sexta-feira, 19 de maio de 2023

RITA LEE

 


Começo escrever este texto numa manhã fria e nublada deste mês de maio. Lá fora, um bem-te-vi, que mora na mangueira ao lado de casa, ainda há pouco estava chamando insistentemente a sua “esposa”. O bem-te-vi mandou-se para os ares e me deixou aqui no rancho com a Pituka e o Tiziu, que continuam enroscados em seus trapos, não sei se de lã ou feltro. E enquanto digito este texto, a Rita Lee canta “Saúde”, dizendo: “(...) enquanto estou viva e cheia de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz”.

Minha história com esta cantora começou na década de setenta e foi assim. Numa de suas férias do seminário em Juiz de Fora, meu irmão mais velho trouxe uma dezena de pôsteres de artistas que estavam em voga naquela época, e essas fotos foram coladas numa parede da sala. Eram atrizes de novela e cantoras, que eu desconhecia por completo. Naquele tempo, pouca gente na minha terra tinha televisão, e na roça, onde morávamos, não tínhamos sequer rádio de pilha. Para nós, esse irmão era uma minicelebridade, porque era ele quem nos trazia as “novidades da civilização”.

De todas aquelas artistas cujas fotografias enfeitavam nossa humilde sala, eu me recordo de apenas duas: Dina Sfat e Rita Lee. Da Dina eu me lembro só do nome; da Rita, já lembro da imagem mesmo. No alto da parede, tal qual num olimpo, estava a Rita Lee: linda, de olhos claros e expressivos, cabelos longos e a franja que a acompanharia até seus estertores.

A nossa casa era de tijolos aparentes – não por charme, mas pobreza mesmo –, mas a sala ficou particularmente charmosa com aquela pequena galeria de celebridades. Todos gostamos e ficamos encantados – menos papai, que chegou e mandou retirar ‘tudo aquilo dali’.

Foi um anticlímax. Meu irmão começou a tirar cuidadosamente uma por uma para que não rasgasse, mas em vão foi seu esforço. As “meninas” não queriam “descer da parede” e o negócio foi retirá-las à força.

Ficamos tristes, mas a obediência aos pais era um imperativo na nossa família. Embora houvesse um choque geracional entre pais e filhos, papai era sempre compreendido e respeitado por todos nós.

Pois então, semana passada Rita Lee encantou-se. Dela fica o magnífico repertório e um legado de rebeldia e liberdade, concordemos ou não com ela.

Para seu epitáfio, Rita escreveu: “Ela nunca foi bom exemplo, mas era gente boa”.  Sim, Rita Lee era gente boníssima. Em vida, muito discretamente, sempre doou suas roupas para moradores de rua. E tinha espiritualidade também. Embora não fosse declaradamente adepta de credo algum, todas as noites, antes de dormir, ela e seu marido faziam suas preces.

Rita Lee partiu na certeza de que deixou um ‘monte de gente feliz’. Mas a sua ausência deixa a vida um pouco mais triste.

FILIPE

sexta-feira, 5 de maio de 2023

A RÁDIO CULTURA DE AMPARO

 Publicado no jornal 'A Tribuna de Amparo' -- edição de hoje.

 

O que está acontecendo com a nossa Rádio Cultura?

 

É manhã de domingo. Ligo o rádio, que sempre esteve sintonizado na rádio Cultura de Amparo, mas preciso desligar porque a programação não é mais aquela que me fez ficar enamorado dessa emissora desde há muitos anos. Antes, aos domingos, havia música erudita bem no comecinho da manhã. Em seguida, uma sequência musical genuinamente brasileira fazia meu domingo pulsar até o meio-dia. Agora, não mais.

 

As manhãs de sábado também perderam o brilho musical na Rádio Cultura.  Às sete da manhã, havia um programa especial contando a vida de determinado ícone do nosso cancioneiro. Em seguida, a programação continuava em linha com o espírito da emissora, tocando sempre MPB no gênero raiz. O programa biográfico acabou e a sequência musical ficou desidratada.

 

Há tempos, por falta de sintonia com o programa e simpatia com o apresentador, deixei de ouvir a Rádio Cultura nas manhãs de segunda a sexta-feira. Mas as tardes me eram propícias, particularmente o programa das 17 horas, cujo apresentador, Marcelo Lari, é uma ‘reserva moral’ do rádio brasileiro. No entanto, e isso não é culpa do locutor, a seleção musical ficou bastante prejudicada desde a aposentadoria de Cecília Beltramelli, produtora musical que trabalhou na emissora por muitos anos. Com a saída daquela profissional, nomes como Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, João Bosco e outros titãs da cena musical brasileira foram postos no ostracismo, numa espécie de ‘macarthismo tupiniquim’ agora presente em Amparo.

 

Numa tarde dessas, tentei insistir no dial da Rádio Cultura, mas tive que desligar. Não pude conter a indignação ao ouvir (na minha rádio!) um pagodeiro... E desses aí, bem midiático!

 

Ah, raríssimo leitor, não me tenha por preconceituoso. Musicalmente talvez eu seja, mas aqui a minha intenção é defender um espaço que sempre privilegiou a autêntica MPB. Para quem gosta e quer ouvir pagodes, sertanejos universitários e que tais, há uma miríade de emissoras por aí – e eu não gostaria de que a nossa Rádio Cultura entrasse naquela seara.

 

Infelizmente — por ideologia, descaso, ignorância ou compadrio —, decisões erradas estão sendo tomadas e a nossa Rádio Cultura perde muito do elã com que tanto me seduzia para se tornar uma emissora como outra qualquer.

 

FILIPE