“Consoladora dos aflitos, rogai por nós!”
“CONSOLATRIX – AFFLICTORVM – ORA – PRO – NOBIS”. Em latim, tal como transcrevo, a inscrição decora
lindamente o altar-mor da igreja matriz da Consolação em São Paulo. Mas quem
são os aflitos, de quem emana tão pungente súplica?
A igreja estava quase vazia e uns poucos fiéis assistíamos à
missa de meio-dia, num sábado. Com habitual e desnecessária pressa, o celebrante
melodiava solitariamente todas as preces, inclusive os Salmos. Naquele momento
eu me angustiava, pois a execução de um patrício se fazia iminente. Para além
dos mares, do outro lado do planeta, em terras da Indonésia, Marco Archer se
preparava para receber no peito a bala fatal. O desafortunado homem não tinha
lá grandes méritos, mas contra ele não pesava acusação de ser homicida,
pedófilo nem ladrão contumaz. Traficara cocaína. Por justiça, deveria ser mesmo
trancafiado numa masmorra até que se reabilitasse. Mas sua condenação foi por
demais severa, desumana, cruel, ignominiosa.
O réu fora condenado à morte e permanecera nessa expectativa
ao longo de sofridos dez anos. Quase uma dezena de pedidos de clemência foi
enviado àquele país pelas autoridades brasileiras, em vão. Mas os bravos
defensores da vida intrauterina calaram-se. Por quê? Será porque, diferentemente de um embrião
humano, um criminoso não tem direito à vida?...
Fere-me os tímpanos o espantoso silêncio desses conservadores. Em tempos
de eleição, ouvem-se seus (justos) alaridos contra o aborto. Mas agora, nem
sequer um trinado se fazia ouvir. Bico calado!
Voltando ao celebrante, dele se esperava que nos instasse a
rezar ao menos uma Ave-Maria pelo condenado, mas não. Preocupou-se em comentar,
ao final da missa, a publicidade de uma faculdade que patrocina o folheto
litúrgico. Já em sua homilia, fez questão de criminalizar o movimento
Catraca-Livre – que luta pelo fim das tarifas de transporte coletivo –
sugerindo sê-lo composto de pessoas que não trabalham. Ainda: acusou um de seus
membros de espancar uma senhora num ponto de ônibus durante a manifestação. Quem
já participou de movimentos sociais ou procura informar-se com algum critério
sobre eles, sabe da existência de infiltrados em quaisquer desses eventos. Mas
de quem se instrui apenas lendo a revista “Veja” ou assistindo ao “Jornal
Nacional”, fica a impressão de ingenuidade ou de atraso mesmo. Não sei se esse
é o caso do nosso pregador, mas para ele deixo o benefício de minha incerteza.
Afinal, o que nos aflige? A mim, aflige-me todo tipo de
violência: das ações de trombadinhas à truculência policial; do escárnio dos
poderosos à hipocrisia de clérigos; da condescendência aos criminosos à negação
da misericórdia. Aflige-me a apatia diante da aflição alheia; diante de quem
receberá a pena capital. A morte moral
me aflige.
FILIPE