quisesse, jamais conseguiria fazer alguém chorar com um texto. Mas quero apenas refletir sobre mensagens como essas, que trazem no seu bojo alguma subliminaridade.

No vídeo, o patrão é um homem bonachão e parece preocupado com o empregado, que volta para casa guiado pelos “três conselhos”, caminha por vinte dias e tem como alimento apenas dois pães. Não pôde pegar carona, pois o primeiro conselho dizia para “não tomar atalhos”; não prestou socorro a um agonizante, pois o segundo conselho advertia para “fugir do mal”; enfim, o mais sensato dos conselhos, o terceiro, também foi fielmente seguido: evitou cometer um crime ao encontrar a esposa acompanhada de um homem. Dispararia contra os dois, mas pensou: “Não posso tomar decisões com a ‘cabeça quente’!”

Como nas fábulas infantis, o final foi feliz. Depois dos abraços e beijos, como convém a certos reencontros, a mulher foi para o fogão preparar o café, enquanto o filho... ah, não me lembro. O pai pegou o último pão e... surpresa das surpresas: estava recheado de dinheiro! Como a poupança de vinte anos de trabalho coube num pão, não se sabe. Se bem que o pão era grande, mas...   

Em tempos encardidos como estes, quando deputado propõe que lavradores trabalhem em troca de casa e comida, o vídeo traz uma mensagem subliminar: o patrão decidindo sobre a vida do empregado, que é tratado como súdito.  É uma história piegas, desarrazoada, eivada de machismo, de egoísmo e com apologia à vassalagem, mas faz sucesso nas redes.  


FILIPE

sexta-feira, 9 de junho de 2017

ASSOMBRAÇÕES

A minha infância foi recheada de histórias de assombração. Alguns desses casos pareciam verdadeiros, a fonte era confiável, mas nunca consegui acreditar nisso.  Estradas desertas, casas abandonadas e encruzilhadas eram lugares preferidos das “coisas do outro mundo”.  Algumas dessas “almas penadas” ficariam empoleiradas nas porteiras durante a madrugada. Quando alguém se aproximava, a “coisa” abria a porteira para que o andante passasse tranquilamente. Tranquilo?... Segundo contavam, o coitado partia desesperado, em desabalada carreira. Chegando em casa, pedia que não acendessem luz; tinha que ficar no escuro por algum tempo, não se sabe por quê.  

De um vizinho, homem respeitado por sua valentia, contava-se que a “coisa” montara na garupa de sua mula. O “indesejado” o acompanhou por todo o trajeto, gelando sua cacunda, até chegar em casa. O animal bufava e suava, trotando com dificuldade, pois o troço era pesado à beça.  Noutro episódio, um parente próximo teve de abandonar sua própria casa devido a fenômenos estranhos. Os casos que ele conta são de arrepiar até os mais céticos, como eu.

Recentemente, um colunista da Folha contou uma história dessas ocorrida em Ipanema, no Rio de Janeiro. Após o falecimento do ocupante, um apartamento entrou em reformas, mas alguns operários se recusaram a trabalhar lá. Descargas sanitárias eram acionadas misteriosamente, lâmpadas piscavam, martelos mudavam de lugar; respirações ofegantes, tosses, pigarros, passos também aconteciam sem que tivesse alguém no local além do operário. Até o porteiro evitava visitar o imóvel devido ao caso. Um senhor, alheio aos acontecimentos, alugou o apartamento e morou nele por um tempo, mas não resistiu. Bateu em retirada, porque a coisa estava cada vez mais fora de controle nas suas noites, que se tornavam longas e tenebrosas.

Não acredito em assombrações, porque elas só aparecem a alguém sozinho, à noite, mas nunca no meio do dia e para um grupo de pessoas. São elas tímidas, ou covardes? Mais: por que ao invés de remover um pequeno objeto, como um martelo ou um livro, a danada não desloca a geladeira da cozinha para a sala, ou um guarda-roupa do quarto para a cozinha? Aí, sim, seria mais emocionante, não?...

Ainda. Por que os “seres das sombras” não agem no sistema bancário, fazendo transferências de uma conta para outra? Não dominam a tecnologia?... Se são do mal, poderiam praticar a maldade de forma mais efetiva e charmosa; sendo do bem, a justiça social triunfaria!

Há pouco tempo uma dessas assombrações pareceu ser do bem, quando o “usurpador” foi enxotado do Palácio da Alvorada. Que interessante: um “vampiro” atormentado por “zumbis”, que o puseram para correr! Mas poderiam ter feito o serviço completo, expulsando-o também do Jaburu, de Brasília, do País... que se encontra cada vez mais mal-assombrado.


FILIPE