Finalmente o Mano Véio apareceu
por aqui. Sua presença luminosa foi também um vento forte, ruidoso e
breve. Mas ele é assim mesmo. De vez em
quando deixa seu cantinho nas Gerais para fazer um pequeno passeio que inclui
dezenas de visitas rápidas. Ele desentoca parentes distantes dos quais ninguém
se lembra e os traz para a roda da família como se fossem próximos, quase
irmãos.
Não estava prevista essa sua
visita. Contudo, obstinado que é, estando no Paraná e de volta para Minas,
pegou um avião de Curitiba a Campinas e em pouco tempo aportou na rodoviária. Fomos
buscá-lo naquela tarde. Estava animado, falando de suas realizações e de seus
planos. Mas no dia seguinte, antes de clarear, ele já pegaria a estrada rumo a
outros compromissos, que são sempre muitos.
Quinze minutos depois do encontro
na rodoviária, chegamos em casa. “E aí, filipão... Então é aqui que você se
esconde, né?...” Estava eufórico enquanto era conduzido às entranhas da casa.
Na minha humilde biblioteca, divertiu-se abrindo armários, folheando livros, fazendo
perguntas e atropelando respostas.
De volta à cozinha, um café estava
a postos acompanhado de doces, queijo e pães. Frugal na mesa, tomou café sem
açúcar, mas experimentou um doce e se surpreendeu ao saber que foi feito por
mim. Gostou. Terminado o café, foi para a varanda rezar as Vésperas. Enquanto
ele estava por lá, com a porta fechada para não ser incomodado, eu tirei a mesa
do café e comecei a preparar o jantar – uma sopa. Sua oração foi rápida, porque
minutos depois já estava falando ao celular, dando gargalhadas. De volta à
cozinha e me vendo preparar a janta, bateu na barriga e disse que não jantaria,
porque estava satisfeito, e já desceria para o quarto a fim de dormir. Tinha
sono, precisava descansar para se levantar cedo. Continuei cortando legumes e
preparando a panela para cozer aquela miscelânea, que ficaria boa se não
fosse...
Terminado o preparo, pluguei a
panela e fui cuidar de outras coisas. Ao voltar, vi que o tempo de cozimento terminou,
mas eu não abriria a panela porque a pressão residual faz com que a cocção
continue sem necessidade de gastar mais energia. O mano, que disse não ter fome,
já estava com prato e colher na mão e de olho comprido no fogão. Perguntei se
ele poderia esperar um pouco. Não podia. Tinha sono e queria comer logo; caso
contrário, dispensaria. Tive então que apressar a abertura da panela e liberar o
vapor, fazendo com que a sopa ficasse meio crocante – talvez crua mesmo. Não
gostei, mas ele disse que estava boa e até repetiu.
Enquanto meu irmão tomava a sopa,
devagar porque estava muito quente, ele teorizava sobre nosso pai. Segundo disse,
papai teve três fases na vida, que deveriam ser registradas. A primeira deu-se quando
ele era um jovem professor; a segunda foi quando papai estava com os filhos
pequenos; finalmente, a terceira contempla nosso pai já velho e aposentado. Enquanto
eu pensava nas ‘três fases’ paternas, ele retificou dizendo que não seriam
três, mas quatro fases, e que eu deveria descrever isso em crônica. Eu disse
que ele escreve bem e deveria pôr isso no papel. Mas não, ele não queria
escrever. Eu é que teria de fazê-lo. Enquanto eu matutava sobre cada uma das
fases da vida do papai, que foram três, depois quatro, o mano, que deixava a
mesa de jantar, asseverou que a vida do papai deveria ser dividida não em três
ou quatro, mas em cinco fases. Contudo, antes que ele me explicasse, não
consegui segurar o riso, que saiu farto, e o Bom Mano desistiu desse roteiro
biográfico do nosso Velho.
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