Eu estava passeando com o Tokinho,
meu cãozinho, quando vi aquele homem em sua casa. As mãos impacientes no gradil
da varanda pareciam denunciar o atraso de alguém que deveria chegar, e um olhar
displicente caía sobre a rua ensolarada, numa seca manhã de outono. Nunca o
havia visto, embora há muito o conhecesse de nome e de histórias. Quando ele me
avistou e notou que eu o olhava, virou-se disfarçadamente para dentro, como se
alguém o chamasse. Mas em casa não havia ninguém além dele. Naquele momento,
ele estava só.
Continuei caminhando devagar e
parei em frente ao portão, que estava semiaberto. Assim que ele me viu de
perto, nós nos cumprimentamos. Então ele deu alguns passos em minha direção e
parou. Nesse momento, eu quis me certificar
de que ele fosse o tal senhor que eu conhecia pelo nome de Fiori. “Sou eu
mesmo”, ele me respondeu acrescentando os pedaços que faltavam para completar o
nome. “E aquela senhora que sempre fica
aí, na varanda?”, perguntei meio temeroso da resposta. “Ah, ela é a minha
‘patroa’, mas agora está na casa da filha. Aqui ela era bem cuidada, mas essa
minha filha resolveu levá-la pra passar um tempo lá. Então eu fico aqui,
sozinho, mas à noite vou pra lá também”. Após esse início de conversa, o seu
Fiori, parecendo ter se afeiçoado a mim, resolveu contar um pouco de sua vida.
“Rapaz, eu moro aqui há mais de
20 anos, mas a vida inteira eu trabalhei no sítio, com um mesmo patrão. Depois
eu peguei a danada da ‘maculosa’, que me deixou como morto. Fiquei muitos dias
prostrado. Alguém poderia me puxar pela orelha, arrastar e me jogar no rio, que
eu não dava conta disso. Eu não prestava para nada, então saí do sítio e vim morar
aqui. Depois eu melhorei, graças Deus, e não quis mais saber de trabalhar em
sítio. Aqui eu trabalhei muito mais do que lá: fiz essa casa, trabalhei em dois
empregos, mas ultimamente eu parei com tudo. Tenho que cuidar da Maria, sabe...
Eu gosto daqui, mas fico triste sem ela. Eu choro, sabia?... Tenho que arrumar sempre
alguma coisa para fazer, senão fico muito aborrecido. Ela ficava ali, na
cadeira dela, quietinha, sem reconhecer as pessoas. O alimento tem que ser na
seringa, e precisa de gente com paciência para cuidar dela. Eu sei que ela sente a minha presença, então
gosto de ficar perto dela para que ela não se sinta sozinha.”
Eu ouvi o seu Fiori e ainda quero
ouvir mais histórias dele. Após esse breve relato, ele me disse que estava
esperando um pedreiro para uns reparos na casa. Então eu me despedi e continuei
minha caminhada. A alguns metros acima, eu queria ver outro amigo. Dessa vez, contudo,
a casa do seu Benedito, que fica sempre aberta e com várias pessoas na varanda,
estava fechada. Então eu não pude ver o seu Benedito e nem o verei mais. Ele
não quis esperar a sua festinha de 94 anos, que seria em agosto.
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